Brasil se prepara para ser um importante player no mercado espacial, setor que deve movimentar US$ 3 trilhões até 2050

Com 26 anos, a Agência Espacial Brasileira (AEB) trabalha com o compromisso de aliar ciência, tecnologia, educação e inovação industrial para arregimentar este processo no País.

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Brasil se prepara para ser um importante player no mercado espacial. (Foto: Divulgação)

Há alguns anos, o mundo viu a corrida espacial renascer. No entanto, dessa vez, não são questões e disputas geopolíticas entre nações que estão em jogo. Essa “guerra” conduzida por empresas bilionárias busca posições estratégicas em mercados como comunicação, segurança, monitoramento ambiental e atmosférico, transporte e até turismo. O setor privado de exploração espacial já conta com grandes nomes, entre eles Elon Musk e sua SpaceX, empresa avaliada em aproximadamente US$ 36 bilhões e que, recentemente, em parceria com a Nasa, lançou com sucesso a nave Crew Dragon com dois astronautas a bordo, utilizando o foguete Falcon 9. A Virgin Galactic de Richard Branson, além da Blue Origin de Jeff Bezos, fundador da Amazon, também estão entre as companhias interessadas no chamado new space, mercado que deverá alcançar a marca de US$ 3 trilhões nos próximos 30 anos, de acordo com Sidney Nakahodo, CEO da New York Space Alliance e professor da Columbia University.

Com 26 anos, a Agência Espacial Brasileira (AEB) trabalha com o compromisso de aliar ciência, tecnologia, educação e inovação industrial para arregimentar este processo no País. Nos últimos meses, a AEB teve muitas conquistas a comemorar, uma delas, a aprovação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) pelo Congresso Nacional, com a prioridade de inserir o Brasil no grupo de países lançadores de satélites. “Vamos fazê-lo com veículos de outros países e com o nosso próprio lançador. Este ano, começaremos a lançar as bases para que isso possa ocorrer no período de dois a três anos, ou seja, serviços comerciais de transporte espacial, orbitais e suborbitais”, ressalta Carlos Augusto Teixeira de Moura, presidente da Agência.

Assinado em março de 2019 pelo Brasil e Estados Unidos, o AST define que ambos os países se comprometem a proteger as tecnologias das partes, condição obrigatória para o uso do Centro de Lançamento de Alcântara (MA) como base de impulsionar objetos espaciais de quaisquer países que possuam componentes americanos. Tudo isso com a finalidade de inserir o Brasil no mercado de lançamentos de satélites, mesmo ocupando apenas 1% do volume de negócios espaciais global, o que pode render cerca de US$ 30 bilhões ao País até 2050. No final de maio, o Brasil abriu negociações para transformar o Centro Espacial Alcântara (CEA) em uma plataforma de lançamento para veículos espaciais. De acordo com a AEB, o Centro já recebeu diversas propostas de empresas interessadas em sua localização privilegiada em relação a outros pontos no mundo.

Capacitação e empreendedorismo

Para aumentar a atuação aeroespacial do Brasil, reduzir a dependência externa e buscar soluções melhores, mais rápidas e acessíveis na área espacial, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) inaugurou, no final de janeiro, em São José dos Campos (SP), o Centro Espacial CEI. O espaço será responsável pela capacitação de recursos humanos, bem como pela pesquisa e desenvolvimento no setor espacial no âmbito do Ministério da Defesa (MD).

Para José Iram Barbosa, diretor de operações do Parque Tecnológico São José dos Campos (PqTec), assistimos a um movimento importante no setor espacial que se desenvolve em paralelo com os tradicionais modelos bancados pelas nações. “Fala-se de um renascimento do setor espacial em que novos players estão chegando com suas ideias suportadas na inovação e no empreendedorismo. Este renovo coloca o setor privado com um papel importante no equilíbrio de forças: entra no negócio com maior velocidade no desenvolvimento, encurta prazos, assume maior risco, introduz novas tecnologias, enfim, quebra barreiras com o auxílio da inovação”, avalia.

De forma prática, Barbosa destaca que na área de satélites, a revolução do setor está na miniaturização e no uso de componentes off-the-shelf (já existente no mercado). “Tipicamente estes satélites podem ter massa em torno de um quilograma. Mas a revolução não é somente na redução de tamanho e volume. As comunicações móveis também serão fortemente impactadas por meio da tecnologia 5G, pois ela possibilitará o tráfego da gigantesca quantidade de dados gerados pelos aplicativos que vão desde a telefonia convencional, até a novíssima “Internet das Coisas” (IoT)”, explica.

Apoio tecnológico

É neste mundo mais conectado em que uma grande quantidade de objetos geram dados e necessitam ser transmitidos para todo o globo, que aparecem os novos players com suas soluções mais disruptivas para o setor. Isto se convencionou de new space. “Sabemos que as chances de sucesso nessa nova arena recairão para as empresas ágeis, desburocratizadas, com apetite a risco, enxutas e com profissionais talentosos. De acordo com o diretor do PqTec, este desenvolvimento tende a ser impulsionado pelas startups. Porém, os governos se obrigarão a criar os marcos legais para o setor, para que os produtos prototipados sejam levados a mercado dentro de um regramento seguro. “A corrida é global e já começou. As empresas brasileiras terão de disputar com o resto do mundo, é um novo desafio tecnológico. Não há reserva de mercado para esta oportunidade”, enfatiza.

