Pam Fletcher, da Delta: 'Para impulsionar a aviação sustentável, precisamos acelerar tecnologias potencialmente disruptivas'

Necessidade de transição energética aceleram investimentos e parcerias em torno do hidrogênio verde

LWPA8963-sizedPam Fletcher, da Delta. (Foto: Reprodução)

O Brasil desempenha um papel-chave na iniciativa de descarbonizar o planeta, nas próximas décadas. A justificativa é porque o país possui grande volume de recursos limpos para geração de energia necessária para produção do hidrogênio verde, como vento e sol para energia eólica e solar, respectivamente, além de hidrelétricas – nossa matriz energética é 83,7% renovável.

Nesse cenário, a neutralidade do carbono é a pauta global diária, e o hidrogênio verde representa um avanço tecnológico em relação a outras fontes energéticas. Quando classificado como verde, o gás é obtido a partir da eletrólise da água, em que a eletricidade de fontes renováveis, como eólica e solar, é utilizada para a decomposição das moléculas de água. Esse processo não gera dióxido de carbono e, por isso, é considerado limpo.

Com a maior parte da matriz elétrica baseada em fontes renováveis e a expectativa de expansão do segmento, com o desenvolvimento de novas tecnologias como a eólica offshore, o Brasil tem condições de se tornar protagonista na produção de hidrogênio verde para atendimento à demanda interna e exportação.

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Eduardo Capelastegui, CEO da Neoenergia. (Foto: Reprodução)

Sinergia

Diferentes ações têm dado novo contorno para o futuro uso do hidrogênio verde, colocando a alternativa como uma força que pode redefinir o mapa global de energia em um mundo pós-petróleo. Neste sentido, o Brasil pode ser um dos grandes beneficiários.

No final de agosto, a Neoenergia firmou no final de agosto um memorando de entendimento (MoU, na sigla em inglês) com o Governo do Rio Grande do Sul para o desenvolvimento de hidrogênio verde e geração eólica offshore. A companhia está desenvolvendo estudos para a geração eólica em alto-mar no litoral gaúcho, o parque Águas Claras.

O memorando tem vigência de três anos e prevê a cooperação na realização dos estudos para o fomento às duas tecnologias de energia limpa considerando a relevância portuária e o potencial eólico do estado. O foco é o Porto de Rio Grande, um dos mais importantes do país para o comércio internacional e que alberga empresas em áreas químicas, petroquímicas, mineração e fertilizantes. Os projetos podem ter sinergia com a infraestrutura portuária tanto na fase de instalação, por servir como área de apoio para a fabricação e estocagem dos materiais, quanto na de operação, permitindo o atracamento de embarcações especiais.

“As tecnologias de hidrogênio verde e geração eólica offshore podem levar o Brasil ao protagonismo global em energia limpa, que faz parte do DNA da Neoenergia. Buscamos contribuir com o setor elétrico nacional no desenvolvimento desses novos modelos de geração e nos antecipar ao mercado do futuro", afirma Eduardo Capelastegui, CEO da Neoenergia.

A iniciativa pode contribuir para a promoção da energia eólica offshore, incentivando o desenvolvimento socioeconômico e ambiental, de infraestrutura e das cadeias de valor e suprimento da região e do país. O Plano Nacional de Energia – PNE 2050, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), aponta que regiões offshore representam a última fronteira para o desenvolvimento da energia eólica, com aumento expressivo na exploração da fonte. O potencial da eólica marinha no Brasil é de 1,2 TW, de acordo com relatório do Banco Mundial e, segundo a EPE, de 700 GW em áreas com profundidade de até 50m. O Rio Grande do Sul se destaca nesse cenário.

i.s3.glbimgMarcus Marinho, gerente-geral da Air Products Brasil e Argentina. (Foto: Reprodução)

Em escala

Muitas indústrias têm se comprometido com novos processos para operar de forma limpa e sustentável. O mesmo ocorre no setor de transportes. Carros elétricos ou movidos a hidrogênio verde não são mais uma projeção para um futuro distante. Diversos países já apresentam opções de veículos adaptados a essas matrizes alternativas e o avanço destas tecnologias devem torná-los cada vez mais acessíveis ao grande público.

