Luiza Helena Trajano: não vou ser candidata, mas teremos uma atuação política muito forte

Única brasileira entre os 100 mais influentes do mundo da revista Time, em 2021, a empresária afirma que representa mulheres e homens, conta por que é movida por propósito muito antes dos conceitos ESG entrarem na pauta mundial, e diz que se vê fazendo política suprapartidária para unir o Brasil.

luiza-helena-trajanoLuiza Trajano: não serei candidata, mas teremos uma atuação política muito forte. (Foto: Reprodução)

O relógio de Luiza Helena Trajano tem a pontualidade do Big Ben. Com precisão britânica,  a agenda veloz e cronometrada da presidente do conselho de administração do Magazine Luiza pouco permite que uma boa conversa se estenda mais do que o planejado. Depois que a revista americana  Time a escolheu como a única brasileira entre as 100 pessoas mais influentes do mundo em 2021, seu tempo pa- rece ainda mais escasso, mas ela faz a mágica da multiplicação  de horas. Surge sorridente,  carinhosa  e pontualíssima  no Zoom. “Pedi para o Ricardo (seu assessor) dar um jeito para atender você, mas, olha, a agenda anda apertada, viu?”. 

A conversa, perto  do horário  do almoço, dura 37 minutos,  sete a mais do que o previsto.  Luiza faz um lanche rápido no escritório  enquanto  falamos, porque na sequência tem outra reunião.  A empresária compõe a categoria  Titãs do ranking  da Time, ao lado da ginasta americana  Simone Biles, a autora  Shonda Rimes, o jogador de futebol americano  Tom Brady e o presidente da Apple, Tim Cook. Mesmo que seu coração interiorano continue  batendo por Fran- ca (SP), Luiza ultrapassou  as fronteiras  brasileiras. Por conta de seus grandes  feitos no Brasil, ela consolidou-se  como uma  personalidade global. Durante  a pandemia, o Magazine Luiza passou a ajudar pequenas empresas  a se adaptarem ao comércio  digital. O projeto  Parceiro Magalu, incluía pequenos  comerciantes na sua plataforma  de market place, dando visibilidade e auxiliando na logística de entrega  de pequenos  e médios negócios. 

Luiza Trajano foi o rosto à frente do movimento Unidos pela Vacina, que mobilizou a iniciativa privada em ações para  facilitar  a chegada  dos imunizantes a todos os brasileiros.  É a líder do grupo Mulheres do Brasil, fundado por ela, que hoje reúne mais de 95 mil participantes no Brasil e no exterior,  para lutar  por  políticas  públicas  e de  negócios  focadas em  equidade,  trabalho,  segurança,  educação e saúde  de qualidade.  O Magazine  Luiza nasceu em 1957, quando sua tia, Luiza Trajano  Donato, e o marido,  Pelegrino  Donato,  compraram A Cristaleira,  loja de utensílios  domésticos  em Franca. Luiza é mãe de Frederico, Luciana e Ana Luiza, do casamento  de 47 anos com o empresário Erasmo Fernandes,  que faleceu aos 63 anos em 2009, vítima de um aneurisma.  Aos 73 anos, formada em Direito, Luiza Helena, sobrinha  da fundadora, diz que, assim como ela, a empresa  nasceu com “propósito”, há mais de 60 anos, muito antes do termo ser abraçado pelo mundo corporativo. A seguir, ela conta por que é Luiza Trajano em qualquer lugar.

Como é a experiência de ser a única brasileira entre os 100 mais influentes do mundo eleitos pela revista Time em 2021? Quando recebi a notícia, um pouquinho antes, o Frederico (Trajano, filho e CEO do Magazine Luiza) falou: “Nossa, você imagina o que é isso?” Fiquei muito impressionada e agradecida. Parece que as mulheres chegaram junto comigo. Mulheres brasileiras, e os homens também, estão me dando muito retorno. Tem uns que falam: “Ah, que bom você ser escolhida a mulher mais influente.” Eu retruco: “É no meio dos homens, viu? Não é só coisa de mulher, não”. Eu represento os homens e as mulheres.

luiza_helena_trajano_-19332323Luiza Trajano é a única brasileira entre os 100 mais influentes do mundo. (Foto: Reprodução)

O que passou pela sua cabeça ao receber a notícia?

