"É preciso entender que as pessoas podem ser o que quiser", defende Silvia Braz

Ela desistiu de ser promotora pública e, enquanto vivia a maternidade das três filhas em Muriaé (MG), gestou o talento que a tornou, 10 anos depois, uma das mais requisitadas digital influencer, na flor dos 40 anos, e voz que fez diferença na pandemia.

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Silvia Braz desce do carro e apressa o passo para entrar no hall do Hotel Fasano, em São Paulo. Com o rosto protegido por uma máscara preta, em harmonia monocromática com o look black tomara-que-caia, ela abaixa momentaneamente a EPI, sorri e, antes de desculpar-se, diz enfaticamente com os olhos fixos, num tom qua- se solene: “Eu nunca me atraso”. Ela era esperada para a entrevista fazia um tempinho. “Bruno Astuto mandou dizer que você é amiga dele e que iria entender. Foi ele que me segurou numa reunião no shopping Cidade Jardim e atrasei no trânsito”, emenda ela, entregando o amigo jornalista de longa data, hoje diretor de marketing do shopping da JHSF. “Ah é? Ele vai ver só...”, retruquei. Rimos e nos sentamos. Um café aquece o papo com uns biscoitinhos. Nosso encontro, às vésperas da data que marcou a fase emergencial de São Paulo em consequência do agravamento da pandemia, acabou durando uma hora e meia. Aos 40 anos, há 10 digital influencer, Sil- via é uma das vozes mais fortes das redes sociais, com mais de 800 mil se- guidores em sua conta no Instagram. Sua presença digital é um fenômeno.

Formada em Direito, mãe de três Marias (Maria Vitória, Maria Antônia e Maria Isabela), é casada com o empresário Glauco Braz. Vive entre Mu- riaé e São Paulo. Nascida em Campos (RJ), filha da pediatra Beth Bussade, irmã de duas médicas, foi criada em uma família de mulheres fortes. Her- dou da avó o gosto pela moda. O pai, o advogado e militante político Jorge Freitas, fundador do PDT em Campos, morreu cedo, aos 37 anos, quando Silvia tinha 10 anos. Naquela tenra idade, Silvia tinha costume de ler Albert Camus e Machado de Assis, por obra e influência de seu pai. No começo da pandemia, em 2020, quando passou a entrevistar médicos, empresá- rios e figuras públicas em séries de lives, Silvia leu, com a filha caçula no colo, um dos textos preferidos de seu pai, um poema de Camus, autor de A Peste: “No meio do ódio descobri que havia em mim um amor invencível. No meio das lágrimas descobri que havia em mim um sorriso invencível. No meio do caos, descobri que havia em mim uma calma in- vencível. E finalmente descobri, no meio do inverno, que havia dentro de mim um verão invencível. Isso faz-me feliz. Porque isso diz-me que não importa a força que o mundo se atira contra mim, pois dentro de mim há algo mais forte, algo melhor, me empur- rando de volta.”

Foi pensando no seu pai que você declamou em live o texto de Albert Camus, no auge da pandemia, em 2020?

Meu pai era apaixonado por Camus. Eu me voltei para o meu pai na pandemia. Eu gravei umas sete vezes porque eu ameaçava chorar. Coloquei a minha filha, Maria Isabela, 6 anos, no meu colo para ler o trecho. Iria entrevistar naquele dia o psiquiatra Táki Cordás, que é meu médico.Ele lembra muito meu pai. As ideias, tudo parecido com meu pai. As coisas que ele pensa. Ele tem uma cabeça incrível. Dia de con- sulta com Táki é uma alegria.

Você foi uma voz importante nas redes sociais no começo da pandemia. Como isso aconteceu?

Foi genuíno. Não teve nada pensado, estratégico. Fiquei 5 meses em Muriaé. Tinha aquela rotina de trabalhar, milhões de eventos, viagens. E de repente estava em casa com a família. Mais de 50% do meu portfólio de clientes é moda. Mas na pandemia isso perdia o sentido, então eu pensava: o que vou falar? E eu estava com vontade de falar. Todo mundo foi pego de surpresa. Ninguém sabia o que fazer. Comecei a fazer live. As primeiras foram orgânicas. As pessoas estão nesse processo de entender esse novo momen- to. Ali era Silvia curiosa querendo entender. Sempre fui muito de moda, as pessoas separam: ou ela é uma mulher bonita, ou ela é uma boa mãe. É preciso en- tender que as pessoas podem ser o que elas quiserem. Você pode ser uma mulher muito inteligente e usar biquíni fio dental na praia. Por que não? Você pode se vestir da forma como você quiser. Fashionista, ex- celente mãe, e ter cultura... mas as pessoas tendem a diminuir, a encaixotar e reduzir as pessoas a uma coisa só. As pessoas preferem reduzir as outras. Não sei se por maldade ou se por uma questão cultural, mas isso acontece.

