Wallace Corbo, da FGV: 'Como sociedade, nós devemos pensar como criar formas mais profundas de democracia'

Com imagem desgastada, falta de gestão e a marca negativa na área ambiental, Brasil se prepara para retomar seu protagonismo global.

Professor Wallace Corbo - crédito Dibulgação FGV. Wallace Corbo, da FGV: 'Como sociedade, nós devemos pensar como criar formas mais profundas de democracia'. (Foto: Divulgação)

Após décadas de excelente relacionamento internacional, o Brasil passou por desgastes constantes nos últimos anos que afetaram sua imagem perante o mundo. Aquele Brasil protagonista, da esperança, líder da América Latina, não existe mais? É possível recuperar uma reputação perdida?

Para o presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sydney Sanches, “o país sofre um desgaste absurdo no plano internacional. O Brasil se afastou de sua tradição histórica de mediador, abdicou da característica que a diplomacia brasileira tem, se afastou do debate multilateral saudável com propósito de aprimoramento das relações internacionais, com a finalidade de melhorar as condições do mundo inteiro, tanto na pauta social como comercial”, pontua o advogado.

Posições

Mas, a atual gestão não se omitiu de todos os debates internacionais, pelo contrário, segue desmontando consensos e valores.

“O Brasil continua a participar das reuniões multilaterais e dos grupos regionais e globais do qual é parte. A grande diferença da atual gestão é que sua participação se resume em colocar um novo ponto de vista sobre importantes temas discutidos nesses encontros. As posições ideológicas é que estão dificultando a ação externa brasileira, visto que a defesa da agenda de costumes, de direitos humanos, ambiental deixa o Brasil em posição minoritária. A voz do Brasil deixou de ser ouvida, como no passado. Sua influência, seu soft power desapareceu. Os contatos de alto nível praticamente desapareceram”, analisa o embaixador Rubens Barbosa, mestre em Relações Internacionais e professor na área há mais de 15 anos.

O presidente do IAB também cita um recente ato feito pelo presidente, o chamamento dos embaixadores estrangeiros para um evento no Palácio da Alvorada. “Bolsonaro chamou a comunidade internacional para, mais uma vez, desacreditar a segurança do processo eleitoral brasileiro, para falar contra a democracia brasileira, contra o processo eleitoral, contra as urnas, contra a forma pela qual as instituições brasileiras estão constituídas, e isso foi extremamente negativo. Só agravou a situação da imagem do Brasil lá fora”, diz Sanches.

“No momento em o país se alinha a pautas autoritárias, contrárias ao meio ambiente, a globalização, ao multilateralismo, ele sai do cenário internacional e passa a ser visto como párea. E o atual governo foi o grande condutor para essa situação”, completa.

Do meio ambiente à guerra na Ucrânia

Para o Embaixador Rubens Barbosa, o principal problema do Brasil hoje no cenário internacional é a política ambiental, ou melhor, pela falta dela com relação a omissão do combate aos atos ilícitos na Amazônia, como desmatamento, queimadas e garimpo em terras indígenas. “A destruição da Amazônia está no centro da percepção negativa no exterior sobre o Brasil”, diz. julho deste ano. A impunidade, a falta de penalização e responsabilização pela destruição ilegal da vegetação nativa contribuiu para que registrássemos a triste marca de maior desmatamento dos últimos 15 anos.

Emb.Rubens BarbosaEmbaixador Rubens Barbosa, mestre em Relações Internacionais. (Foto: Divulgação)

A morte do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira a Philips e Pereira na Amazônia completa a lista de atos que ajudaram a acabar de vez com a reputação do país, principalmente diante do tratamento do atual governo para o caso. Em junho deste ano, uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH) homenageou os dois.

Desmatamento em números

  • A área de floresta desmatada da Amazônia Legal em 2022 foi a maior dos últimos 15 anos
  • Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil perdeu uma área correspondente a 42 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa, extensão equivalente ao estado do Rio de Janeiro
  • Somente em 2021, foram destruídos cerca de 16 mil km quadrados de vegetação nativa, um aumento de 20% em relação ao ano anterior
  • Em dados absolutos, a Amazônia é o bioma com maior território afetado: 59% do total
  • Na Amazônia, 111,6 hectares foram desmatados por hora ou 1,9 hectare por minuto, equivalendo a 18 árvores por segundo
  • De agosto de 2021 até julho de 2022 foram derrubados 10.781 km quadrados de floresta, o que equivale a sete vezes a cidade de São Paulo

Fontes: Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, do MapBiomas (julho/2022) e Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ambos de 07/2022.

Barbosa também destaca os ataques pessoais a líderes mundiais, como o presidente da França, e regionais, como o presidente da Argentina, como dificultadores da diplomacia.

“O Brasil deixou em segundo plano sua relação com a América do Sul e mesmo com o Mercosul, apesar de ter avançado em negociações comerciais. As restrições ideológicas a governos de esquerda eleitos na América do Sul e a agenda de costumes nos organismos internacionais afetaram a ação do Itamaraty”, completa Barbosa.