Três sentimentos.  Primeiro,  nunca busquei isso na vida. Fiquei até meio assustada: “Nossa, mas eu saí lá do interior, de Franca (SP), cheguei aqui, né?”. Não foi uma coisa que desejei. Segundo, é um sentimento de gratidão, porque as coisas acontecem  na minha vida. E o terceiro sentimento foi o de responsabilidade. O que isso quis dizer para mim como líder e cidadã? Sou uma apaixonada pelo meu país. É o que me vem forte sempre que coisas boas assim aconte- cem. E desta vez veio mais forte. Foi uma chancela internacional. Entre tantos países, ser escolhida entre os 100 mais influentes é muito importante.

O que move a empresária  que construiu um gigante comercial e trabalha para construir um Brasil melhor?

Desde pequena, não sei por quê, tenho um compromisso social com a vida. Estudei em colégio de freira lá em Franca, e a minha mãe sempre falava: “Olha aqui, franqueza demais é falta de educação. Cuidado com o que você está defendendo lá”. Desde pequena eu defendia coisas como: por que que há pessoas que não podem pagar? Com 10, 12 anos eu já defendia a igualdade. É muito forte dentro de mim. Isso já nasceu comigo. Agora, nunca reparo em quem faz diferente. Sou muito de respeitar (o outro). Tenho uma democracia dentro de mim. É interessante porque democracia é isso. Cada um faz aquilo que acha que é a sua verdade.

O que te inspira?

Sempre sonhei e lutei para ter uma empresa que ganhasse e que tivesse propósito. Sempre penso na imagem de duas bolinhas de pingue-pongue na mão: uma é o propósito e a outra é o lucro. Muitas vezes eu abri mão do lucro, até em momentos em que eu precisava muito, para não abrir mão do meu propósito de ser bom para todos. Todo mundo me achava louca. Mas depois, as pessoas viam que se eu não tivesse feito (daquela forma), não teríamos chegado aonde a gente chegou. O propósito é a minha espinha dorsal.

Você acredita que quebrou um paradigma?

Quando eu comecei no varejo, acho que eu quebrei profundamente (um paradigma). O que acontecia? Ninguém queria trabalhar no varejo. A cada 100 alunos que saíam das grandes faculdades, um queria ser trainee  no varejo. Quando tomei essa consciência nos anos 1990, fiquei assustada. Puxa, eu pensava: por que ninguém quer trabalhar no varejo? Fui ver no dicionário. Foi pior ainda. Vender quer dizer coisas muito ruins. E eu não vejo a venda assim. Eu fui criada em uma família de empreendedores, vendendo, e honestos. Tinha que mudar essa história. Então, em 2005 eu fui para as páginas amarelas da Veja e falei: “Eu não sou presidente. Sou vendedora.” Peguei todos os nossos cartões de visita, todos os cargos da companhia durante uns quatro anos, e mudei. Não tinha presidente, diretor, gerente. Nós éramos todos vendedores.  E comecei a dar bolsa de estudo, investir em treinamentos, plano de carreira. E hoje estamos há 23 anos entre  as melhores  empresas para se trabalhar.

Esse laço com o social sempre permeou a sua história empresarial. Você abriu e vem abrindo frentes.  Começou pelo grupo Mulheres do Brasil, fundado em 2013 com 40 mulheres. Hoje são 95 mil. Como enxergou esse potencial?

Por que que eu enxerguei? Porque sou muito comprometida com o país, eu sempre fui. O Magazine Luiza canta o Hino Nacional há 23 anos. Meus filhos, ainda meninos, conheceram o Brasil antes de conhecer  o exterior. Hoje até moram fora. Uma casou com um português e a outra mora em Paris. Mas a que está na França (a chef Ana Luiza Trajano) está fazendo todo um trabalho para levar a cozinha brasileira para Paris. Comecei a estudar e a entender que as transformações do país nascem com grandes movimentos sociais organizados da sociedade civil. E o caminho que a gente encontrou foi através do Mulheres do Brasil. Somos claras desde o começo. Nós queremos ser o maior grupo político suprapartidário. A gente caminhou para isso. Não é que de repente mudamos a rota. E aí fizemos a coisa acontecer,  sem inventar a roda, unindo o grupo às causas e grupos que já existem. Vamos nos unir com o Todos Pela Educação. Vamos nos unir no enfrentamento à violência contra a mulher, pela lei Maria da Penha. Trabalhamos 20 causas. Nós queremos fechar o ano com 100 mil mulheres.