Você perdeu seu pai com apenas 10 anos. O quanto ele é presente na sua vida até hoje?

Meu pai era um grande advogado, muito inteligente. Ele morreu muito jovem, de cirrose hepática. Eu nunca falava disso. A vida inteira as pessoas me per- guntavam do que meu pai tinha morrido. A gente tem traumas que nunca consegue superar, mas graças a Deus tem maturidade para lidar com isso. As pesso- as me perguntavam do que meu pai havia morrido, e cada vez eu inventava uma coisa porque cirrose he- pática está associada a alcoolismo. E isso para mim foi difícil por muito tempo. Ele tinha uma vida boemia, mas ele não era alcoólatra. A minha irmã acha que ele teve uma hepatite C que não foi identificada. Mas para mim foi um tabu. Quando eu falo hoje que ele morreu de cirrose hepática parece uma libertação para mim. Morreu cedo e fez muita falta. A família toda de mulheres. Eu senti falta, em muitos momen- tos da minha vida, dessa referência masculina. A mi- nha mãe foi muito forte, e conseguiu dominar aquela cena familiar, assim como a minha avó e minhas ir- mãs. Eu venho de uma família de mulheres extrema- mente fortes. As mulheres mandam na história toda.

E, além de Camus, ele lia para você Machado de Assis, Fernando Pessoa?

Sim, ele lia Oscar Wilde e me botava para ler. O túmulo do meu pai tem uma frase do Oscar Wilde: “Jazer na negra terra escura enquanto andei na grama sobre a cabeça da gente. Não ter ontem, não ter amanhã. Perdoar a vida, escutar o silêncio e andar em paz”. Meu pai era apaixonado por Oscar Wilde, Fernando Pessoa, e ele obrigava a gente a ler. Eu me lembro novinha lendo essas coisas. Meu pai era de esquerda, a minha família paterna teve exilados políticos. Mi- nha mãe conta que na lua de mel, eles foram para a Argentina de carro, porque todos os primos estavam lá e não podiam voltar por causa da ditadura, eram militantes. Política sempre foi um assunto presente na minha casa, e o meu pai colocava a gente pra fa- zer isso. Chegava o (Leonel) Brizola em Campos, não esqueço disso: Brizola chegou em Campos! Vamos recebê-lo. Meu pai fundou o PDT em Campos. Quan- do o Brizola morreu, minhas irmãs foram ao enterro dele. Aquilo estava tão enraizado na nossa família, e a gente cresce tanto com a referência e os olhos dos nossos pais.

De que você mais lembra?

Muita coisa eu apaguei. Foi traumática a morte do meu pai. Foi só comigo. Estava eu e ele. Eu tinha 10 anos. A gente tinha casa em Guarapari, no Espírito Santo. Era perto do Réveillon, minha mãe só poderia ir dia 30. Eu já estava de férias, meu pai e eu fomos antes. Chegamos lá, mas não ficamos na nossa casa, que não estava pronta. E eu pedi para ficarmos em hotel, eu adorava ficar em hotel. Achava o máximo, sinto até hoje o cheiro do frigobar, que não podia pegar tudo porque era caro. À noite ele começou a passar muito mal. Eu não entendi nada, e liguei na recepção para pedir ajuda. Eu lembro que chegaram, pegaram ele e levaram para o hospital. Ele morreu dois dias depois, em Vitória. A gente bloqueia algu- mas coisas para seguir em frente.

E como você foi viver em Muriaé?

Casei aos 20 anos. O Glauco, meu marido, foi estudar em Campos. Eu o conheci, casei e fui para Muriaé. Co- meçamos lá a vida e ficamos. Mesmo ele trabalhando muito em São Paulo e depois eu. Aí compramos casa em São Paulo, começamos a vir muito. Até que a Maria Vitória fez 15 anos, e a gente a trouxe para morar aqui. Aí eu ficava indo e voltando, porque eu tinha mais duas filhas que ficavam na casa de Muriaé. As duas casas que funcionam normalmente. Muriaé é a cidade do meu marido, que obviamente fez sentido nessa fase nossa do casamento até chegar aqui. O Glauco é empresário de transporte e concessionária.

Sua mãe é pediatra...

Sim, ela segue clinicando Foi assim a vida inteira. Te- nho muito da minha mãe em mim. Ela sempre fala- va que precisava trabalhar. Trabalho traz vida para a gente, nos sentimos ativos. Ela nunca parou de traba- lhar, tem 69 anos.

