ARTIGO: Relações governamentais para um melhor ambiente de negócios

O relacionamento do setor privado com o governo não é novo. A prática existe, com maior ou menor grau de formalidade e regulamentação, em todo o mundo.

O Brasil está evoluindo para um sistema político com mais transparência e maior grau de participação direta da sociedade. As recentes manifestações populares e o aumento da participação de políticos nas redes sociais confirmam essa tendência. Sob um aspecto mais formal, as empresas vêm buscando profissionais, dentro da sua equipe ou consultores externos, que possam se ajustar a essa nova circunstância.

O relacionamento do setor privado com o governo não é novo. A prática existe, com maior ou menor grau de formalidade e regulamentação, em todo o mundo. Por outro lado e mais recentemente, o novo contexto de uma realidade mais transparente e voltada para a sociedade pede maior e melhor participação dos atores do mercado nessa relação entre o público e o privado. Conceitos relativamente recentes como compliance, relações governamentais, advocacy e accountability se incorporaram ao cotidiano empresarial e devem ser bem compreendidos para serem implementados adequadamente pelas empresas e seus executivos.

Os benefícios trazidos pelo profissional de Relações Governamentais (RelGov) podem facilmente ser comparados àqueles gerados pelos executivos voltados diretamente para as áreas-fim do negócio. A partir de problemas e necessidades, ambos atuarão para criar soluções ou caminhos que possam transformar essa realidade em oportunidades de ampliação de mercado, desburocratização do negócio e consequente aumento da lucratividade da atividade principal da empresa.

O RelGov pode ainda ir além dos interesses da própria empresa, capitanear demandas comuns do setor, reunir e coordenar redes de indivíduos e organizações em prol de fomentar a atividade econômica do País.

A figura do RelGov surge como o interlocutor que irá aproximar o setor privado do governo, ajudando os atores de cada lado a compreender as diferentes realidades, os cenários, interesses e dinâmicas de trabalho de cada um. Em poucas palavras, o RelGov funciona como um intérprete, um tradutor aproximando dois mundos.

É nessa mesma linha que surge o advocacy, que consiste na elaboração estratégica da defesa de interesses através de uma estrutura global que considera os aspectos jurídicos, políticos, econômicos e sociais de um tema relevante para a sociedade. Nesse contexto, a análise e a interação com diversos stakeholders, tomadores de decisão, atores públicos e privados também são considerados.

A coordenação de ações e a definição de estratégias são feitas em conjunto com outras áreas do conhecimento. Daí a importância dos canais de comunicação e das ações coletivas com a sociedade civil na atuação dos profissionais, buscando a elaboração de uma estratégia única, efetiva e eficaz para a melhoria das políticas públicas.

É ainda fundamental na formulação de estratégias não se restringir a uma única arena decisória ou foco de poder, devendo o processo de criação de políticas públicas compreender toda a extensão do Executivo e Legislativo. Políticas Públicas comumente precisam de uma abordagem multisetorial, razão pela qual é preciso dialogar com Ministérios, Agências e Congresso a fim de acompanhar e aperfeiçoar os projetos propostos. Não só isso, como também mobilizar associações e empresas para a defesa sistemática dos interesses, oferecer estudos e posicionamentos para auxiliar na construção de regulamentações modernas que facilitarão negócios e derrubarão barreiras.

O RelGov deve ainda trabalhar a partir da compreensão de que o interesse público deve prevalecer sobre o privado (princípio da supremacia do interesse público sobre o privado). A consequência disso é que as demandas do setor privado devem considerar e preservar o interesse público, em grande parte e frequentemente materializado pela agenda de governo do Poder Executivo ou Legislativo. Ou seja, o bom profissional deve observar as prioridades governamentais e entender como o interesse por ele defendido se coordena com tais prioridades.

O próximo passo é, na comunicação com o tomador de decisão, demonstrar como a política pública defendida se conecta com os cidadãos representados pelos parlamentares ou tomadores de decisão que os constituíram (na expressão em inglês, seus “constituents) – aqueles que dão legitimidade ao mandato que exercem esses agentes públicos.

Tudo isso por meio de um relacionamento direto, ético e transparente com o governo.

Com esse propósito, organizações e entidades vêm sendo criadas com o objetivo de reunir profissionais de RelGov e criar espaços de discussão, onde se possam compartilhar experiências e traçar parâmetros de melhores práticas, com vistas a ampliar a transparência e compreensão da atividade.

É caso do Instituto de Relações Governamentais (iRelGov), primeiro think tank brasileiro voltado a ampliar o profissionalismo e a ética desses profissionais (Educação e Reputação. Funcionando desde 2015 e com diversas atividades realizadas, o Instituto criou musculatura e identifica que este é o momento de estabelecer um guia de melhores práticas da atividade de relações governamentais voltado aos seus associados, mas que também deverá servir de referência para o mercado. Construído a partir da experiência de seus associados e da compreensão da academia especializada, o guia tem um caráter sugestivo e oferece diretrizes éticas aos profissionais, estabelecendo os princípios que devem reger sua atuação (legitimidade, legalidade, transparência e boas práticas) e recomendando condutas de forma mais concreta. O guia deve ser divulgado pelo iRelGov no início do segundo semestre.

Sabendo como se comunicar com seus representantes, apresentar pleitos e defender seus interesses junto ao Poder Público, as pessoas e empresas terão maior chance de sucesso no alcance de seus objetivos.

Tudo isso contribui para um governo mais transparente e eficiente e para um melhor ambiente de negócios.

* Fernanda Burle é conselheira do Instituto de Relações Governamentais (IRelGov) e sócia do escritório MJ Alves e Burle Advogados.