José Iram Barbosa lembra que o PqTec dispõe de um programa de apoio ao empreendedor, que é o Nexus - Hub de Inovação. Este programa cobre a criação, desenvolvimento e aprimoramento de negócios com base tecnológica, nos seus aspectos técnicos, gerenciais, mercadológicos e de recursos humanos, de modo a assegurar o seu fortalecimento e a melhoria de seu desempenho.

Conhecido como polo de desenvolvimento de tecnologia aeroespacial, São José dos Campos também abriga o Brazilian Aerospace Cluster, iniciativa que reúne mais de 90 empresas gerando cerca de 19 mil postos de trabalho e faturamento anual de US$ 7 bilhões. Marcelo Nunes, coordenador do Cluster, que é gerido pelo próprio Parque Tecnológico São José dos Campos, conta que mais do que uma entidade de classe, o Cluster Aeroespacial Brasileiro é uma política de Estado e é um conceito que está muito consolidado não apenas no Brasil, mas também na Europa e nos Estados Unidos.

Nunes detalha que o Cluster promove ações de capacitação, acesso a mercado, internacionalização e melhoria de processos e pessoas, isto é, uma série de atividades que focam na melhoria contínua de maturidade e desenvolvimento das empresas, importante meta para que a indústria aeroespacial brasileira esteja cada vez mais competitiva globalmente. “Nosso papel como gestor deste programa é estar em constante sintonia com os empresários, o mercado global e, principalmente, a governança deste cluster, entes públicos e privados que nos apoiam financeiramente, economicamente e institucionalmente em nossas atividades. É natural que tudo isso esteja centralizado em São José dos Campos, que criou um ecossistema de inter-relação de competências em torno do setor aeroespacial no Brasil. Hoje temos 65% das empresas fornecedoras deste mercado aeroespacial com sede no Vale do Paraíba”, comemora.

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Modelo de voo do Satélite Amazonia-1 completou 100 horas. (Foto: Divulgação)

Iniciativa

Este cenário positivo favorece os fornecedores de peças, serviços e subsistemas para a indústria global, além das parcerias multisetoriais. A Avibras Indústria Aeroespacial e o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) assinaram, no final de janeiro, um contrato de transferência de tecnologia que concederá à empresa licença para a produção e comercialização do VSB-30, veículo suborbital de maior sucesso no Programa Espacial Brasileiro, no que se refere a número de lançamentos. Este contrato de transferência de tecnologia permitirá a continuidade de industrialização e comercialização do VSB-30 com aperfeiçoamentos tecnológicos, além de promover uma aceleração no desenvolvimento de veículos lançadores nacionais competitivos internacionalmente, para microssatélites.

Para Leandro Villar, vice-presidente Comercial da Avibras, a iniciativa fortalece a tríplice hélice, conceito que aponta a ação conjunta entre empresa, academia e governo como o caminho para a inovação tecnológica e o desenvolvimento econômico do país. “Com esse programa, queremos ampliar o protagonismo do Brasil na área espacial impulsionando o Programa Espacial Brasileiro, além de gerar empregos”, afirma.

Desenvolvido pelo IAE, fruto de cooperação entre Brasil e a Alemanha, o VSB-30 é lançado por sistema de trilhos, estabilizado por empenas e possui indutores de rolamento que são acionados quando o veículo deixa os trilhos, contribuindo para a sua estabilidade durante o voo. Possui dois estágios a propulsão sólida e permite o transporte de cargas úteis científicas e tecnológicas de até 400 quilos a uma altitude de 270 quilômetros, além de possibilitar a realização de experimentos em ambiente de microgravidade durante seis minutos.

Segundo Villar, o Brasil pode desempenhar papel relevante no mercado Espacial, pois adquiriu diversas competências por meio de pesquisa e inovação no setor ao longo de quase seis décadas, desenvolveu uma base industrial competente e possui uma base de Lançamento em Alcântara (CLA), com posição geográfica privilegiada, fatores poucas vezes reunidos em um único país.

100% nosso

No início deste ano, o modelo de voo do Satélite Amazonia-1 completou 100h de operação contínua nas dependências do Laboratório de Integração e Testes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (LIT-INPE). O Amazonia-1 é o primeiro satélite de Observação da Terra completamente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil. “O teste de operação contínua é um marco importante em meio ao ciclo de desenvolvimento do projeto que mostra a correta integração de todos os subsistemas e equipamentos que compõem o satélite Amazonia-1. Toda a equipe do INPE que tem trabalhado no projeto merece o reconhecimento por este importante marco”, conforme ressaltou Alexandre Macedo de Oliveira, coordenador de Satélites e Aplicações da Agência Espacial Brasileira (AEB).