Alef Dias, da Global Markets: 'Temos a possibilidade de que o mercado esteja superestimando a recessão nos EUA, dado que a redução nas contratações não tem elevado o desemprego'

Diante de um cenário econômico incerto, Brasil pode ser beneficiado por um novo ciclo de investimentos.

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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (Foto: Divulgação/Agência Brasil)

Expressões como “tempestade perfeita” parece se encaixar perfeitamente com o atual momento econômico internacional, de acordo com analistas. O endosso a esse pensamento reflete em análises como a de Leonardo Trevisan, professor de Economia e Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM): a pandemia fez um estrago significativo nas cadeias globais de produção desde 2020. Em especial, tensionando as estruturas de comércio, principalmente pelo aumento do preço do frete. A troca de demanda de serviços por bens, também provocou forte impacto nestas cadeias. Assim, em 2021, com a pandemia menor, a pressão na precificação de energia, em especial petróleo, gerou forte inflação, desencadeando um 2022 de muita apreensão.

“As pretensões de redesenho do mapa geopolítico por parte da Rússia completou o movimento de fim da era da globalização e do comércio ‘organizado’ nas regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), impulsionada desde os anos 1990. A indefinida longevidade da guerra da Ucrânia completa a lembrança daquela difícil expressão sobre tempestades que ameaçam o futuro comum”, afirma.

Leonardo Trevisan_2Leonardo Trevisan, professor de Economia e Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (Foto: Divulgação)

We trust

Com forte influência global, o primeiro player desse cenário que precisamos analisar são os Estados Unidos, e o que se observa é um balanço frágil entre o aperto da política monetária para conter a inflação e o efeito colateral da desaceleração econômica. O PIB trimestral norte-americano apresentou queda, mas outros elementos da economia continuam bastante robustos e enfraquecem a tese de recessão severa já em 2022 – particularmente a baixa taxa de desemprego, a resiliência, até o momento, do setor de serviços e a saúde dos balanços de empresas e consumidores.

Carreira pontua que o PIB europeu vem sendo revisado sucessivamente para baixo, considerando o risco de desabastecimento de energia e o aumento de custo. E, finalmente, temos a China, que no início deste ano preocupou o mundo com a situação de seu mercado imobiliário e que, mais recentemente, adotou políticas bastante restritivas de combate à Covid-19, com lockdowns mais severos. Isso acabou impactando o consumo no país, bem como a capacidade de manter a infraestrutura de comércio exterior operando. “Como maior destino das exportações brasileiras – cerca de 25% em 2021 – o país asiático deve trazer algum impacto de curto prazo para as nossas exportações, ainda mais em mineração, petróleo, soja, proteína animal e celulo- se. A situação deve ser melhor com a medida de flexibilizações. Porém, de todos esses movimentos externos, de fato, o que mais preocupa os brasileiros deve ser a situação política na Europa, pois não há ainda uma perspectiva de quando esse contexto será resolvido”, finaliza Carreira.


Contraponto

Em linhas gerais, o cenário macro segue apontando para uma desaceleração da atividade econômica global. Tanto os EUA quanto a Europa ainda têm uma parte de seus apertos monetários a realizar. A escassez de matérias-primas e os preços elevados do gás devem seguir pesando sobre a economia europeia, e a política de zero Covid-19 somada a questões climáticas e regulatórias fazem com que a China também tenha uma performance econômica aquém do esperado no início do próximo ano - mesmo com políticas fiscal e monetária mais expansionistas no gigante asiático.

“Temos a possibilidade de que o mercado esteja superestimando a recessão nos EUA, dado que a redução nas contratações não tem levado a um aumento do desemprego - o que possibilita uma redução dos salários sem uma queda brusca da demanda. Em outras palavras, o custo econômico para controlar a inflação de salários é menor dado que isso pode levar a ciclo de aperto monetário mais curto ou menos intenso. Adicionalmente, diversas commodities – principalmente as energéticas e agrícolas – seguem com uma oferta extremamente apertada. Com isso, a desaceleração global pode não ser necessariamente baixa para esses produtos, porque mesmo com uma redução na renda, as pessoas ainda precisam se aquecer e se alimentar. Por se tratar de um exportador líquido de commodities, o Brasil pode ter um desempenho econômico melhor em comparação às economias centrais, como tem acontecido nos últimos meses”, pondera Alef Dias, analista de grãos e macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets, empresa especializada em inteligência de mercado, consultoria, gestão de risco e soluções de hedge para a cadeia de valor global de matérias-primas, com larga experiência nos mercados agrícolas e de energia.

