Mafalda Martins, consulesa de Portugal: 'Mundo vive um momento de extremos no campo polaridade política'

Durante seis anos como consulesa de Portugal em São Paulo, Mafalda Martins divulgou seu país de origem, fez ações beneficentes e ampliou os horizontes da carreira no Direito.

M M A -166Mafalda Martins atuou durante seis anos como consulesa de Portugal em São Paulo. (Foto: Divulgação)

Por seis anos, período em que seu marido, Paulo Lourenço, exerceu o cargo de cônsul de Portugal em São Paulo, Mafalda Martins reuniu em sua residência no bairro Jardim América, artistas, empresários e executivos do segmento financeiro na residência oficial do casal para promover a cultura portuguesa, seus produtos e atrativos. Encontros bilaterais e de troca de ideias. Grandes marcas como Andorinha, Vista Alegre, Gallo e Santa Luzia aceitavam os convites da então consulesa para ensinar um pouco mais sobre Portugal aos brasileiros. E a própria Mafalda descobriu que ainda poderia aprender mais e se surpreender com seu próprio país.

Certa vez, durante um almoço para 20 pessoas organizado por ela, o chef convidado propôs uma entrada, prato principal, inclusive a sobremesa, seriam todos à base de bacalhau. Fato que a surpreendeu de antemão. "Quando me contaram que o peixe viraria doce eu não acreditei que o resultado pudesse ser bom, mas ficou maravilhoso", relembra aos risos. Histórias como essa e a organização de grandes almoços e jantares costumam ser destaque do dia a dia de consulesas em países onde não se permite que as esposas dos cônsules trabalhem. Mas esse não é o caso do Brasil, muito menos de Mafalda, que fez sua passagem por São Paulo ir muito além dos eventos glamourosos.

Enquanto Paulo Lourenço comandava o consulado de Portugal em São Paulo, Mafalda, que é advogada, liderava outras atividades no escritório dela, na capital paulista. "Graças a um acordo entre Brasil e Portugal foi fácil tirar a OAB para exercer minha profissão." As amizades e clientes conquistados entre 2012 e 2018 possibilitaram a "exportação" de seu escritório para Lisboa. Com foco na área de imigração e investimentos em Portugal, atualmente, 70% dos clientes do escritório Mafalda Martins Advogados são brasileiros. O restante é formado por americanos (25%) e outras nacionalidades (5%).

O balanço de perspectivas para o escritório são positivas devido à procura dos brasileiros, que representam a maior comunidade de estrangeiros em Portugal. Em 2021, a população estrangeira residente no país somou 698,8 mil pessoas, o maior número desde 1976, início da série histórica. Desse total, 204 mil são provenientes do Brasil, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do país. Entre os principais motivos para concessão de títulos de residência estão atividade profissional, estudo e reagrupamento familiar.

O consulado de Portugal em São Paulo costuma estar na liderança no mundo na concessão de cidadania portuguesa. Após um período de queda migratória no início dos anos 2010, por conta de políticas de austeridade em Portugal, o interesse dos brasileiros pelo país voltou a crescer em 2017, penúltimo ano da gestão de Lourenço. E, somente naquele ano, foram 12.217 requisições, alta de 64,8% em relação a 2016.

Enquanto colaborava para aumentar os índices, a então consulesa também se dedicava a cuidar de quem precisava de atenção por aqui. Ela é fundadora do “Play for Good”, ação social que reunia interessados em atividades físicas - aulas da modalidade hiit fight, hiit dance e army cross faziam sucesso na época - em troca de doação de alimentos não perecíveis para entidades como a Apae. Apoiado por grandes marcas, os eventos aconteciam, na maioria das vezes, em shopping centers da capital paulista e costumavam atrair até alguns famosos, como a ex-jogadora de basquete Hortência. "Infelizmente, com a pandemia, o projeto foi encerrado", lamenta Mafalda.

O relacionamento da advogada com grandes marcas, principalmente de luxo, era facilitado devido a sua posição na Associação das Consulesas de São Paulo (Aconsp), da qual foi vice-presidente e, também, presidente. As grifes desejavam estar próximas dessas mulheres, que tinham o perfil para divulgar seus produtos aos seus públicos de interesse.

Multitarefa

Fazendo um retrospecto sobre o histórico da trajetória como consulesa, advogada e filantropa, com a agenda apertada, Mafalda ainda equilibrava suas atividades como mãe. Ao chegar o país, ela já carregar o filho de apenas três meses nos braços que ela chegou ao Brasil. Diante do atendimento prestado às puérperas, ela traça um comparativo: "O brasileiro sabe acolher crianças e gestantes. Existe no país um carinho que não há em Portugal. Nas filas, a gestante passa na frente, em Portugal ela é tratada como uma pessoa normal. Quando fomos embora, meu filho tinha seis anos e minha filha, quatro. O Brasil foi o país perfeito para essa fase deles", afirma.

Mafalda, que já morou em Angola quando foi diretora jurídica de um grande banco português, também destaca a fama de otimista dos que vivem no Brasil. "O brasileiro tem a capacidade de ver o lado bom das coisas. O que sou hoje está muito relacionado à energia brasileira que eu recebia. Nós, portugueses, temos muito o que aprender com o povo brasileiro", afirma. O serviço de qualidade também é outro destaque dado por Mafalda, que é pós-graduada em direito do consumidor. "O brasileiro é preocupado com o atendimento e quer sempre agradar. No mercado, os funcionários colocam as compras dos clientes na sacola. Fiquei muito mal acostumada no Brasil, pois em Portugal isso não acontece."

Terrinha

A advogada se orgulha em ter contribuído para mudar a imagem de Portugal diante do brasileiro. "Quando chegamos ao Brasil, Portugal ainda era visto como a "terrinha", no sentido pejorativo. Quando o assunto era Europa, o chique era ir para a França. Aos poucos, os brasileiros começaram a valorizar nosso país e viram que Portugal não era o mesmo de 20 anos atrás", diz.

Com a pandemia perdendo força, Portugal vive certa euforia marcada pela reabertura do país. A inflação de julho deste ano chegou a 9,1%, a mais alta registrada em 30 anos, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). O percentual está acima da média da Zona do Euro, que ficou em 8,9%. "Estamos vivendo tempos estranhos. A guerra da Ucrânia está bem próxima e enfrentamos inflação praticamente pela primeira vez. Nosso aeroporto é pequeno e está um caos, com enormes filas na Imigração. É difícil reservar hotel. Estamos em um momento mais duro da economia, mas alguns segmentos seguem vibrantes", avalia.

Vivendo em Lisboa, a verdade é que Mafalda nunca deixou o Brasil. E devido ao volume de clientes brasileiros, a ex-consulesa viaja a São Paulo a cada três meses. Acompanha as notícias do país e lamenta o momento de extremos das Eleições. "O Brasil precisava muito de uma terceira força, de mais opções", avalia. Ela diz que sente esses extremos de opiniões entre seus clientes do Brasil e reconhece que nesse ponto, portugueses e brasileiros são bem diferentes. "Por aqui mudamos de ideia facilmente em relação a um candidato. Hoje estamos pensando em votar em um, amanhã no outro. Mas esse não é um cenário exclusivo do Brasil. O mundo vive um momento de extremos no campo polaridade política", diz.