Renê Garcia: "Boa parte da recuperação da receita é efeito da inflação"

O secretário da Fazenda do Paraná espera que a arrecadação no estado continue em crescimento, diante as incertezas econômicas com crises como a energética

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O secretário da Fazenda do Paraná, Renê Garcia. (Foto: Divulgação)

O aumento da arrecadação de ICMS observado este ano tem aliviado a situação fiscal dos estados brasileiros, e no Paraná a história não é diferente. No agregado, a alta da arrecadação levou o estado a chegar em agosto com cerca de um décimo da necessidade de financiamento indicada no Orçamento de 2021 – caindo de uma previsão de déficit de R$ 4,8 bilhões para R$ 459 milhões.  “Esse movimento foi surpreendente não só pelo nível, como pela velocidade em que se deu”, diz Renê Garcia, secretário da Fazenda do Paraná.

Em conversa com o Blog da Conjuntura Econômica, Garcia destaca, entretanto, que essa dinâmica tende a não se sustentar, já que se deve em grande parte à alta da inflação, que aumenta a base de cálculo de impostos. De janeiro a agosto, somente a receita corrente paranaense auferida de impostos e taxas registrou aumento nominal de 18% em relação a 2020; já o crescimento real foi de 8%. Além da inflação, outro elemento conjuntural que influenciou a arrecadação foi a base de comparação no segundo bimestre, que no ano passado foi fortemente afetada pelas medidas de distanciamento adotadas na época. “Apesar de o efeito preço e quantidade estarem ocorrendo, ainda não é possível identificar se nesse crescimento há algo sustentável”, afirma.

Para conseguir zerar o déficit de quase meio bilhão de reais previsto para este ano, o estado precisa arrecadar R$ 3,06 bilhões, já que 85% da receita são vinculados, restando 15% para financiar programas de governo. Garcia espera que no último quadrimestre do ano a arrecadação continue crescendo, “em torno de R$ 700 a R$ 800 milhões por mês, muito provavelmente sem ganhos reais”. Para 2022, entretanto, a expectativa de Garcia é de uma reversão desse quadro expansivo.

Primeiramente, pela própria expectativa para a atividade, que poderá ficar abaixo da média brasileira. “Em geral, a aderência do PIB paranaense ao brasileiro é alta – este ano, nossa estimativa é de expansão entre 4,9% e 5,3%. Mas o estado é fortemente dependente das exportações do agronegócio. Caso a desaceleração do crescimento da China implique redução na demanda por commodities agrícolas e o agronegócio não caminhar bem, a taxa de crescimento do PIB do estado pode sofrer um revés”, diz.

No segundo trimestre deste ano, o efeito da estiagem na produção agrícola paranaense – que representa cerca de 35% do PIB estadual, se somados os transbordamentos do setor para segmentos como o de máquinas e equipamentos –, já se refletiu na atividade econômica do estado, que reduziu seu ritmo. Para o que também ajudou os problemas de suprimento para a indústria automobilística que opera no estado, Volkswagen e Renault. 

Garcia também lembra que, no caso do Paraná, a arrecadação proporcional ao PIB é inferior à de outros estados do Sul e Sudeste pelo fato de que a atividade exportadora, e a de Itaipu, tributarem no destino. “Minha preocupação básica, entretanto, está nas demais atividades de energia elétrica, combustível e comunicações. Esses três setores são responsáveis por 60% da arrecadação do Paraná, e é o que monitoramos de perto, para não ter tipo de surpresa.”

A taxa de desemprego do Paraná corre abaixo da média brasileira, fechando o primeiro semestre do ano em 9,1%. Mas também permanece acima do nível pré-pandemia: em dezembro de 2019, era de 7,9%. “Além disso, a recomposição observada vem com salários mais baixos” diz o secretário. Para mitigar os efeitos ainda presentes da pandemia, o governo criou em junho o Auxilio Emergencial Paraná, que distribui R$ 1 mil em quatro parcelas a microempresas com inscrição estadual e R$ 500 em duas parcelas para microempresas sem inscrição estadual e MEIs.