Comprometida com a descarbonização, a Air Products - corporação internacional americana cujo principal negócio é a venda de gases e produtos químicos para uso industrial -, está com uma iniciativa para produção de hidrogênio verde em escala global. Trata-se da parceria entre Air Products, thyssenkrupp, ACWA Power e NEOM, para instalação de uma fábrica de amônia baseada em hidrogênio verde, movida a energia renovável na Arábia Saudita. Considerado um projeto ambicioso, essa parceria fornecerá 650 toneladas de hidrogênio sem carbono por dia, reduzindo as emissões de CO2 em três milhões toneladas por ano.

Previsto para entrar em operação em 2025, o Projeto NEOM terá a Air Products como compradora exclusiva da amônia verde, que será destinado à produção do gás em diversos mercados internacionais, buscando atender prioritariamente o setor de transporte.

“A parceria da Air Products com a thyssenkrupp, ACWA Power e a NEOM é motivo de orgulho. Aproveitando o perfil único do sol e do vento do NEOM para converter água em hidrogênio, este projeto renderá uma fonte de energia totalmente limpa em grande escala que eliminará emissões de carbono equivalentes a mais de 700 mil carros por ano. Queremos expandir pelo mundo a ideia do hidrogênio verde como um combustível produzido a partir de energia limpa, que não traga consequências para o meio ambiente, e disponível para todos os países”, explica Marcus Marinho, Gerente Geral da Air Products Brasil e Argentina.

Oportunidade

A atual crise energética na Europa provocada pela redução do fornecimento de petróleo e de gás da Rússia deve se agravar nos próximos meses, principalmente com a chegada do inverno. A situação chama a atenção dos economistas, entre eles Roberto Giannetti da Fonseca, tendo em vista que o impacto financeiro em muitas companhias poderá ser imenso, o que ressalta a busca por fontes alternativas eficientes e sustentáveis.

Presidente do LIDE Energia, Giannetti explica que o hidrogênio verde já vinha sendo estudado por grandes companhias europeias e asiáticas, além de norte-americanas desde 2018, mas era considerado apenas uma aposta a longo prazo, o que deve mudar agora. “Além da descarbonização e impacto ambiental positivo, ele é mais econômico do que os combustíveis fósseis, sendo competitivo como insumo industrial, já que ele substitui com vantagem o diesel e outros derivados em vários segmentos, entre eles a amônia”, detalha.

df77270d-3666-4a6f-8628-2876dc1a4398Roberto Giannetti da Fonseca, presidente do LIDE Energia. (Foto: Gustavo Rampini/LIDE)

Também empresário, o especialista destaca que o mundo também está enfrentando sérios problemas com a escassez de fertilizantes. “Acredito que o país produzir amônia verde localmente deve que ser uma prioridade zero para o agronegócio. Precisamos ter uma política muito firme de reversão dessa dependência”, sugere.

Projetos e parcerias

  • A BASF trabalhou com a Shell para avaliar e reduzir riscos na produção do bio-hidrogênio com o uso do Puristar R0-20 e da Tecnologia de Adsorção Sorbead. As duas tecnologias purificam e desidratam o fluxo de hidrogênio do produto a partir do processo de eletrólise da água, que pode então ser utilizado para a liquefação e transporte, como uma fonte de energia ou matéria-prima química. As tecnologias Puristar e Sorbead estão agora no portfólio da Shell para uso potencial nos projetos globais de hidrogênio verde da multinacional. "A BASF compartilha a ambição da Shell de trabalhar em prol de zerar as emissões líquidas no futuro. O hidrogênio verde é um componente importante para atingir este objetivo e para a eliminação de risco com Puristar R0-20 e Tecnologia de Adsorção Sorbead para os projetos da Shell nos apoiarão nesse caminho", afirma Detlef Ruff, vice-presidente Sênior, Catalisadores de Processos da empresa do setor químico.