Outro ponto que gerou muito desgaste internacional para o Brasil foi o posicionamento no momento da invasão russa na Ucrânia.

“O país não condenou a invasão e se afastou de um princípio internacional básico que é a soberania nacional dos países sobre seus territórios. Ainda que tenha votado pelas sanções em segundo momento, no primeiro momento o presidente apoiou a ação militar russa, o que foi um erro diante da comunidade internacional, em especial o ocidente democrático”, relata o presidente nacional do IAB, Sydney Sanches.

Sidney Sanches, Crédito Divulgação IAB (2)Presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sydney Sanches. (Foto: Divulgação)

Instituições

O clima de desinformação, violência e hostilidade contra a imprensa, na tentativa de silenciar os jornalistas, de cercear a liberdade de imprensa como forma de enfraquecer a democracia, bem como o aumento das fake news, principalmente com relação as eleições, também seguem na lista de atos antidemocráticos que mancharam a imagem do país no mundo.

Em julho deste ano, uma comitiva com representantes de 18 organizações da sociedade civil brasileira esteve em Washington, nos EUA para participar de mais de 20 reuniões com membros do Departamento de Estado americano, deputados, senadores e representantes de organizações sociais e sindicais locais, com a intenção de alertar para as ameaças ao processo eleitoral brasileiro e buscar apoio para o reconhecimento do resultado da eleição presidencial.

Por outro lado, a estratégia de desmonte das instituições e da democracia fez surgir novos ares de mudança e movimento por parte da sociedade. Para o professor Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, tudo isso funcionou como um paradoxo.

“Acabou incentivando novas organizações sociais e até mesmo que as antigas organizações se estruturassem de forma a se protegerem e protegerem a democracia”, diz. Para ele, em algum grau, ocorreu, ao mesmo tempo, um ataque à soberania popular e uma resposta do povo, mas o caminho não é aumentar os ataques para aumentar a defesa. O caminho para evitar a erosão da democracia, é mais democracia”, diz.

Imprensa livre e Fake News

  • Em 2021, foram registrados 453 ataques à imprensa brasileira
  • 69% dos casos de agressão à imprensa foram provocados por agentes estatais
  • O presidente Jair Bolsonaro deu uma média de 6,9 declarações falsas ou distorcidas por cada dia de 2021
  • A fake News de que em 2020 o país criou mais empregos formais do que no ano anterior foi repetida 58 vezes. No final de 2021, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mostrou que, em 2020, o Brasil perdeu 191.500 vagas no mercado de trabalho
  • O presidente deu 145 declarações falsas ou distorcidas a respeito das eleições, pressionando pelo chamado “voto impresso” e colocando ao mundo, suas crenças sobre a falta de segurança do sistema eleitoral brasileiro

Fontes: Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e Aos Fatos.

Futuro

Reputação, uma vez perdida, é muito difícil de ser recuperada, mas o Brasil sendo um dos celeiros do mundo, com commodities que são necessidades intrínsecas que o mundo precisa consumir, tem grandes chances de retomar sua boa imagem. É consenso, porém, a urgência de mudança de atuação da atual gestão para isso.

“Diante do posicionamento atual do país ele acaba sendo retirado de participar de negócios em desenvolvimento na área de tecnologia, de patentes. Mesmo o comércio mais tradicional possível fica enfraquecido quando a agenda do país nega pautas importantes como de boa governança, de preservação do meio ambiente, de transparência nas instituições democráticas, e que fazem com que o ambiente de negócios não seja amigável. Isso afasta investidores do país”, pondera Sidney Sanches, presidente do IAB. “Se mantivermos a mesma política externa que está sendo adotada hoje, teremos um agravamento do distanciamento do país com o mundo, o que significa um agravamento das condições internas de natureza econômica, social e política”, alerta.

Para ele, esse caminho de recuperação passa por um governo que preserve os princípios do estado democrático de direito e da constituição brasileira, que trate de todos os âmbitos necessários para as conversas multilaterais. “Dessa forma, é possível retomar a agenda que o país sempre teve e com a característica de ser um grande mediador das relações internacionais, ser uma liderança no debate internacional que o Brasil sempre foi, até por sua importância estratégica na área ambiental”, completa.

Para o Embaixador Rubens Barbosa, a credibilidade e o prestígio brasileiro no exterior só vão ser recuperados quando “mudar a política em relação ao meio-ambiente e à Amazônia com resultados concretos e não com promessas retóricas, quando ficar demonstrado que a democracia continua fortalecida pela aceitação dos resultados da eleição presidencial e a transição normal para o futuro governo. Caso isso ocorra - e estou confiante de que esse é o cenário que teremos - a recuperação da credibilidade e do prestígio do país ocorrerá a curto prazo e as relações com os EUA, com a China, com a Europa e com seu entorno geográfico voltarão a se normalizar”, pontua.

Para o professor Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, “como sociedade, nós devemos pensar como criar formas mais profundas de democracia que impeçam que no futuro passemos pela mesma situação, criar mais mecanismos para que as pessoas se sintam como cidadãos e que participam das decisões políticas fundamentais que são ouvidas e respeitadas em seus direitos”, finaliza.