Henrique Meirelles: Desafios e oportunidades para o Brasil
Henrique Meirelles analisa os desafios do governo eleito diante de aspectos geopolíticos e na conjuntura da economia global.
Henrique Meirelles foi ministro da Fazenda (2016-2018), presidente do Banco Central (2003-11) e presidente mundial do BankBoston. Atualmente, é membro do conselho da Binance e do conselho consultivo do LIDE. (Foto: Divulgação)
O Brasil enfrentará um 2023 desafiador. Haverá recessão nas maiores economias, inflação alta e uma guerra que afeta não só as relações geopolíticas, como o suprimento de combustíveis essenciais. Com inflação alta, uma política fiscal desarrumada e às voltas com as consequências dos artifícios usados para ampliar gastos, o país terá um ano difícil. O mundo estará em desaceleração, em um difícil processo de recolocar as coisas no lugar após a pandemia. Depois de injetar dinheiro para reanimar economias paradas, os governos lidam com os efeitos colaterais do superaquecimento, combinado com problemas nas cadeias de produção causados pela pandemia. Os Bancos Centrais estarão no meio do processo de elevação de juros para controlar a inflação, o que vai gerar recessão em algumas das maiores economias.
Uma recessão muito importante é, claro, nos Estados Unidos. A inflação está em 8,3% ao ano, depois de atingir o pico de 9,1%. Com atraso, após anos de juros a quase zero, o Fed começou em março a elevar a taxa básica. A Fed Funds, como é chamada, está na faixa entre 3% e 3,25% ao ano e o presidente do Fed, Jerome Powell, já avisou que irá até onde for necessário para trazer a inflação de volta à meta de 2% ao ano. As Fed Funds podem chegar
a mais de 4% anualmente. Desaquecer uma economia sem causar recessão forte não é tarefa trivial – ainda mais a americana, que recebeu uma injeção de US$ 1,3 trilhão do governo Joe Biden.
O Banco Central Europeu elevou a taxa de juros, o que não fazia há uma década. A Inglaterra vive às voltas com a maior inflação em 40 anos. A taxa está em 9,9% ao ano e o Banco da Inglaterra elevou os juros para patamares inéditos para os padrões locais. O pacote econômico do governo da ex-primeira-ministra Liz Truss foi recebido com ceticismo. A invasão da Ucrânia pela Rússia piora tudo isso ao elevar os preços do gás, essencial para o aquecimento no inverno no hemisfério norte, que aumenta a inflação.
Existem ainda dúvidas sobre a economia da China. O PIB chinês terá uma expansão menor este ano. A política de “covid zero” do governo, que promove lockdowns ao surgimento de casos, causa a parada de várias regiões produtivas. Há questões inquietantes sobre o mercado imobiliário, com o excessivo endividamento de grandes empresas de construção. Sem informações confiáveis, a situação chinesa será uma sombra.
O Brasil chegará desarrumado a este hostil cenário de desaceleração. Os analistas que respondem ao Relatório Focus, do Banco Central, esperam um crescimento de 0,5% em 2023. A inflação está em 8,7% ao ano, contida artificialmente por medidas eleitorais tomadas pelo governo. Há três anos o governo federal não age com responsabilidade fiscal, driblada por meio de artifícios diversos. O Banco Central tem atuado sozinho para trazer a inflação de volta à meta de 3% com a elevação da Selic, que está em 13,75% no índice anual.
Será fundamental ao Brasil em 2023 retomar a responsabilidade fiscal e adequar o orçamento à realidade. O governo terá de buscar, desde o primeiro dia, a recomposição da confiança perdida. Confiança será essencial para enfrentar a recessão geral e atrair investimentos para a retomada do crescimento. O teto de gastos é um caminho para isso. Sua eficiência é comprovada. Em 2016, quando assumi o Ministério da Fazenda, o Brasil estava em crise devido ao descontrole fiscal do governo anterior. Entre junho de 2015 e maio de 2016, a retração do PIB foi de 5,2%, maior que a de 2020, ano da pandemia (-3,9%). Após sua implantação, os indicadores de confiança reverteram a queda que vinha desde 2013, e iniciaram uma trajetória de recuperação. A economia cresceu 2,2 % de janeiro a dezembro de 2017.
Tempos difíceis, muitas vezes, viabilizam mudanças. Condições tão adversas podem consolidar o entendimento que é chegada a hora de enfrentar reformas essenciais, como a reforma administrativa e a tributária. A administrativa é vital para abrir espaço no orçamento para os imprescindíveis gastos sociais exigidos neste momento. A comprovação de sua eficácia está no estado de São Paulo. Uma bem-sucedida reforma administrativa foi fator fundamental para o estado iniciar 2022 com R$ 53 bilhões em caixa.
A reforma tributária terá de ser ampla, não a versão que só interessa ao governo federal e não ataca o essencial, a complexidade tributária. O governo terá de resgatar o substitutivo apresentado pelos estados, que pela primeira vez em 30 anos chegaram a um consenso. A reforma dos impostos que incidem sobre produtos e serviços acaba com um dos maiores problemas da economia brasileira, a complexidade tributária, que aumenta custos de produção e afasta investimentos.
O Brasil tem reservas de mais de US$ 300 bilhões, que permitem ao país enfrentar crises externas e, mais recentemente, internas. Elas dão ao país segurança para momentos como esse. Mas é preciso que o governo trabalhe para reconstruir a confiança no país.