Nunca pensou em ser médica?

Nunca. O meu pai era advogado. Eu fiz Direito.

E o Direito na sua vida?

O Direito está na minha veia combativa, argumentati- va, veia de promotora... sempre fui assim. No Direito consegui fazer isso de uma forma mais contundente. Eu me reconheço com essa capacidade de argumen- tar. O Direito é rico culturamente. Adorava estudar Direito Romano e Filosofia do Direito. Isso enriquece a gente. Na época eu estagiei no Ministério Público em Campos. Eu me realizei ali. Achei que faria aquilo para o resto da minha vida. Eu me imaginava estu- dando para o concurso. O que dificultou eu continuar na área é que quando você faz um concurso público é mandado para cidades aleatoriamente. E para mim não dava por causa das meninas, por causa do meu casamento. Por isso que parei.

O escritor português Valter Hugo Mãe, que defendia vítimas de violência doméstica, já contou que deixou o Direito e a advocacia porque não conseguia ter distanciamento, chorava junto com suas clientes mulheres agredidas ... algum caso lhe marcou como estagiária na promotoria?

Você me fala disso e lembro: eu numa sala de audiência da defensoria pública. Era uma separação. Pare- ciam dois estranhos se falando. Fiquei assustada com a frieza. A indiferença de um com o outro. Aquilo me chocou. Parecia aquele filme História de um casamento.

Eu tinha 20 e poucos anos. Tinha acabado de casar. Fiquei impressionada com aquela estranheza de ma- rido e mulher, como se nunca tivessem se conhecido e sido felizes juntos. É algo que acontece, mas quando você tem 21, 22 anos, não tem a menor noção do que é o mundo. E percebe como tudo vai se desenrolando. Foi essa a sensação que eu tive. Fui vendo que não era para mim. A gente vai mudando. Aquilo que me fazia feliz já não faz mais. O Direito fez parte da mi- nha vida. Foi interessante. Só que em determinado momento já não me encantava.

E elas deviam adorar acompanhar?

Filho gosta de ver mãe e pai feliz. Elas me veem como eu me realizo fazendo o que eu faço.

E a sua trajetória como influenciadora digital tem mais ou menos 10 anos. Agora você se define como comunicadora... como você está construindo a sua trajetória?

Isso, 10 anos. Sim. Abri o meu blog deitada na minha cama, com minha filha Maria Vitória, aos 10 aninhos, me estimulando: “Mãe, tanta gente compra roupas iguais às suas. Por que você não abre um blog?”. Co- meçamos a escrever. O blog se chamava Maria Sofia e foi assim por algum tempo. Postava textos, fotos, via- gens, looks. Aos poucos, algumas marcas começaram a me procurar e descobri que eu tinha um negócio.

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Nesse período em que você se ocupou com a sua maternidade...

Eu fiquei uns cinco anos entre finalizar a faculdade de Direito e começar o meu blog, que foi 2010. Fiquei cinco anos sendo mãe, sem trabalhar... eu vivi a ma- ternidade, mas era uma sensação de uma Silvia mais adormecida, sabe quando você está num torpor? Eu tenho essa sensação minha dessa época. A maternida- de me faz muito bem, me deixa feliz, mas eu sei que poderia ir além, ela não me satisfaz completamente. Eu gosto muito de trabalhar, de produzir, de estar co- nectada com pessoas. Vivendo só a maternidade, eu era um pouco adormecida. É uma fase difícil, às ve- zes, para as mulheres. Tem gente que consegue ser feliz assim e eu acho bacana e legítimo se realizar na maternidade. Mas comigo não acontecia isso. Eu que- ria ir além. Achava que eu poderia fazer outras coisas,

Como você se imagina nos próximos anos?

Tenho feito alguns trabalhos onde atuo não como uma garota propaganda e sim como uma coautora. A gente define a estratégia de comunicação, a estra- tégia de venda, e o produto em si, que trago muito meu olhar. Isso começou a acontecer naturalmente porque eu tenho uma relação próxima com determi- nadas marcas que eu trabalho, com os donos, com a direção criativa deles. Começou de uma forma na- tural e a gente percebeu que o resultado de vendas quando eu realmente participava era infinitamente maior. Hoje a gente já tem proposta. Eu tenho vonta- de de abrir uma marca em meu nome, nada de moda.

Do que seria?