Já li que você é mãe brava mas também carinhosa, gosta  de nadar em rio, andar de lancha, de festa. Como é a Luiza por trás da empresária Luiza Trajano?

Eu sou Luíza Trajano em qualquer  lugar. Não sou uma coisa no café da manhã e outra  aqui e lá. Isso foi uma luta que eu tive para não ficar me vestindo de papéis. Em casa, como amiga, aqui na empresa, almoçando no escritório, fazendo discurso, recebendo  prêmio. Eu tive muito medo, Gisele, de perder a minha essência. Se você perde a essência, quando te cortam um cargo, você fica perdida. Em certos momentos  as pessoas nem entendiam mas eu era a mesma pessoa. A mesma pessoa que falava “não sei”, errei, peço desculpa. Eu não tenho papéis. As pessoas começam a conviver comigo, pelo contrário, até esquecem que eu sou a presidente. Ontem me ligou uma amiga que convive comigo há mais de 40 anos, desde  menina. É uma das minhas amigas de Franca. Estudamos juntas. Ela me falou assim: “A gente fica feliz em ver aonde você está, a gente sabe da sua competência, da sua liderança, mas quando a gente lê parece que não é você, a Luiza, que está aqui toda hora com a gente. É tão normal a sua vida. Não que você não mereça... Mas está aqui com a gente, descalça, fazendo tudo, parece que não combina”. Elas até assustam (risos). Eu sou tão normal no dia a dia que parece que não é normal eu receber esses títulos, entende? Não só entendo como você me deu um título para esta entrevista: “Sou Luiza Trajano em qualquer lugar”. Em Franca eu sou Luizinha. Porque tem a minha tia. A cidade está superfeliz, porque é de Franca para o mundo,né?

E qual será o próximo passo que impactará o Brasil? 

Entrar fortemente na política suprapartidária. Não vou sair candidata a nada, mas nós vamos ter uma atuação política muito forte para unir o Brasil e para trabalhar em projetos. Como grupo Mulheres do Brasil e eu, como cidadã, queremos atuar na sociedade civil em causas profundas e para a gente largar de ter lado e ter causas e projetos. Temos projetos para lutar por 50% de mulheres em cadeiras  políticas no país e fazer um planejamento do Brasil de 2022 a 2032, em quatro pilares: saúde, educação, habitação e emprego, assegurados pela sustentabilidade. Já estamos também, junto com reitoras e pesquisadores, com um projeto de fortalecer o trabalho científico na saúde. Sabemos que o vírus vai continuar e temos que ter prevenção. Então, a minha família já está patrocinando dois estudos, junto com o Grupo Mulheres do Brasil. Estamos formando o Instituto Mulheres do Brasil com o objetivo de trabalhar principalmente a ciência na saúde.

Você encarna esse espírito de um novo tempo, mas defende isso muito antes de conceitos ESG. Como foi a resistência?

Dou palestras sobre propósito e as pessoas dizem: Luiza, como que eu levo isso para a empresa? Meu gerente, meu diretor, meu presidente nem dão bola pra isso. Eu digo: “Anota uma estratégia. Vai pegando. Minha filha, chega para o seu presidente e faz uma proposta que ele vai bater palmas”. O ESG mudou a cabeça da área financeira. O financeiro abraçou isso. Ele sabe que a empresa não vai ter valor na bolsa se não cuidar disso. Seja proativa, mas pensando grande, que você vai conseguir”. Eu mudo de ciclo fácil. As pessoas ficam muito naquela fase de dificuldade. Quando a gente começou Mulheres do Brasil, eu já era a favor das cotas. Se eu defendesse as cotas quase apanhava. Sempre digo: gente, mudou. O mercado agora está procurando mulheres, está procurando negros. Nós apresentamos um vídeo lindo sobre o programa de trainees para negros, e vamos entrar em nova fase. Já sabemos que vamos levar pauladas de novo, mas acreditamos no projeto.Não tem volta. As pessoas ainda não entenderam o que é racismo estrutural. Dei  esse exemplo concreto para uma amiga: você vê um homem ou uma mulher negra. Você acha que ela ou ele é diretor do shopping ou chefe da segurança? Esse é o racismo estrutural. Você não percebe mas nunca vai achar que ela ou ele é diretor do shopping. Além dessa causa, já estamos com um programa para empregar pessoas com mais de 50 anos. O consumidor começou a exigir e é o financero que está fazendo. A pandemia, apesar das muitas tristezas e do pesadelo que a gente viveu, antecipou o digital. Todo mundo tem que ser digital. A Covid antecipou o compromisso das empresas.

