Guilherme Paulus: O que ainda falta para o Brasil é a tecnologia para personalização da experiência

Após vender o Grupo GJP, fundador da CVC avalia como política, tendências de consumo e meio ambiente terão papel de destaque na retomada do setor de turismo.

GUILHERME-PAULUS-CVC-Grupo-GJPGuilherme Paulus é também fundador da CVC. (Foto: Emerson Souza)

Lembrado por seu espírito inovador, Guilherme Paulus tem 50 anos de atuação nas mais diferentes áreas do segmento turístico, sendo o principal empresário do setor de hospitalidade no Brasil. Fundador da CVC Corp, uma das maiores operadoras de viagens no mundo, com mais de 1400 lojas no país e vendida pelo executivo em 2010, Paulus anunciou no começo de setembro a venda da GJP Hotels & Resorts, rede hoteleira formada pelas bandeiras Wish, Prodigy, Linx e Marupiara e composta por nove hotéis próprios e mais de 3000 apartamentos, além de modernos centros de eventos, infraestrutura de negócios e lazer.

Sem revelar valores, o negócio foi fechado com um veículo de Private Equity, gerido pela R Capital, empresa que atua no mercado de capitais, especialmente nos setores imobiliário e de crédito. Vale lembrar que em 2011, o executivo também havia vendido a aérea Webjet para a Gol. Pertecentes e administrados diretamente por Paulus, o Castelo Saint Andrews, localizado em Gramado, no Rio Grande do Sul, único exclusive house do Brasil, além dos condomínios de alto padrão em Foz de Iguaçu, no Paraná, Village Iguassu Golf Residence e o Iguassu Falls Golf Club, não fizeram parte da transação.

O executivo também é membro do Conselho Nacional do Turismo, faz parte do Conselho Consultivo do São Paulo Convention & Visitors Bureau, é vice-presidente de relações institucionais da ABAV Nacional (Associação Brasileira das Agências de Viagens) e presidente do Conselho Deliberativo do Visit Iguassu. Com tamanha bagagem, nesta entrevista, Paulus identifica os principais temas que tendem a influenciar diretamente o marcado de hospitalidade no Brasil nos próximos anos. O empresário destaca também o ótimo nível dos serviços prestados pela hotelaria nacional e que este pode ser um momento especial para o setor e seus profissionais.

Revista LIDE: Quais os principais gargalos que os empresários do setor devem encontrar no pós-pandemia e na retomada do turismo no Brasil?

GUILHERME PAULUS: Eu sou muito otimista sobre esse assunto desde o início da pandemia. O Brasil já passou por fortes crises econômicas que abalaram muitas empresas de turismo, assim como fenômenos naturais ao redor do mundo, chuvas, furações e tempestades que já destruíram destinos inteiros. Mas a capacidade do nosso setor em se reerguer é inigualável. A pandemia trouxe caos a muitos segmentos da economia, especialmente ao nosso, que depende exclusivamente de gente, de movimentação nos nossos hotéis e restaurantes. Eu não creio em gargalos. Pelo contrário, essa é a hora e a vez do turismo nacional. Por conta da limitação de fronteiras – muitas delas ainda fechadas para brasileiros – temos um novo perfil consumidor do turismo interno.

O mercado náutico e o “turismo de isolamento” cresceram ao longo da pandemia, essa tendência de “experiências mais isoladas” pode afetar as operações dos grandes hotéis e resorts?

As viagens mais exclusivas ganharam muito espaço nos últimos dois anos, especialmente para destinos próximos, estados vizinhos e distâncias de até 400 km de casa, mas não afetam a ocupação de hotéis e resorts, que seguem em alta, ou seja, temos público para todos os nichos. O mercado paulista viu um boom de hospedagem em cidades do interior, ampliando em mais de 200% a ocupação do mercado de locação de casas e ocupação de hotéis mais isolados durante toda a pandemia. O conceito de “turismo de isolamento” é outro grande negócio que despontou e que atinge um público específico. Criamos a Mountain House, em Gramado, no Rio Grande do Sul – no mesmo complexo do Castelo Saint Andrews, inspirado nos castelos escoceses. A Mountain House é uma casa completa que você pode locar para toda a família, com capacidade para até sete pessoas, serviço de concierges, segurança privativo e motorista bilingue. São serviços de um hotel upscale, mas no conforto de uma casa completa, ou seja, um conceito mais comum nos Estados Unidos, mas que estamos introduzindo no mercado nacional com grande sucesso.

Qual deve ser o papel do governo e da iniciativa privada na promoção do Brasil como destino internacional?

