Michel Temer: Ninguém deseja que em 10 anos estejamos falando ainda de Bolsa Família, o ideal é promover ações para que todos passem para a classe média

Ex-presidente da República defende a integração de pessoas e comunidades no sistema econômico para o crescimento do país.

micheltemer_tCI0LDUTemer é também autor dos livros “Constituição e Política”, “Territórios Federais nas Constituições Brasileiras e Seus Direitos na Constituinte” e “Elementos do Direito Constitucional”. (Foto: Reprodução)

Advogado constitucionalista, poeta e professor, Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em Tietê, interior de São Paulo, no dia 23 de setembro de 1940, é o caçula de oito irmãos. Começou na carreira política como oficial de gabinete de Ataliba Nogueira, secretário de Educação do Governo de São Paulo, em 1964. A filiação partidária ocorreu em 1981, com ingresso no PMDB, partido do qual sempre foi membro. Em 1983, foi nomeado procurador-geral do Estado de São Paulo no governo do correligionário Franco Montoro. No ano seguinte, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, cargo que também ocupou no início dos anos 1990.

O experiente histórico na política conta com seis mandatos como deputado federal, tendo sido eleito três vezes para a presidência da Câmara (1997, 1999 e 2009), condição que assumiu a Presidência da República interinamente por duas vezes: de 27 a 31 de janeiro de 1998 e em 15 de junho de 1999, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ainda no período em que a sigla era PMDB, assumiu por uma década a presidência do Diretório Nacional do partido. Em 2012, licenciou-se do posto para assumir a vice-presidência da República, na chapa da ex-presidente Dilma Rousseff. Com a consequente conclusão do processo do impeachment que tirou Dilma do cargo, Temer assumiu como chefe do Executivo federal em 31 de agosto de 2016 e teve dois anos e quatro meses de mandato.

No período, teve como missão promover a estabilidade econômica do país e tornar a eficiência da máqui- na pública. Junto ao Congresso, atuou para Proposta de Emenda Constitucional que limitou os gastos públicos, posteriormente promulgada, estabelecendo assim um Novo Regime Fiscal. Nesta entrevista, o ex-presidente comenta os pontos altos e baixos de sua jornada, além de avaliar a importância das iniciativas de seu governo para o controle da inflação e manutenção do emprego, entre outras pautas que julga como imprescindíveis para alavancar o crescimento.

Revista LIDE: O senhor falou muito a respeito da pacificação ao assumir a presidência em 2016, e seguiu com esse discurso durante as Eleições de 2018. Desse modo, haveria condições da reunificação do país neste momento?

MICHEL TEMER: A pregação continua sendo a mesma, pois ainda é necessário tranquilizar a nação, não apenas pelo desejo dos governantes e das autoridades públicas, mas porque a Constituição assim determina. Logo em seu preâmbulo está dito que os constituintes deverão criar um estado pautado pela ideia da paz interna e internacional. Essa visão permeia todo o texto constitucional. A solução não é incentivar o radicalismo, muito menos lançar palavras agressivas em relação aos que participaram dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, por exemplo. No entanto, se faz necessário punir todos os envolvidos com base no sistema normativo. Lembrando que a manifestação pacífica, obviamente é permitida, o que não é possível são terríveis atitudes como essas. A partir daí, é preciso que as autoridades públicas – todas sem exceção – busquem a pacificação do país. Em 2018, eu pregava a hipótese de um pacto nacional, em que o candidato eleito, no dia da proclamação do resultado, deveria fazer um discurso convocando governadores, chefes de poderes, de não é incentivar o radicalismo, muito menos lançar palavras agressivas em relação aos que participaram dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, por exemplo. No entanto, se faz necessário punir todos os envolvidos com base no sistema normativo. Lembrando que a manifestação pacífica, obviamente é permitida, o que não é possível são terríveis atitudes como essas. A partir daí, é preciso que as autoridades públicas – todas sem exceção – busquem a pacificação do país. Em 2018, eu pregava a hipótese de um pacto nacional, em que o candidato eleito, no dia da proclamação do resultado, deveria fazer um discurso convocando governadores, chefes de poderes, de entidades da sociedade civil e a oposição, promovendo um grande esforço conjunto.

Qual sua visão sobre uma nova Constituinte ou mudança de sistema de governo?

Participei da Constituinte durante meu primeiro mandato como deputado federal. Em muitos momentos, falou-se de formular uma nova, algo que sempre me posicionei contra, pois isso significaria um movimento político e não jurídico. Sendo político, ela vai discutir o que o Estado será, criando instabilidade. Já a Constituição em vigor diz abertamente que o Estado é, garantindo assim uma segurança jurídica. Podemos, eventualmente, discutir o siste-ma de governo, sou adepto do semipresidencialismo, mas, obviamente isso precisa ser feito por intermédio de uma emenda constitucional.

Como avalia a importância da retomada do protagonismo do Brasil nas relações internacionais?

A multilateralidade é fundamental, algo que, aliás, é tradição de nossa diplomacia. Hoje, as relações entre os estados não são apenas de natureza política, são pautas por afinidades comerciais e eu demonstro objetivamente como essa universalização é importante. Nosso maior parceiro comercial é a China, o segundo os EUA, o que já revela a necessidade da universalização. Os países árabes compram cerca de metade da nossa carne de frango, temos por outro lado os convênios tecnológicos especialíssimos com Israel. E o Brasil sempre teve a tradição de recuperar essa universalização.

Ainda no aspecto protagonismo, qual sua percepção sobre Portugal como porta de entrada de empresas brasileiras no mercado europeu?