Como você atravessou a pandemia pessoalmente?

Nos dois primeiros dias, fiquei em choque. Estava na fazenda. Aprendi o que é estar em choque. Você não pensa, fica passada, anestesiada. A intuição é um tipo de inteligência com experiência. Vi que a coisa iria ser muito feia, não o tanto que foi nem o tempo que levou. Mas sempre fui da ação. Aí fui ajudar com o IDV (Instituto do Desenvolvimento do Varejo) a montar as medidas emergenciais, junto com o governo. As medidas saíram rápido, a maioria foi boa para as micro e pequenas empresas. Mas estava difícil das pessoas compreenderem. Então fiz 400 lives para ajudar as pessoas a entenderem. Dei 90 entrevistas. Com o Magazine nem precisei me preocupar. Eles tomaram medidas espetaculares. Eu conhecia pouco de conexão digital. E aí fui estudar. Toda noite estudava. E não é fácil na minha idade. Nunca tinha entrado no Zoom. Hoje dou aula direitinho. Primeiro, vi que a Oprah (Winfrey, apresentadora americana) pôs um mundo de computador numa mesa redonda. Copiei. Depois tentei outra solução. Foi legal.

Como a pandemia impactou a sua família?

Meu filho ficou na fazenda com a mulher e os filhos, trabalhando de lá. Eu fiquei entre a  fazenda e a minha casa de Franca. Também não deixei a minha tia Luiza (fundadora do Magazine Luiza) isolada demais. Com 95 anos, ela tinha uma  equipe que fazia testes. Mas de dez em quando a levava para a fazenda. Ficou todo mundo isolado. Tive preocupação com o meu lado emocional também.

Como ficou seu lado emocional?

Fiquei triste, como todo mundo. E preocupada. A empresa estava muito bem. Pela primeira vez a gente tinha capital de giro. Já tinha 50% de venda na internet. A família já tinha vendido em janeiro uma participação e colocado tudo aqui dentro. Como liderança, eu tinha que assumir uma posição. Você não pode ser só espectadora. Fui criada como protagonista. Se eu chegava da escola falando mal da professora, filha única, minha mãe dizia: “O que você pode fazer para a professora mudar com você?”. Minha mãe não ligava para a escola nem falava “coitadinha da minha filha”. Fui criada para procurar a solução e não para mastigar problema. Na pandemia, assumi essa postura rápido. Assim, não deu muito tempo de eu ficar mal. Agora, lógico que sofri, vivi a insegurança das pessoas. Gozado, não tive medo de ficar doente e de pegar Covid. Meus filhos ficavam mais preocupados do que eu por causa da minha idade. Hoje tenho mais preocupação com o lado emocional das pessoas. Quem ficou muito fechado, os mais velhos...  

Você é uma mulher poderosa, é a mulher mais rica do Brasil, segundo ranking da revista Forbes (estimativa de patrimônio de US$ 4,4 bilhões em 2021). O que é luxo para você? 

Primeiro, é uma visão. Não reparo em quem queira comprar alguma coisa. E eu também, se quiser, vou lá e compro. Não teorizo muito sobre isso, mas é nteressante quando converso com minhas amigas de Franca: “Parece que agora eu posso, né? Mas sempre pude”. Lembro a elas: “A minha casa não era tão boa quanto a de vocês, mas eu não queria ter a de vocês. Estava satisfeita na minha”. Nunca tive problema de não ter algo. Não é que eu me adaptava. Para mim, era natural. Se posso, tenho. Eu me sentia bem com o que eu tinha e sempre fui de trabalhar.Agora, você vai melhorando. Hoje tem avião e eu acho uma delícia ter. Não sou contra. Então a empresa tem. A gente usa e paga, e eu acho isso legal. Mas não mudei a vida. 

Muito se discute hoje sobre as necessidades de um novo tempo e mesmo da reinvenção do luxo e do consumo. Como você vê? 

Você pode ter roupas que valem milhões. Mas a roupa tem que ter um compromisso com a natureza. Ela não pode destruir. Não pode ter trabalho escravo. O mundo está preocupado com isso. Empresa tem que gerar emprego, produzir, ter responsabilidade social e comromisso com todos. Respeito o ganha-ganha. Você tem que ganhar e a cadeia inteira. Não importa se é alto luxo, se é navio, se é avião ou se é um carro simples.