Luiza Helena Trajano: varejo físico não acabará, mas, já há algum tempo, está em transformação

Uma das líderes mais influentes do Brasil mostra que investir em capacitação é o principal caminho para inovar.

colunas_Luiza-Trajano_23dez2020_DivulgacaoLuiza Helena Trajano: varejo físico não acabará. (Foto: Divulgação)

Ela move montanhas. Quando se fala de Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, do Grupo Mulheres do Brasil e idealizadora do movimento Unidos pela Vacina, sua nítida vontade de ver o país crescer e de manter sua empresa como um modelo de sucesso, revela apenas algumas das muitas características desta empresária e, principalmente, cidadã empreendedora.

Luiza transformou o que era um negócio familiar em uma das principais redes varejistas do Brasil, revolucionou o mercado com um olhar humanitário e atitude disruptiva. Premissa para qualquer corporação atualmente, a transformação digital foi percebida por ela há muitas décadas, quando aderiu ao sistema de computadores nas lojas, em 1981, abriu o seu primeiro Centro de Distribuição completamente automatizado, em 1986, e criou a primeira loja virtual do Brasil, em 1999.

Com a abertura simultânea de 23 lojas em um único dia, a chegada do Magazine Luíza ao Rio de Janeiro, em julho deste ano, é outro feito recente que merece destaque. Por meio de uma estratégia robusta de marketing que coloriu o Cristo Redentor e espalhou bikes customizadas pela orla carioca, a companhia deverá totalizar 50 lojas no estado até o final do ano, gerando cerca de 3 mil empregos diretos.

Liquidações que marcaram a história, linhas de crédito, pioneirismo no marketplace, primeira assistente virtual 3D, além de inúmeras aquisições estratégicas são algumas das realizações sob o comando de Luiza Trajano na presidência do Magalu, hoje comandado por Frederico Trajano, que mantém seu legado.

O caminho do sucesso? Capacitação para evoluir e a manutenção de um ambiente corporativo que está entre as melhores empresas para se trabalhar no país. Nesta entrevista exclusiva, a executiva fala dos principais aspectos da cultura da companhia, tecnologia, relacionamento com os clientes e o poder da liderança eficiente.

Revista LIDE: Qual o verdadeiro significado da transformação digital nesse momento?

LUIZA HELENA TRAJANO: Sempre digo que o digital não é uma ferramenta ou um App, e sim uma maneira de pensar. Mas não adianta algumas pessoas da empresa terem essa visão. É preciso que o grupo todo esteja alinhado com esse modo ágil e fácil de tomar decisões, em sintonia com o digital. Também é necessário treinamento e alinhamento constante.

Como a capacitação contribui para essa mudança de mindset e como o Magalu aposta nisso para sair à frente no mercado varejista?

A capacitação deve ser constante, é um processo de aprendizagem que não termina nunca. No Magazine Luiza, fazemos isso desde a década de 1990. Estamos aperfeiçoando esse mindset digital junto a toda a equipe. Temos até uma frase que usamos muito, que é “o que nunca muda é que estamos sempre mudando”.

Qual a importância da inovação neste gigantesco mercado on-line?

Temos esta preocupação de acompanhar o digital desde a década de 1990, antes mesmo de existir a internet, quando criamos as Lojas Eletrônicas Luiza, pontos físicos sem produtos, mas com atendimento humano, instaladas em pequenas cidades. Estamos sempre acompanhando as tecnologias que surgiram posteriormente, mas com total preocupação de humanização em todas as ações. Foi assim também com nossa assistente virtual, mais humanizada possível. Fomos pioneiros com a Lu, que já passou por diversas transformações, e hoje é a maior influenciadora digital virtual do Brasil.

A tecnologia tem ajudado na análise de dados para gerar insights e compreender melhor o consumidor?

Faz muito tempo que nós, do Magazine Luiza, pegamos nossos dados e passamos a trabalhar com eles para entender o que os nossos clientes desejam e como atender aos seus desejos. Com o aperfeiçoamento da tecnologia, a análise de dados passou a ser ainda mais vital para o varejo poder personalizar a experiência de seus clientes. Acredito que muitos varejistas, desde os grandes até os pequenos, já estão utilizando as análises para ter boas ideias.