Para enfrentar o aumento da pobreza no estado, o governo também espera a aprovação na Assembleia Legislativa de um programa permanente de transferência de renda, que poderá distribuir R$ 80 mensais para pessoas com renda mensal de até R$ 178, para compra de itens de alimentação em estabelecimentos cadastrados. A ideia é atender prioritariamente pessoas não beneficiadas pelo Bolsa Família.  “Se aprovado, a ideia é que tenha início em novembro (quando termina o auxílio emergencial federal). O programa será financiado pelo Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop), reforçado este ano com recursos do ICMS, e pretende atender cerca de 700 mil pessoas”, descreve.

Garcia atualmente se recupera da Covid-19, que há três meses o tinha hospitalizado. “Entortar é rápido; desentortar leva mais tempo”, diz, com humor, referindo-se a dificuldades de respiração que ainda surgem em atividades rotineiras. Nada, entretanto, que o tire do foco em sua agenda, da qual destaca o plano de modernização das atividades da própria secretaria, chamado Profisco 2. Elaborado com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de R$ 50 milhões, com contrapartida de R$ 5 milhões do estado, o plano envolve 41 projetos. As áreas ação vão do monitoramento da concessão de benefícios fiscais à gestão de recuperação de créditos, controle da dívida pública e planejamento orçamentário.

“Prevemos a adoção de um guia de recolhimento estadual único, um sistema de blockchain para precatórios e a criação de malhas fiscais dentro da receita para identificar situações potenciais de sonegação”, cita Garcia. “É um conjunto amplo, voltado a transformar a Secretaria em quatro, cinco anos”, diz Garcia. O prazo é estratégico, já que quase metade dos agentes fazendários do estado se aposentarão. “Teremos que investir muito em tecnologia para tornar as atividades mais eficientes, desenvolvendo esse grande sistema de informática que organize procedimentos e crie situações ótimas para gestão de processos e projetos”, descreve. O Profisco 2 se encontra em fase de diagnóstico e planejamento, com execução a partir de 2022 e prazo de conclusão estimado em quatro anos. “É um legado que o governo vai deixar, junto com o novo sistema de administração financeira que está sendo adquirido, o Siafi.”

Quanto ao panorama das políticas no âmbito federal, Garcia demonstra preocupação com o texto da reforma do Imposto de Renda, que pode gerar uma perda de recursos para estados e municípios da ordem de R$ 19,5 bilhões. “Sem conta que o aumento da linha de isenção do Imposto de Renda previsto tem impacto sobre a receita do estado, incluindo mais servidores”, diz. “A crítica ao texto parece unânime, por isso acho que dificilmente essa reforma irá avançar. Considero que a que mais tem potencial é a PEC 110, que reforma os impostos indiretos, coma possibilidade de criação de um IVA. Mas tudo leva a crer que também ficará para 2023.”

Outro ponto de atenção de Garcia é o futuro do teto de gastos. “Temos a situação complicada dos precatórios, e o mais complexo daqui adiante é que o bombardeio que essa regra sofrerá ocorrerá dentro do universo da incerteza de natureza política”, diz. “Um governo novo pode trazer expectativa, mas também dissabores. Regras podem ser comprometidas pela necessidade de se mostrar serviço de um governo que se instala.” Garcia considera, entretanto, que a revisão do teto será inevitável, ressaltando, entre outros, a necessidade de se recuperar o investimento público.

“Será preciso criar um mecanismo para que, de alguma forma, o investimento seja preservado. Caso contrário, haverá deterioração dos bens públicos, impactando a credibilidade do governo. Nesse sentido, acho possível que o debate caminhe na direção da proposta de Mauro Benevides Filho (deputado licenciado pelo PDT do Ceará, assessor econômico do pré-candidato Ciro Gomes à Presidência)”, cita. A defesa de Benevides é pela retirada dos investimentos do teto, criando um limite específico como proporção da receita.