A conveniência do silêncio conivente

"PL das fake news": provável saída de empresas de tecnologia do país será apenas a ponta do iceberg.

Allan Augusto Gallo AntônioAllan Augusto Gallo Antônio, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, formado em Direito e Mestre em Economia. (Foto: Divulgação)

Nas últimas semanas, um debate acalorado tem surgido em torno da questão do Projeto de Lei 2630/2020, também denominado "PL das fake news". Nesse sentido, após a derrota do governo na aprovação da urgência para votação do PL, a Câmara dos Deputados deverá votar em breve o novo texto, com mais de 20 artigos novos que foram incluídos desde então, mas que sequer foram debatidos publicamente.

Não é exagero dizer que a aprovação desse PL trará problemas graves para a internet como a conhecemos. A provável saída de empresas de tecnologia do país será apenas a ponta do iceberg, que poderá ter como consequência natural, além do devastador efeito econômico, a instalação de um controle político daquilo que é veiculado nas redes sociais.

Os defensores da medida alegam que ela é necessária para acabar com o suposto "faroeste" digital, em que impera a desinformação, o discurso de ódio e todo tipo de ameaça à democracia. Esse raciocínio é míope desde a sua gênese.

É verdade que existem toneladas de informações falsas na internet e que a qualidade de outras tantas também não é das melhores. No entanto, essa é apenas uma externalidade negativa dentre tantos impactos positivos trazidos pelo ambiente de informação descentralizada e distribuída, que acelerou o processo de globalização, encurtou distâncias, derrubou inúmeras barreiras sociais e destruiu preconceitos que há muito estavam sedimentados em nossa sociedade.

Seguindo uma lógica de liberdade, o caminho para a correção dessas externalidades não seria a regulação, muito menos a de caráter político, mas sim a promoção de um ambiente ainda mais livre, com um acesso ainda mais amplo aos meios de comunicação, para que as informações falsas e de má qualidade possam ser naturalmente selecionadas e postas de lado pelo próprio público.

Nessa altura, os defensores desse tipo de regulamentação muito provavelmente dirão que a população não tem condições de tomar decisões dessa natureza sozinha. É nesse momento que o elitismo, a segregação social e o preconceito mostram a sua face mais medonha. Querem decidir por nós.

Toda a ideia que embasa a regulamentação é vendida como sendo democrática e alinhada com o interesse público. No entanto, os reguladores desconsideram que, por definição, democracia é um termo polissêmico, o que significa dizer que possui significados diferentes dependendo do contexto histórico, cultural e político em que é utilizado. Pior ainda é o cenário no qual o Judiciário arroga para si as prerrogativas de Poder Moderador.

O problema piora quando percebemos que o Brasil é um país mergulhado em profundas divisões políticas, ideológicas, religiosas e sociais. É muito fácil distinguir o que é verdade ou mentira quando a análise foca em questões objetivamente verificáveis -- nesse quadro, não há espaço para pontos de vista ou relativismo. No entanto, quando história, política e posições morais entram em jogo, o controle da narrativa permitida pode fazer toda a diferença na hora de definir o que é verdade ou mentira.

Apesar da evidente ameaça que esse tipo de proposta representa para a liberdade de todos os brasileiros, muitas pessoas e instituições têm preferido a conveniência de um silêncio conivente, pois sentem que suas liberdades não foram afetadas. Isso pode até ser verdade agora, mas até quando?