“Falando especificamente de algumas das commodities mais exportadas pelo Brasil, temos de nos atentar para a soja e minério de ferro, que podem se descolar desse cenário de maior suporte para os preços de commodities. No caso da soja, a confirmação de boas safras nos EUA e no Brasil podem retirar esse suporte vindo da oferta, enquanto no minério ferro a crise imobiliária na China pode seguir reduzindo a demanda pelo produto brasileiro”, completa Dias.

Alef Dias divulgaçãoAlef Dias, analista de grãos e macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets (Foto: Divulgação)

Pix Por Pix

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, revelou que em agosto desse ano o valor transacionado pelo sistema Pix foi de quase R$ 1 trilhão. De acordo com ele, o Pix faz parte de um amplo plano e digitalização da moeda e do sistema econômico brasileiro, o que inclui o Open Finance e a regulação dos criptoativos. Durante palestra na 32ª edição da Febraban Tech, evento da Federação Brasileira de Bancos, realizado na capital paulista, Campos Neto destacou que as instituições financeiras participaram ativamente do desenvolvimento da ferramenta de pagamento. “O sistema foi construído por todo o sistema financeiro. Os bancos ajudaram muito, fizeram um marketing muito bom”. O presidente do BC ressaltou também que a proposta da instituição é aumentar a participação da sociedade no sistema bancário nacional. “A gente quer ‘bancarizar’, a gente quer competição com inclusão, não é sobre se está ganhando ou está perdendo, todo mundo está ganhando”, indicou.

Investindo em camelos

Os ajustes econômicos globais também direcionam os investimentos para setores tradicionais e companhias mais maduras no ponto vista de negócio. Diferentes dos unicórnios, as empresas “camelo” não são particularmente conhecidas como inovadoras, mas apresentam resultados consistentes e planos de crescimento mais sóbrios. Ganharam o apelido por ‘resistirem ao deserto até chegarem aos objetivos’. “Companhias que conseguirem se adaptar e desenvolver planos mais conscientes serão fortes candidatas para fundos de private equity e outros investidores”, diz Carlos Lobo, da Hughes Hubbard & Reed LLP.

Oportunidade

Em outro sentido, a previsão de retomada no setor de fusões e aquisições (M&A) nos Estados Unidos pode beneficiar negócios e investimentos brasileiros. Entretanto, o apetite de investidores ficou mais seletivo: o crescimento acelerado que se viu no setor de tecnologia tem sido substituído pela busca por quem apresenta resultados e planos de médio e longo prazo. É o que avalia Carlos Lobo, sócio do Hughes Hubbard & Reed LLP, escritório de advocacia internacional com sede em Nova York (EUA).

“Os ajustes de mercado que afetaram setores mais sensíveis, como streaming e as áreas de tecnologia, foram acompanhados por um movimento de consolidação a partir de fusões e aquisições. E o Brasil pode se beneficiar disso, seja em território nacional, seja em operações na América Latina”, explica Lobo.

Para o especialista, a consolidação de negócios pode abrir novas oportunidades para o país e deve se reforçar depois das eleições. As operações de M&A podem ser vantajosas para empresas do próprio setor de tecnologia, que visualizam ganhos após severos impactos no primeiro semestre. Contudo, as empresas brasileiras desse segmento, que planejam levantar capital nos EUA devem estar preparadas para exigências mais rigorosas, como EBITDA positivo e planos concretos de expansão. Outro aspecto que pode aquecer o mercado é uma tendência nos Estados Unidos de aproximar cadeias de suprimento e reforçar sua participação entre os vizinhos. “Como as relações com a China têm ficado mais complicadas, é natural que os EUA olhem para o Brasil e a América Latina como um todo. O capital americano deve investir na região para estruturar cadeias de fornecimento e mercados de forma a reduzir sua dependência dos chineses”, constata.

lobo_carlos_divulgaçãoCarlos Lobo, sócio do Hughes Hubbard & Reed LLP, escritório de advocacia internacional com sede em Nova York. (Foto: Divulgação)

Melhora conjuntural não levará à valorização do real

A economia brasileira tem se descolado da tendência global de desaceleração da atividade, inflação e elevações significativas das taxas de juros. Os indicadores de atividade brasileiros também seguem surpreendendo positivamente. Dado esse cenário, era de se esperar uma valorização da moeda brasileira, o que não tem sido observado por especialistas. Para a hEDGEpoint Global Markets, empresa especializada em inteligência de mercado, consultoria, gestão de risco e soluções de hedge para a cadeia de valor global de commodities, além de todo cenário internacional adverso para exportadores de commodities, o caráter conjuntural desse bom desempenho econômico evita maiores valorizações do real.