A Nova Embratur - Lei n° 14.002/20 - transformou o Instituto Brasileiro do Turismo em Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, um grande passo para que esse órgão tão importante tenha mais autonomia, agilidade e até mesmo mais recursos para investimentos na divulgação da “Marca Brasil” durante todo o mundo. Mas isso ocorreu às vésperas de um cenário mundial devastado pelos impactos da pandemia da Covid-19 em todo o mundo, o que transformou planos e, principalmente, travou fronteiras ao redor do planeta. Isso impediu qualquer tipo de ação de divulgação nesse sentido, obviamente por respeito ao número excessivo de mortes e todas as suas consequências, que culminou com o cancelamento de feiras, congressos e reuniões estratégicas que pudessem tratar desse tema num momento tão delicado. Com a curva de vacinação em curva ascendente, o setor volta aos poucos a reaquecer e planejar campanhas publicitárias para mercados internacionais prioritários e participação em pelo menos cinco feiras internacionais este ano.

Quais são as suas principais pautas no Congresso Nacional que podem ajudar o setor nos próximos anos?

Em relação a esse assunto, antes de qualquer coisa precisamos definitivamente não trocar nossos ministros em tão curto espaço de tempo no Ministério do Turismo. Foram praticamente 22 ministros nos últimos três governos. É impossível concluir qualquer tipo de trabalho em tão pouco tempo de gestão de cada líder. Esse tipo de trabalho deve ser conduzido por algum líder do trade turístico brasileiro, aproveitando os excelentes técnicos que temos na pasta, mas trazendo gente do mercado para tocar os itens essenciais ao MTur. Precisamos voltar a pautar a Lei Geral do Turismo, que está completamente parada, e é tão importante para o nosso setor. Também precisamos voltar com as câmaras temáticas e dar sequência às demandas do turismo como políticas de estado e não de governo, ou seja, diretrizes baseadas em estudos que possibilitem o avanço do turismo no Brasil, sem o envolvimento político-partidário.

Como avalia hoje o nível dos serviços prestados pelo setor de hotelaria no Brasil em comparação a outros países?

Sem sombra de dúvida não devemos em nada em termos de serviço para americanos, europeus, asiáticos. Temos mão de obra qualificada e excelentes produtos para todas as idades e diferentes orçamentos. Recebemos recentemente um casal de ingleses no Castelo Saint Andrews, que ficou encantado com o potencial do Brasil, com os detalhes do serviço, com a simpatia e cordialidade do brasileiro, a variedade e qualidade dos produtos servidos, ou seja, não perdemos em nada nesse quesito. Também posso afirmar com propriedade, pelas inúmeras viagens que fiz em busca de novidades para a hotelaria pelo mundo, que temos sim a capacidade de nos tornarmos referência no setor, especialmente nesse momento de valorização do turismo doméstico. O que ainda falta para o Brasil é a questão tecnológica para personalização da experiência e cada vez menos contato físico, filas ou aglomeração em check-in, check-out. Hoje a migração para o digital é 100% obrigatória. Não tem mais volta, tudo integrado e personificado para grandes histórias de férias e o melhor: sem estresse do início ao fim da viagem.

Qual exemplo de projeto turístico estrangeiro como a revitalização de cidades ou o desenvolvimento de programas podem servir de exemplo para o Brasil?

Sem dúvidas o mercado português. O país se reinventou turisticamente em relação à infraestrutura, publicidade, novos equipamentos turísticos, manutenção de seus principais ativos como museus e parques. Isso principalmente pelo órgão de turístico extremamente atuante, o Turismo de Portugal/Visit Portugal, que prepara agendas anuais que movimentam toda a cadeia produtiva do turismo. O país tem um trade turístico também muito atuante e oferece segurança aos viajantes e transporte de qualidade que permite fácil acesso às principais áreas turísticas de Portugal, seja de carro, avião, metro, ônibus, barco, ou seja, une e conecta os modais de forma efetiva. Grande prova desse sucesso também é a ampliação da quantidade de bares, restaurantes, hotéis em todo o país, caracterizada pela qualidade das instalações e pela diversidade de produtos.

Ultimamente temos assistido a um intenso debate relativo à sustentabilidade da atividade turística no país. Como o setor lida com o tema ESG?

O tema ESG vem ganhando destaque global e localmente, mas no Brasil, em especial no turismo, é muito recente. A pandemia trouxe luz à importância e necessidade de empresários e o setor olharem a sustentabilidade do negócio como um todo. Outro ponto fundamental é trabalhar esta questão de forma interligada em todo o ecossistema do setor: o turismo é uma cadeia que envolve a atuação de vários agentes de transformação – seja uma operadora de viagens, os meios de hospedagens, as empresas de transporte aéreo, terrestre e marítimo, por exemplo. Não se faz sustentabilidade sozinho no turismo. Este ano vimos o grupo CVC Corp, companhia fundada por mim, anunciar sua primeira política de sustentabilidade, cuja premissa traz o compromisso da gestão interna para a sustentabilidade para compartilhar e engajar, num futuro breve, toda a cadeia produtiva do setor a fazer o mesmo. É uma iniciativa fantástica, ou seja, a sustentabilidade passa a ser hoje uma das sete prioridades estratégicas deste que é o maior grupo de viagens da América Latina, que vem trabalhando suas transformações internas, de gestão, também conectadas por um novo propósito.