Arcabouço fiscal e liberdade econômica: Uma relação tensa
Coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e professor do mestrado profissional em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Vladimir Fernandes Maciel, coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica. (Foto: Dago Nogueira/NTAI)
Recentemente, com muitas expectativas acerca do tema, o governo federal propôs um novo arcabouço fiscal em substituição à política de teto de gastos públicos. O arcabouço fiscal se refere ao conjunto de regras e instituições que regulam a arrecadação e os gastos do governo. Mas qual a relação dessas medidas com a liberdade econômica? A liberdade econômica é a capacidade dos agentes econômicos realizarem suas atividades (trabalhar, empreender, comercializar, consumir etc.) sem interferência indevida do Estado.
Esses temas são fundamentais para o desenvolvimento econômico do país, pois um arcabouço fiscal sólido e transparente contribui para a estabilidade macroeconômica, a confiança dos investidores e o controle da dívida pública. Além disso, a liberdade econômica estimula a inovação, a concorrência e a eficiência produtiva. A relação entre ambos se dá pelo tamanho do governo, que é determinado pelas despesas públicas e arrecadação tributária. Quanto maior o tamanho do governo, menor será a liberdade econômica.
O arcabouço fiscal proposto no terceiro mandato do governo Lula e pela atual equipe do Ministério da Fazenda liderada por Fernando Haddad tem como objetivo principal garantir a sustentabilidade das contas públicas e a estabilidade macroeconômica. Dentre as principais medidas, o governo brasileiro estabeleceu uma meta de resultado primário para suas contas públicas, que busca atingir um superávit nos próximos anos, ou seja, um valor maior de receitas em relação às despesas, antes do pagamento de juros da dívida.
Essa meta é expressa em percentual do Produto Interno Bruto (PIB) e existe um intervalo de cumprimento estabelecido. Caso as contas públicas estejam dentro da meta, o crescimento de gastos terá um limite de 70% do crescimento das receitas primárias. No entanto, se o resultado primário ficar abaixo da banda de tolerância, o limite para os gastos será reduzido para 50% do crescimento da receita. Há também uma banda de crescimento real da despesa primária, que varia de 0,6% a 2,5% ao ano. As despesas de educação e saúde, em particular, terão regras específicas, permitindo crescimento superior à inflação. Além disso, há um piso anual para investimentos públicos, que é baseado no previsto pelo Orçamento de 2023 e corrigido pela inflação ao longo do tempo.
A nova regra do intervalo de gastos funcionará como o novo teto de gastos, flexibilizando o limite anterior que previa correção apenas pela inflação. Além disso, o objetivo do controle da trajetória da dívida pública visa estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.
Uma análise das medidas sob a perspectiva da liberdade econômica implica considerar os incentivos gerados a longo prazo para a atividade do setor privado. Países com níveis elevados de liberdade econômica estão entre os mais desenvolvidos social e economicamente do mundo, como os países escandinavos e da Oceania, que são referência em qualidade de vida e bem-estar social.
Considerando o impacto do novo arcabouço fiscal na liberdade econômica, é importante analisar como as novas regras afetarão dimensões fundamentais, tais como o consumo do governo, transferências e subsídios, investimento público, alíquota máxima do imposto de renda e propriedade estatal de ativos. Essas dimensões são elementos que compõem o Índice de Liberdade Econômica dos Países (Economic Freedom of the World), elaborado pelo Fraser Institute do Canadá, e que podem ter efeitos maiores ou menores na liberdade econômica do país.
Pode-se afirmar que o novo arcabouço fiscal adota uma orientação contrária à redução do tamanho do governo na economia. O atual governo busca aumentar o espaço para despesas públicas, entendendo o Estado como motor do crescimento econômico. Essa perspectiva é evidenciada pelo estabelecimento de um piso para investimentos do setor público e pelo espaço concedido para o crescimento das despesas em função da arrecadação tributária. Tal abordagem implica em um aumento do consumo e do investimento por parte do governo.
Além disso, o equilíbrio das contas públicas e a redução do déficit primário serão alcançados não por meio da contenção ou redução das despesas, mas sim pelo aumento das receitas públicas, a princípio, através da revisão de subsídios e isenções fiscais. No entanto, a redução de subsídios é a única medida do novo arcabouço que pode contribuir para a diminuição do tamanho do governo. Infelizmente, devido à atuação de grupos de interesse, é improvável que se observe um efeito significativo nesse sentido.
Ainda existem muitas incertezas em relação à reforma tributária, que parece ser um elemento implícito crucial para garantir maior receita no novo arcabouço fiscal. Até o momento, não está claro se a reforma irá reduzir distorções e complexidades do sistema tributário de maneira a ser verdadeiramente neutra. É importante destacar que a redução da carga tributária não está sendo considerada como uma possibilidade no momento.
A estabilização da dívida pública dependerá de supostos superávits futuros, já que não há planos de privatizações para ajudar na redução da dívida. Na verdade, as privatizações foram revistas e paralisadas, o que significa que a propriedade estatal de ativos não será reduzida.
Embora seja importante para a estabilidade fiscal e macroeconômica do país, o novo arcabouço fiscal não contribui para aumentar a liberdade econômica, ao contrário, mantém ou amplia o tamanho do governo na economia. Seria desejável que, além de garantir previsibilidade e estabilidade entre receitas e despesas, o arcabouço fiscal também sinalizasse para o setor privado a contenção da atividade estatal, bem como a modernização e melhoria institucional do país. Infelizmente, isso não é o caso atualmente e não se espera que ocorra em um futuro próximo.