David Hodge: 'Relação estratégica entre EUA-Brasil nunca foi tão importante: somos as maiores democracias do mundo'

Em entrevista exclusiva, Cônsul-geral dos EUA fala sobre a força das duas maiores potências democráticas do mundo e dos laços que unem os ambos os países.

David Hodge assumiu a função de Cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo no segundo semestre de 2021. Diplomata Sênior, Hodge iniciou a carreira no Serviço Diplomático no Rio de Janeiro, como vice-Cônsul, há mais de 30 anos. Serviu por outras duas vezes no país, ambas na Embaixada em Brasília.

Antes de retornar ao Brasil, trabalhou como Ministro-Conselheiro na Cidade da Guatemala. Em 2019, serviu como Encarregado de Negócios na Cidade do Panamá. Na sede do Departamento de Estado, em Washington D.C., atuou como diretor para Assuntos Públicos e Diplomacia Pública no Escritório do Hemisfério Ocidental, e também como membro do Conselho que seleciona candidatos para o Serviço Diplomático.

CG HODGE PHOTO 12David Hodge é Cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo. (Foto: Divulgação)

Hodge cresceu em Indianópolis, Indiana. Formou-se na Universidade de Bloomington, em Administração de Empresas e em Literatura. Também possui mestrado em Relações Internacionais da Universidade de Georgetown, em Washington D.C. Fala português, espanhol e tailandês. É casado com o brasileiro Romano Bezerril, natural da cidade de Natal (RN), que já trabalhou nos setores de segurança e consular em Brasília, La Paz, Maputo e Cidade da Guatemala. Nesta entrevista exclusiva, o Cônsul fala sobre sua trajetória e a ligação com o Brasil, além de avaliar os atuais desafios diplomáticos que envolvem o cenário geopolítico.

David Hodge: Ao longo de mais de 30 anos de carreira, o senhor ocupou diversos postos no Brasil. Quais foram seus principais desafios e conquistas desde então?

David Hodge: Iniciei a minha carreira diplomática na Seção Consular do Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro. Depois, retornei duas vezes ao Brasil para trabalhar na Embaixada, em Brasília, como chefe das seções Cultural e de Meio Ambiente. Esta temporada em São Paulo é, portanto, a quarta vez que sirvo no Brasil. O que é interessante e me chama a atenção é que, não importa quem esteja no comando dos dois países, nossa relação bilateral é tão forte que ela sempre se mantém por meio de nossas instituições. Desse modo, muitas de nossas prioridades, como prosperidade econômica e o fortalecimento de nossas economias e direitos humanos, não mudaram ao longo dessas décadas.

Na sua chegada, quais destinos e traços culturais lhe surpreenderam no Brasil? E por quais motivos?

Minha primeira experiência no Brasil ocorreu em 1989, quando ainda era estudante. Peguei o chamado “Trem da Morte", de Santa Cruz de la Sierra a Puerto Suarez, na Bolívia, chegando até Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Me lembro de ter ficado deslumbrado com a beleza tropical e a modernidade do Brasil. De Corumbá, segui de ônibus a Brasília. Naquele momento, nunca podia imaginar que no futuro passaria seis anos da minha vida na capital brasileira.

Atualmente, quais são os principais pontos que estreitam a relação comercial, política e cultural entre EUA e Brasil? Existem potencialidades que ainda não foram exploradas?

A relação estratégica de longa data entre os EUA-Brasil nunca foi tão importante para ambas as nações. Somos duas das maiores democracias do mundo, parceiras há 200 anos, com uma forte base de valores democráticos compartilhados. Somos duas das maiores economias do hemisfério, com uma significativa relação comercial e de investimentos que proporcionam prosperidade a ambos. Somos também dois dos maiores produtores e exportadores de produtos agrícolas do mundo, e juntos alimentamos cerca de um quarto da população global. E nosso comércio bilateral bateu um recorde de mais de US$ 70 bilhões no ano passado, e nos primeiros nove meses deste ano já atingimos 95% desse total, que prevê um recorde maior para 2022. Essas exportações e importações eram de setores variados, e houve incremento em 90% dos produtos principais, que mostra uma maturidade e potencial impressionante na nossa relação comercial. Então, devemos continuar trabalhando juntos não apenas para criar prosperidade e beneficiar aos dois países, mas também para usar nossa influência para tratar de questões regionais e globais de forma colaborativa.

O consulado se preparou para a alta demanda de vistos após a intensa retomada do turismo para os EUA?

Estamos trabalhando diligentemente para aumentar a disponibilidade de atendimentos para todas as classes de vistos. As equipes consulares em todo o Brasil trabalham para zerar o acúmulo da maioria das categorias de vistos, e estão trabalhando para diminuir o tempo de espera para o visto de turismo/negócios (tipo B1/B2). Graças a esforços extraordinários, estamos conseguindo processar 20% a mais de vistos este ano, em comparação aos nossos altos níveis pré-pandêmicos. Também estamos adicionando novas vagas sempre que podemos. Além disso, nós sempre aconselhamos as pessoas planejarem suas viagens com antecedência e solicitarem seus vistos o mais rápido possível. Sabemos que longos tempos de espera são frustrantes. Ainda levará algum tempo para lidar com a demanda reprimida gerada por conta da pandemia de Covid-19.

