Artigo: Cenário ainda é bastante desafiador nos fundamentos para Brasil se manter atrativo

Recorde operações de M&A em 2021. Perspectiva positiva para 2022. Mas cenário ainda é bastante desafiador nos fundamentos para Brasil se manter atrativo.

OAV_9456-2-scaledAlexandre Pierantoni, Managing Director e Head de Corporate Finance da Kroll. (Foto: Divulgação)

A atividade global de Fusões e Aquisições (M&A, na sigla em inglês) quebrou recorde histórico em 2021, superando com folga a marca anterior de quase 15 anos atrás.

O valor das operações, em termos globais, atinge em 2021, pela primeira vez, os US$ 5,6 trilhões. Houve crescimento de cerca de 65% nos volumes, de acordo com dados da Dealogic. O resultado é 27% maior do que o antigo recorde de US$ 4,4 trilhões, estabelecido em 2007, ano pré-crise financeira.

Os balanços patrimoniais corporativos estão saudáveis, há liquidez na economia global e, mesmo num contexto de inflação e um aumento das taxas de juros reais, as perspectivas globais são positivas. A disponibilidade de financiamento também impulsionou os negócios de aumentando o apetite e investimento de investidores corporativos e de private equity - com volumes mais do que o dobrando em relação ao ano passado, para um recorde de US$ 985,2 bilhões, de acordo com a Dealogic. O cenário em 2021 demonstrou combinação de liquidez e oportunidade de alavancagem – fato este que, dadas perspectivas de aumento de taxas de juros devem se reduzir um pouco. Houve também o momento das SPACS (Special Purpose Acquisition Companies), e ver-se-ão desdobramentos regulatórios e de resultados nos próximos anos.

Globalmente, empresas dos setores de tecnologia e saúde, que normalmente representam a maior parcela do mercado de M&A, puxaram a fila novamente em 2021, impulsionadas em parte pela demanda reprimida do ano passado, quando o ritmo de fusões e aquisições caiu para um mínimo de três anos devido às consequências financeiras globais da pandemia de Covid-19.

No Brasil, o contexto, mesmo que num cenário com maiores ruídos – principalmente internos, também foi positivo. Em 2021 o Brasil registrou recorde de operações de M&A, atingindo um patamar superior a 1.500 operações anunciadas e volume de aproximadamente R$ 600 bilhões. O mercado de capitais foi o mais ativo dos últimos anos e a B3 encerra o ano com 45 IPOs e 26 follow-ons. O mercado de ofertas neste ano movimentou R$ 126,9 bilhões, sendo R$ 65,2 bilhões em ofertas primárias e R$ 61,6 bilhões em operações secundárias - montante atrás apenas do recorde em 2010, em que os IPOs e follow-ons levantaram R$ 149,2 bilhões. Adicionalmente empresas Brasileiras foram bem sucedidas na abertura de capital no exterior - nominalmente no mercado americano. Importante deste movimento todo é o círculo virtuoso de reinvestimentos na economia. A maior parte das operações de capital tem drivers de  reinvestimento, fortalecimento das empresas e atividades de M&A.

Investidores financeiros, de Private Equity e Venture Capital, Corporate Venture Capital e Family offices, investiram mais de R$ 40 bilhões de reais no país e, mais importante, na economia produtiva e real – e tem disponível adicionais R$ 40 bilhões para investimentos, segundo a ABVCAP. Certamente serão protagonistas em 2022, quando o mercado de capitais estará mais seletivo e com operações mais ativas na primeira metade do ano.

De forma mais aberta que no mercado global, as atividades de M&A no Brasil tem um perfil muito mais multisetorial. Vimos atividades em todos os setores: varejista, de alimentos e bebidas, industrial, saúde, educação, agronegócio, TI, serviços, óleo e gás, e as techs (fintechs, agritechs, edutechs, logtechs, heatlhtechs, etc-techs.). Este comportamento é bastante positivo para a performance geral. O país teve grandes transações, ao mesmo tempo que diversas empresas também realizando mais de 4 ou 5 transações em um único mês. Destaque certamente ao setor de varejo, logística e saúde - e nas suas verticalizações com techs operations.

Mas uma análise mais completa e detalhista, deve levantar diversas questões e incompatibilidades que poderiam criar um cenário muito mais desenvolvimentista.

Investidores, empresários, empresas, executivos, nacionais e internacionais fazem sua parte, mas a visão macro para 2022 continua extremamente incerta. Adicionam-se fatores de como o país tratará novas ameaças sanitárias diretamente associadas a pandemia. Temos um descolamento das manchetes associadas ao meio campo produtivo, industrial e empresarial ao político e macroeconômico.

