Black é a cor mais quente

As escolhas certeiras de Alexandra Loras, a francesa de 46 anos que está mudando o perfil das mulheres nas grandes empresas brasileiras, são ferramentas de trabalho. Da mala de viagem às obras de arte que coleciona, tudo conversa com a relevância de mostrar o poder do protagonismo feminino negro.

Loras_1980 copiarAs escolhas certeiras de Alexandra Loras, a francesa de 46 anos que está mudando o perfil das mulheres nas grandes empresas brasileiras.

Em 2015 Alexandra Loras fez uma viagem para o Gabão, país na África Central, que mudou sua maneira de entender a sorte – e o mundo, claro. Junto com o amigo e fotógrafo belga Tinko Czetwertynski
ela conheceu a iboga, uma planta de origem africana usada em rituais de cura e autoconhecimento. Alexandra trouxe um pedaço do galho mágico e o transformou num amuleto.

“Sempre peço para me proteger quando conheço pessoas novas, para que seja uma troca de qualidade”, diz. O Gabão foi um dos 61 países por onde passou a francesa, com rodinha nos pés, que há dez anos chegou ao Brasil, com o marido, Damien Loras, então cônsul da França, e um filho de quatro meses. Filha de mãe francesa e pai gambiano, ela é jornalista, apresentadora de televisão, escritora, e palestrante.

Contudo, quando chegou a São Paulo, abraçou um propósito que se transformou em missão de vida: o respeito aos negros, a luta antirracista. “Já morei em oito países, mas o Brasil é o segundo com a maior população de negros, depois da Nigéria”, afirma. “No entanto, não via negros ocupando espaços nos telejornais, nas novelas, nem em cargos públicos relevantes. Concluí que era um país racista”.

image_67154433A bolsa Celine, às vezes usada por ela do avesso, para não exibir a marca.

image_67156737A iboga, planta africana usada como amuleto.

É. Alexandra passou a chamar a atenção pela presença imponente, mas sobretudo pelas ideias. Levou a discussão contra o racismo para os salões da elite paulistana e causou. Em 2012, em um editorial
da revista Vogue, deu o que falar. Ela aparecia ao lado da princesa Paola de Orleans e Bragança na contramão da herança histórica. Alexandra vestida de aristocrata, e Paola, de uniforme de empregada doméstica. “A publicação daquela reportagem e daquelas fotos repercutiu muito e, mais decisivo, triplicou a presença de negras nas revistas femininas”, diz. “O Brasil estava num momento de entender que tem que fazer uma reparação histórica”.

Guarda roupa e simbolismo

A questão do racismo chega a pontuar até mesmo seu estilo no cotidiano. Alexandra compõe seus looks com peças de marcas como Celine e Hermès, mas nada óbvio, e sim fruto de um olhar de connaisseur, “Uso algumas peças de qualidade como forma de enfrentar o preconceito em lugares onde poderia ser mal recebida por ser negra”, afirma. “Assim consigo ser ‘lida’ e transitar em ambientes
refinados.” Alessandra, tem a naturalidade de uma francesa acostumada com a cultura de seu país, onde ostentar é cafona.

image_16888321A mala Rimowa cabe em todas as viagens. 

image_123986672 (1)E as sandálias Hermès, “curinga”.

“É uma bolsa que ninguém tem, mas quem conhece sabe”, ressalta, ao exibir com discrição sua Celine branca e preta. A sandália Hermès, com detalhes em vermelho e azul, não pode faltar na mala de mão, uma Rimowa marinho brilhante da qual ela não se separa em nenhuma viagem. “Consigo levar quatorze vestidos leves”, ensina. São códigos de imagem que ela sabe usar, imprimem parte da sua
personalidade, e são fundamentais em seu trabalho de consultoria. Alexandra ensina empresas e líderes empresariais a criar um clima mais equilibrado nas organizações, com espaço para diversidade de gênero e raça. Em outras palavras, ela ajuda empresas a entenderem por que são racistas e empodera mulheres negras para ascenderem profissionalmente.

O resultado impacta diretamente a rentabilidade, além de ser um trabalho bonito e fundamental. “Empresas que contratam pessoas dentro do espaço de diversidade aumentam em pelo menos 35% a rentabilidade”, afirma. O trabalho de letramento racial, que se tornou sua expertise, já foi aplicado em mais de cem multinacionais e atingiu 98 mil mulheres. Recentemente ela abriu o Instituto do
Protagonismo Feminino, um projeto social que oferece mentorias presenciais para impulsionar a carreira de mulheres de baixa renda. Um trabalho do qual ela fala com orgulho, da mesma formaque guarda uma obra de arte comprada num “família vende tudo”, em São Paulo, uma madonna negra com anjos também negros embaixo: “O simbolismo é muito grande. Porque a figura da pureza dos anjos é sempre retratada por crianças loirinhas e brancas. Os anjos também são negros”. E são.

2016-07-26-dsc07774reflat_lohasAcima, o editorial que causou polêmica: papéis trocados em foto de Tinko Czetwertynski.