Como o consulado age em relação aos imigrantes brasileiros nos EUA, principalmente no contexto respeito aos direitos humanos e combate ao tráfico de pessoas e exploração?

Os Estados Unidos são um país construído sobre imigração legal, organizada e regular, e reconhecemos e saudamos as contribuições dos imigrantes ao longo dos séculos. Damos as boas-vindas à migração legal como um dos alicerces da formação do nosso país. Estamos preocupados com o sofrimento humano que essas perigosas viagens trazem àqueles que as fazem, especialmente para menores.  É importante enfatizar o compromisso total de todas as instituições governamentais dos EUA com o tratamento respeitoso e humano de todos os indivíduos, incluindo aqueles que entram ilegalmente no país. Mas, observo que tentar entrar ilegalmente nos EUA cria mais problemas do que os soluciona. Nossa mensagem sempre foi: ninguém deve fazer uma viagem perigosa para tentar entrar nos Estados Unidos de forma irregular. E, ao arriscar pela ilegalidade, é mais provável que você seja enviado de volta ao Brasil tendo gastado tempo e recursos preciosos na viagem em vão. Coiotes, contrabandistas e outros que se aproveitam das esperanças e medos das pessoas em todo o hemisfério complicam essa situação. Suas promessas vazias colocam migrantes vulneráveis, incluindo crianças, em terrível perigo.

Reconhecendo que uma imigração segura, bem regulada e dentro da lei é responsabilidade de todos os países. E tanto o Brasil como os Estados Unidos continuam cooperando para reduzir a imigração ilegal e assegurar a repatriação segura e humana dos imigrantes aos seus países de origem. Nesse sentido, gostaria também de salientar que o Brasil tem sido um exemplo de generosidade ao receber pessoas que precisam de ajuda humanitária e proteção, e é um parceiro excepcional para ajudar a região a lidar com nossos desafios de imigração.

De que modo a questão ambiental se mostra um pressuposto ou barreira para as relações entre as duas nações? Diante disso, como o senhor avalia que as empresas e autoridades públicas americanas têm encarado os problemas e desafios relacionados ao tema?

O Brasil e os Estados Unidos compartilham a responsabilidade de garantir um futuro seguro, saudável e sustentável para as gerações futuras. No caso do Brasil, o país tem a capacidade de ser um líder em várias áreas ambientais. E enquanto a administração Biden-Harris pede ao Brasil que alcance metas ambientais mais ambiciosas, o Brasil pode contar com os EUA como um parceiro neste esforço. Nosso foco atual é apoiar o Brasil a cumprir seus compromissos internacionais.  É claro que há muito trabalho a ser feito. E a comunidade global espera ver, de forma consistente, a implementação dos compromissos feitos pelo Brasil na COP-26, incluindo a Contribuição Nacionalmente Determinado (CND) e a promessa de eliminar o desmatamento ilegal até 2028. Além disso, ambos os países têm uma cooperação ambiental de longa data que pode também incluir financiamentos. Atualmente, a USAID apoia projetos em conjunto com o governo brasileiro por meio da Parceria para a Conservação da Biodiversidade da Amazônia. O programa, que investe R$ 85 milhões ao ano, incentiva o desenvolvimento econômico sustentável, protege a biodiversidade e apoia o gerenciamento brasileiro de suas áreas protegidas. Por meio da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), a USAID trabalha com mais de 40 empresas nacionais e internacionais para co-investir recursos e desenvolver soluções inovadoras para desenvolvimento sustentável e preservação da biodiversidade da Amazônia, florestas e recursos naturais.

O que o senhor diria aos estudantes que sonham em promover os interesses do Brasil perante organizações internacionais e seguir uma carreira na diplomacia?

Sou suspeito para falar sobre a importância da carreira diplomática, porque foi a que escolhi e na qual atuo há três décadas. Carreira que, como disse anteriormente, iniciou-se aqui no Brasil, no Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro. Por isso, o que eu posso dizer a quem tem o sonho e o interesse em seguir esse mesmo caminho é que é uma carreira muito bonita, mas que demanda muita dedicação e responsabilidade. De maneira prática, o diplomata é àquele funcionário público que representa o seu país, mas fora de sua nação, sendo responsável por promover relações bilaterais e fazer acordos, muitas vezes, de grande impacto para a sociedade. Nesse sentido, o ideal é que o corpo diplomático de um país represente também a diversidade de seu povo. Quanto mais diverso for o corpo diplomático de um país, mais representativo da sua nação e dos interesses de sua população ele será. Esse respeito à diversidade – de pessoas, experiências, perspectivas de vida – é, sem dúvida, o que fortalece o processo de tomada de decisões no âmbito das políticas externas. Portanto, encorajo fortemente os jovens de todas as origens que tenham interesse nessa carreira a segui-la com orgulho e determinação.