  • A Vestas lançou um programa para explorar como o primeiro navio de transferência de tripulação (CTV, em inglês) movido a hidrogênio verde do mundo pode contribuir para a redução das emissões de carbono de suas operações offshore. Essa colaboração com a Windcat Workboats é mais um passo rumo ao objetivo de ser carbono neutro até 2030. “Setores de difícil descarbonização, como o transporte marítimo, serão a fronteira final em nossa jornada global. O hidrogênio é uma tecnologia crucial para avançarmos nesse caminho e é por isso que a Vestas está ansiosa para testar seu potencial para reduzir as emissões de nossas operações de serviço.”, afirma Christian Venderby, vice-presidente executivo de Serviços da Vestas.

  • A Unigel – uma das maiores empresas químicas da América Latina e maior fabricante de fertilizantes nitrogenados do país – anunciou o início da construção da primeira fábrica do biogás do Brasil. Com investimento inicial de US$ 120 milhões, a fábrica deve entrar em operação até o final de 2023, ocasião em que será uma das maiores do mundo. A Unigel conta com a tecnologia líder mundial para eletrólise de alta eficiência da thyssenkrupp nucera, da Alemanha. Localizada no Polo Industrial de Camaçari (BA), a nova fábrica, em sua primeira fase, terá capacidade de produção de 10 mil toneladas/ano de hidrogênio verde e de 60 mil toneladas/ano de amônia verde. Na segunda fase do projeto, prevista para entrar em operação até 2025, a Companhia deve quadruplicar a produção do biogás e amônia verdes.

Uma usina de hidrogênio verde

A indústria brasileira de cloro-álcalis tem potencial de ser a principal fonte de hidrogênio verde, considerada a energia do futuro no mundo. Durante o processo de produção de cloro, chamado de eletrólise (passagem de uma corrente elétrica através de uma solução de salmoura), além da soda cáustica, é gerado também hidrogênio. O hidrogênio gerado nas plantas de cloro-álcalis no Brasil é produzido a partir da quebra da molécula de água proveniente de fontes limpas, tornando-se um “hidrogênio verde”.

Para cada tonelada de cloro, são produzidos 28 kg de hidrogênio durante a eletrólise. Hoje na indústria, esse hidrogênio é utilizado como matéria-prima ou fonte térmica, substituindo o gás natural e reduzindo a emissão de CO2. Segundo dados de mercado, cerca de 4% do hidrogênio consumido no mundo já é originado em plantas de eletrólise, especialmente de cloro-álcalis.

“A mudança para uma matriz energética mais sustentável no mundo coloca alguns desafios como o armazenamento de energia de fontes intermitentes e a eletrificação de processos. O hidrogênio será um dos principais fatores para essa mudança, tanto para o armazenamento como para células de combustível. A indústria de cloro-álcalis está pronta para produzir ou vender hidrogênio, e hidrogênio verde”, afirma o presidente-executivo da Abiclor, Milton Rego.

Velocidade de cruzeiro

A energia do biogás tem grande potencial para levar as viagens aéreas em direção à emissão zero de carbono, futuro que pode ser acelerado graças a um novo acordo entre a Delta e a Airbus. Como parte de seu plano Flight to Net ZeroSM (Voo em Direção ao Impacto Zero, em tradução livre), que tem por objetivo escalar e promover o avanço de tecnologias sustentáveis, a Delta assinou um Memorando de Entendimento para se tornar a primeira companhia aérea norte-americana a colaborar com a Airbus na pesquisa e no desenvolvimento de aeronaves movidas a hidrogênio e o ecossistema necessário para fazer a transição para esse modelo.

“Para impulsionar o futuro da aviação sustentável, precisamos acelerar o desenvolvimento e a comercialização de tecnologias potencialmente disruptivas”, disse a diretora executiva de Sustentabilidade da Delta, Pam Fletcher. “O combustível de hidrogênio é um conceito empolgante que tem o potencial de redefinir o status quo. Esses passos tangíveis estabelecem as bases para a próxima geração da aviação”.