Portugal é nossa pátria mãe e o idioma também facilita muito o relacionamento. Temos milhares de brasileiros morando no país europeu e, no passado, a imigração portuguesa para o Brasil foi acentuada e ajudou a construir nosso país. Quando se fala das relações bilaterais entre as duas nações, já imaginamos algo muito sólido e fértil, essa boa vontade se acentuou por meio do presidente Marcelo Rebelo de Souza. Acho que se Brasil tornar Portugal uma porta de entrada para a Europa será muito útil. Seguramente, acredito que por estes aspectos, o LIDE tenha escolhido o país para iniciar sua agenda de eventos internacionais neste ano. Vale lembrar que o melhor tratamento da questão ambiental, principalmente da floresta amazônica, é mais outro atrativo e cartão de visita nesta nova fase.

Qual a principal característica da diplomacia portuguesa, o que podemos aprender com sua tradição e habilidades?

Sempre percebi que os portugueses eram muito cerimoniosos e formalistas e, no plano diplomático, levam essa formalidade às últimas consequências. Nos vários contatos que tive com embaixadores de Portugal no Brasil, todos se tornaram até muito próximos e verdadeiros amigos. Eles são competentes e têm consciência de que a relação entre os dois países é muito importante para ambos. As diplomacias se integram perfeitamente. Destaco que Portugal foi o primeiro país, antes do Brasil, a comemorar os nossos 200 anos de independência.

Ainda no aspecto protagonismo, qual sua percepção sobre Portugal como porta de entrada de empresas brasileiras no mercado europeu?

Portugal é nossa pátria mãe e o idioma também facilita muito o relacionamento. Temos milhares de brasileiros morando no país europeu e, no passado, a imigração portuguesa para o Brasil foi acentuada e ajudou a construir nosso país. Quando se fala das relações bilaterais entre as duas nações, já imaginamos algo muito sólido e fértil, essa boa vontade se acentuou por meio do presidente Marcelo Rebelo de Souza. Acho que se Brasil tornar Portugal uma porta de entrada para a Europa será muito útil. Seguramente, acredito que por estes aspectos, o LIDE tenha escolhido o país para iniciar sua agenda de eventos internacionais neste ano. Vale lembrar que o melhor tratamento da questão ambiental, principalmente da floresta amazônica, é mais outro atrativo e cartão de visita nesta nova fase.

Michel TemerÀ Revista LIDE, o 37º presidente da República do Brasil falou sobre temas como políticas sociais e fiscais. (Foto: Agência Brasil)

Como o senhor encara o tema teto de gastos, algo desacreditado neste governo, segundo economistas?

O teto de gastos foi a primeira medida que eu tomei em meu governo. Tanto eu e Henrique Meirelles, ministro da Fazenda na época, nos unimos e definimos que seria preciso promover o fim da gastança. Isso ajudou muito a economia, impactando na própria queda da inflação e dos juros. Ressalto que embora ela tenha uma natureza fiscal, a iniciativa tem também objetivo social, pois há um parágrafo na emenda que aborda o seguinte ponto: se houver comoção interna ou calamidade pública, como ocorreu na pandemia por exemplo, fica aberta a possibilidade do uso de créditos extraordinários. Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, indicou o texto em uma de suas decisões. Entretanto, assim bem como toda norma, de tempos em tempos, ela precisa de adaptações, e eliminar o teto de gastos, em outras palavras, gastar à vontade, não é o caminho.

De que maneira é possível fazer a reforma tributária acontecer, agora que temos um Congresso ainda mais dividido?

Avalio que mediante o diálogo é possível fazer se convencer. É preciso estabelecer um projeto, já existem dois, lembro-me que um tramita na Câmara e outro no Senado. No entanto, talvez formatar uma proposta que possa unir as duas visões e outras tantas. Durante meu governo, realizamos a reforma trabalhista, implantamos o teto de gastos, a reforma do ensino médio e a reforma da previdência foi feita praticamente em nossa gestão, remanescendo apenas a reforma tributária e administrativa. Acredito que já existe clima para aprová-la, mas é necessário um bom diálogo institucional entre o Executivo e o Legislativo, além de atender as necessidades dos estados, dos municípios e, claro, do próprio contribuinte.


Liste-nos as prioridades para o desenvolvimento do país nos próximos dois anos.

Além da reforma tributária, é preciso elevar o nível econômico do país e, no particular, também combater a miséria, mas não apenas no aspecto assistencial. Precisamos integrar as pessoas e comunidades no sistema econômico brasileiro. Ninguém deseja que em 10 anos estejamos falando ainda de Bolsa Família, o ideal é promover ações para que todos passem para a classe média. Entre outros temas fundamentais, o combate à violência é um ponto importante e pouco abordado. No meu governo, por exemplo, criei o ministério da Segurança Pública, não só para combater a criminalidade, mas para reunificar essa luta que cabe aos estados brasileiros. Tínhamos reuniões quase quinzenais com secretários de todo o país, isso deu muito resultado.

O que o senhor gostaria de ter feito ao longo da sua gestão, mas que no entanto não foi possível?

Não tive muito tempo, foram apenas dois anos de governo, mas me satisfiz com as reformas que foram feitas. Houve queda da inflação, redução dos juros, multilateralidade que estabelecemos no nosso governo, a pacificação do nosso país, isso já me foi suficiente. Evidentemente, se eu tivesse mais tempo, teria aprovado um projeto de simplificação tributária, de desburocratização, mas foram tantos movimentos entre os impeditivos que me contiveram de seguir adiante em alguns projetos ambicionados.