Com um cliente multicanal, qual o futuro do varejo físico?

O varejo físico não acabará, mas, já há algum tempo, está em transformação. O Magazine Luiza continuou abrindo dezenas de lojas físicas durante a pandemia, e onde temos lojas físicas a nossa venda virtual cresce. Também é importante observar que plataformas de varejo virtual que nunca tiveram lojas convencionais começaram a abrir lojas.

Além de formação, conhecimento do negócio e capacidade de gestão, quais as habilidades de um líder focado na criação constante de novas equipes e projetos?

Mais uma vez temos que regressar lá na década de 1990, quando assumi a superintendência do Magazine Luiza para entender um movimento que fizemos à época, que era absolutamente incomum. Tínhamos um escritório todo dividido em salas, cada um trabalhando isoladamente. Em um final de semana derrubamos as paredes e fizemos todos trabalharem em um só ambiente. Mais do que isso, foi implantada uma cultura de trabalho colaborativo, com o fim dos memorandos e o fortalecimento dos laços para as pessoas encontrarem soluções olho no olho. Com isso, fomos treinando os líderes a conduzir suas equipes de uma forma que todos pudessem praticar a criatividade e a inovação. Ao longo de todas essas décadas temos sentido que o efeito foi extremamente positivo. Um dos motivos que nos levaram a criar esse ambiente é que sempre acreditamos que não adianta colocar um grupo numa sala e falar para que tenha ideias. Elas nascem da conversa e da colaboração diária, da soma de QIs de toda a equipe e da diversidade.

Em momentos de crise, a criatividade e a inovação são as palavras-chaves para criar as melhores soluções?

Criatividade e inovação são necessidades de qualquer empresa. Uma equipe precisa ser incentivada a se desenvolver constantemente. Esses atributos não acontecem colocando-se as pessoas em uma sala e pedindo que elas tenham ideias criativas e inovadoras; eles surgem da prática constante da liderança de integrar e incentivar as equipes a participarem, colaborarem, e não bloqueando ninguém, por menor que seja o cargo, a contribuir com suas observações.

Você acha que o mercado está maduro na busca por promover a diversidade, o respeito e a equidade de gênero?

Costumo dizer que se as empresas não passarem a trabalhar seriamente diversidade e equidade como causas, que o façam por inteligência, pois cada vez mais o consumidor está exigindo empresas defensoras de valores. As práticas de ESG deverão fazer parte do dia a dia de todas as empresas, de qualquer segmento, em curto tempo. O Magazine Luiza sempre teve uma grande preocupação com sua própria cultura, ligada ao lado humano em todos os seus aspectos, não apenas em estratégias de comunicação, mas como valores presentes em todas as pessoas. O marketing de uma empresa socialmente preocupada não faz sentido se for apenas marketing, e os consumidores sabem claramente detectar isso.

Como foi engajar a iniciativa privada por meio do grupo Unidos Pela Vacina em prol da sociedade e da retomada da economia?

Minha filha costuma dizer que não devem vir com uma ideia para me contar que, na hora, já coloco a pessoa que trouxe e outras que estejam por perto para trabalhar. Estávamos discutindo no Grupo Mulheres do Brasil uma forma de auxiliar na vacinação, e percebi que era necessário ampliar a discussão e a ação para a sociedade civil. Aí engajei o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) e, rapidamente, entidades, empresários e muita gente preocupada e querendo colaborar com o Brasil foram se engajando e tornando um movimento que uniu todos, justamente pela causa extremamente necessária. Estamos conseguindo contribuir para que as prefeituras, responsáveis pela aplicação da vacina, tenham estrutura para atender rapidamente e com eficiência sua população assim que chega a vacina. Fizemos uma pesquisa com todos os municípios do Brasil procurando mapear suas necessidades, e apenas uma prefeitura não respondeu. Com essa informação passamos a procurar entidades, empresas e até pessoas físicas para apadrinhar, sozinhas ou em conjunto, as diversas necessidades, que iam desde a falta crachás ou computadores até freezers. Esse banco de dados nos deu a visão completa do que precisávamos fazer, e estamos conectando os doadores que fazem tudo diretamente com os municípios, sem passar dinheiro pelo movimento. Vamos deixar um legado imenso em todas as cidades.