Seria uma coisa que ninguém imagina. Não posso fa- lar ainda, mas seria algo na área de saúde da mulher. E quero ter, de alguma forma, uma marca que impac- te a vida das pessoas. Penso nessa linha de uma em- presa de impacto, que eu reconheça quem sou hoje. Espero conseguir movimentar determinadas áreas do comércio, da comunicação. Tenho vontade de usar a minha voz para poder movimentar áreas. Penso numa empresa de impacto que eu consiga conectar as artesãs do Nordeste, por exemplo. Há pessoas que es- tão numa cidadezinha do interior e fazem um traba- lho lindíssimo e que ninguém daqui conhece. Quero trazer isso de alguma forma e colocar para ser visto, para ser vendido, comprado. Estou nessa vibração de empresa de impacto para poder usar o que eu cons- truí até aqui, que é a capacidade de me comunicar. Quero me comunicar com pessoas em lugares do Bra- sil, e ajudar pessoas, cidades. Hoje percebo que con- sigo fazer isso. Tenho esse feedback de trabalhar com marcas. Eles me falam: olha, Silvia, você postou isso daqui e você vendeu tudo. Você fez essa coleção e está totalmente sold out. Tenho um feedback muito bom.

Sem abandonar a moda, certo?

De forma nenhuma. Quero sempre fazer coisas a mais, com a comunicação e a moda. Estou crescendo, no sentido de aumentar minha equipe, me estrutu- rar cada vez mais, me organizar. Hoje a Silvia Braz é uma empresa. É uma marca, e por trás é uma empre- sa com metas a serem batidas, agenda, equipe, com uma organização. Graças a Deus chegou o momento que posso fazer escolhas, as narrativas que quero ter, onde quero aportar a minha influência, onde a marca Silvia Braz deve estar.

Como você observa o período difícil em que vivemos e as transformações?

Tenho me preocupado com a saúde mental na sociedade. Nesse momento difícil, o impacto é grande e as pessoas acabam sucumbindo a determinadas si- tuações. A nossa sociedade foi ensinada a cuidar da saúde física. Você tem febre, toma remédio. Gripou, vai tomar seu antigripal. Mas se começa a ficar muito ansioso, fala: é bobeira. A gente passou muito tempo sem cuidar da saúde mental. É algo de que precisamos falar cada vez mais, e tomar mais cuidado, cuidar da saúde. Falei sobre o doutor Táki Cordás, psiquiatra. Eu percebi que precisava. Estou muito exposta, tra- balho muito, não durmo direito. Chegou um momen- to que pensei: preciso cuidar da minha saúde mental para conseguir seguir adiante. Você precisa estar em paz e buscar recursos para enfrentar as adversidades. É uma oportunidade para gente repensar a nossa vida, mas não acho que é algo que vá mudar a vida de todo mundo. Vejo pessoas querendo voltar à vida que elas tinham. É uma questão subjetiva, íntima.

Acha que vai ser a mesma Silvia, depois da pandemia?

Não. Virou uma chave dentro de mim nessa pande- mia. Só não sei explicar exatamente o que que foi. Mas teve mudanças, é uma questão de maturidade. Fiz 40 anos durante a pandemia. Dá uma virada de chave. O que vou fazer com meus próximos 40? Eu mudei, mas não vejo as pessoas dispostas a mudar profundamente, mesmo depois de tudo que a gente está vivendo. Pessoas irão mudar porque tinham esse desejo e foram forçadas a se transformar.

Em que mundo você acha que suas filhas vão viver?

É impressionante perceber que uma menina de 15 anos e a de 6 anos já falam da situação da mulher, do feminismo, de sororidade. Venho de uma família de mulheres e isso é uma constante desde a minha época, uma mulher apoiando a outra mesmo, mas é uma geração mais evoluída, que não tem essa dife- renciação de sexo, de escolhas, de companheiros, é uma aceitação maior, generosidade maior. Admiro isso nelas. Mas é uma geração que não aceita ser con- trariada. A gente vê nas redes sociais, eles não gostam muito de dialogar. “Minha opinião é essa, é isso.” Se não der certo vão brigar. É a política que temos hoje no Brasil. E uma geração que não consegue dialogar,

Então você trabalharia pelo diálogo?

Sim, falta diálogo no Brasil. As pessoas não querem se entender. Só querem expor suas próprias opiniões e não querem ouvir o outro. Isso faz falta em vários aspectos, principalmente na política.Por isso a gente está ladeira abaixo. É triste.

Se fosse uma pessoa o diálogo seria o quê?

Se o diálogo fosse uma pessoa seria uma mulher. Com certeza, o diálogo tem alma feminina. É a capacida- de de ouvir o outro, de entender mais a situação do outro, de querer se colocar no lugar do outro, enfim.

Se o futuro precisa de diálogo o futuro também é feminino? Acho as mulheres brilhantes. A mulher consegue ter várias atividades e tarefas. Penso numa coexistência, interessante, boa para todo mundo, entre homens e mulheres.