Toda está pujança de investimentos e interesse de investidores nacionais e estrangeiros (estes últimos estiveram presentes em cerca de 40% das transações anunciadas) está novamente embarcada em estruturas brasileiras conhecidas, frágeis e a um relativo alto custo. O risco Brasil voltou a patamares de incertezas do início da pandemia, fechando 2021 acima de 330 basis points - em janeiro de 2021 estava na faixa de 260 baisis points). A desvalorização cambial também refletiu este risco pais e a moeda experimentou uma desvalorização de 7,47% em 2021 – quinto ano seguido de desvalorização e posterior a uma desvalorização de 29,4% em 2020.

O ambiente é positivo, os fatos não. Os números não mentem. De fato, estamos em cenário tenso, incerto e com baixa assertividade. A B3, em seu principal índice, devolveu (retorno negativo) cerca de 12% em 2021 (em 2020 teve um marginal ganho de 2,9%). No mesmo ambiente de pressões inflacionárias mundiais, o índice Geral de Preços Médios – IGPM, encerra o ano acumulado em 17,8% e o índice oficial – INPC em 10%. A taxa de juros básica, que atingiu mínimo histórico em janeiro de 2021 de 2% a.a., teve de acompanhar a tendência global e local de expectativa inflacionária e foi objeto de aumento pelo Banco Central – BACEN para, justificadamente, encerrar 2021 em 9,25% ao ano – com previsão de atingir 11,25% em 2022 - podendo reduzir ao final do ano, num cenário pós eleições. Há de se conter uma memória e expectativa inflacionária no país. Continuam-se discussões sobre o déficit fiscal brasileiro.

O grande problema deste contexto é o país não se permitir participar e reproduzir uma perspectiva positiva de investimentos e recuperação mundial. O país não aproveita a recomposição de preços e demandas dos commodities por exemplo – o preço do barril de petróleo está hoje 30% superior ao patamar de antes da pandemia; os preços de commodities industriais também tiveram grande aumento e o país não aproveitou a sua posição exportador. Por ruídos internos e estruturais o pais continua não competitivo internacionalmente.

É dado, e precificado, que teremos um contexto político adverso, tumultuado e polarizado em 2022. Além disto, questões macroeconômicas relacionadas ao comportamento e posicionamento econômico do país estão na mesa. Como o país pragmaticamente atacará a inflação, o déficit fiscal, o desemprego e continuará atrativo e se posicionará na recuperação econômica mundial? O maior problema é saber que não sabemos. E esta insegurança perdurará, cansa investidores, e afeta investimentos.

O país tem utilizado uma arma poderosa nos últimos 3 anos. A carência do Brasil em infraestrutura, aliada à volatilidade política e econômica, acaba gerando grandes oportunidades de investimentos de longo prazo e este setor saiu da margem de investimentos e tomou papel de liderança. Segundo o Ministério de Infraestrutura foram realizados 79 processos de concessões e privatizações em 2021. Esta é definitivamente uma arma e fonte de recursos para o Brasil, mas não é eterna. Operações incentivadas e combinadas de instrumentos de equity e dívida estão sendo boa alternativa. Mas esta mobilização e atividade não resolve problemas macroeconômicos estruturais.

Não há necessidade de resolver tudo e ao mesmo tempo, mas de endereçar e reconhecer os problemas. É sabido que em 2022 a temática não será de discussão de reformas tributárias, administrativas ou trabalhistas. O país enfrentará ainda uma questão contínua do nível de desemprego (de fato, também tão importante será como se comportarão questões de evolução da renda e do endividamento dos indivíduos). A cautela começará a tomar mais espaço.

A economia começa a cansar. Não houve a tão anunciada abertura econômica. Alguns setores que sustentam historicamente, e recentemente, o desenvolvimento do pais, estão cansando. Para citar alguns, agronegócio, serviços começam a ter performances que não permitirão sozinhos pagar a conta – e o país começa enfrentar uma estagflação e projetar crescimento, se positivo, marginal para 2022. Soma-se a este cenário a questão a disrupção das cadeias produtivas e logísticas (e o Brasil se posicionamento ao final deste ciclo, sofrendo por mais tempo seus efeitos).

Muitos destes fatores, e incertezas, que impulsionaram as atividades de M&A em 2021 estarão presentes em 2022, mas globalmente, e no Brasil, acredita-se que as atividades de M&A permaneçam robustas. Políticas públicas globais, principalmente econômicas, poderão afetar este cenário. No Brasil, o cenário é certamente mais incerto e ruidoso. Uma recuperação de  PIB de cerca de 4,5% em 2021 e um marginal crescimento (ou contração) em 2022 não são notícias positivas. A recuperação econômica global, da qual o Brasil não deveria ficar fora, e como o mundo tratará variantes da Covid-19, por exemplo da Omicron, terão ainda papel central nas discussões. A barra de competividade está subindo e o Brasil precisa se posicionar.