Lorival Luz, da BRF: carnes produzidas em laboratório são positivas nos aspectos sustentabilidade e agilidade de produção
O executivo comentou sobre as perspectivas para o futuro, inclusive, a respeito da parceria com a Aleph Farms, empresa que produz carne em laboratórios.
Lorival Luz, CEO Global da BRF. (Foto: Divulgação)
A BRF vê oportunidades em outros mercados de alimentos, além da produção de frango e processados, cujo segmentos estão consolidados. Ambicionando triplicar as operações, o CEO Global da companhia, Lorival Luz avalia como positivo o impacto das aquisições recentes no segmento de petfood, e projeta bons resultados a partir da parceria com uma empresa israelense de biofarm, com o objetivo de fabricar carnes em laboratórios, algo impensado até poucas décadas atrás. Confira a entrevista à Sonia Racy, no programa Show Business:
Quais são os projetos da BRF em tempos de pandemia para os próximos cinco anos?
Temos um projeto para os próximos 10 anos. O que fizemos no ano passado foi investir em um planejamento estratégico, alinhando os objetivos da companhia para a próxima década.
E como foi possível fazer planos no meio da pandemia?
Fácil não foi, Sonia. Ficamos nos perguntando: será que a gente para e deixa isso depois? Ou esquece esse receio, vai lá e faz? Estamos num setor de alimentação, então, temos que pensar nisso como um segmento que beneficia a população. A certeza é que as pessoas não vai parar de se alimentar, independentemente que estejamos em uma pandemia. O que tivemos que fazer, foi nos adaptarmos às mudanças que ocorreram no hábito de consumo observado durante este período.
No período da pandemia, houve aumento no consumo de frango por parte das famílias?
Nós observamos que houve um aumento significativo no volume de vendas, nos últimos meses sim. Pudemos observar a alta procura por nossos produtos como, por exemplo, na carne in natura e a de porco. O consumo per capta desses alimentos tem crescido ano após ano. A proteína suína, anteriormente, que estava na média de 15 kg, subiu para 17 kg o consumo por habitante. Ainda longe da proteína de frango, que está na casa dos 48 kg. E os alimentos processados também cresceram muito, no mercado brasileiro.
Como esse aumento de consumo afeta às operações da BRF?
Tudo começa com o local de consumo. Darei de exemplo, os restaurantes locais, que continuam comprando de nós a carne in natura, e que também compram de outros players. O dono ou dona desse estabelecimento prepara e serve essa proteína para seus clientes. Na pandemia, os comércios ficaram fechados por um tempo, e os clientes passaram a se alimentar em casa. Assim, em vez de vendermos uma peça grande, hoje, vendemos menos, o que exigiu mais praticidade. O que quero dizer é que quando você vai ao supermercado, a tendência é comprar uma peça de filet mignon suíno cortada adequadamente. O cliente gosta de ter facilidade, pois deseja abrir àquela embalagem ao chegar em casa, depois preparar o corte da forma ao seu gosto. Diante desse comportamento, investimos no conceito praticidade. O resultado foi o aumento de consumo dos nossos produtos. Aliás, neste período, o consumo do in natura subiu, dependendo do corte, até 5%. Já os processados, tiveram elevação entre 15 e 20%. Por causa da mudança de comportamento e estamos atentos a novos movimentos.
Lorival, e o que é possível acrescentar de positivo sobre o nível de consumo?
Tivemos aumento na demanda desde o mercado Nacional e o exterior. A China é o principal importador de proteínas do mundo, e possui produção própria que foi impactada em 50% devido à febre suína. O país asiático é um consumidor expressivo da proteína de porco, a mais consumida no planeta, inclusive.
Sendo a carne de porco a mais consumida no mundo, qual é a participação dela no mercado mundial?
São cerca de 116 de toneladas consumidas no mundo inteiro, segundo dados que tenho de 2018. Estendendo os índices, o Brasil inteiro produz cerca de 4,5 milhões, os Estados Unidos 12 milhões, e o chinês consome 50 milhões de toneladas. Com a febre suína, os chineses reduziram para 25 milhões de toneladas a produção. Mas ainda há uma diferença grande entre os níveis de consumo, inclusive comparando os dois países do ocidente com o asiático, que mesmo reduzindo teve reequilíbrio por buscar outras fontes de proteínas.
Como o mercado de venda de aves se comportou no período da pandemia?
Houve um crescimento em relação ao primeiro semestre do ano passado, quando o consumo estava 45 kg por habitante, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), esse índice está em 49 kg por brasileiro. Isso acontece até por uma questão de oportunidade, porque a carne bovina, por exemplo, subiu muito no país, nos últimos tempos. Na hora em que o preço dela aumenta, a população tende a buscar outras proteínas com preços mais acessíveis. A relação do custo médio de uma carne de frango pode chegar 10 vezes menos que a proteína do boi. Exemplificando, o consumidor pode comprar cerca de 10 kg de frango em vez de 1 kg de proteína vermelha. Por isso que vimos aumento na procura também dos cortes suínos no mercado.
Quais são os projetos de investimento para os próximos 10 anos?
Dentro desse projeto, nos números macros, nosso objetivo é triplicar o tamanho da companhia. Saindo de um faturamento de R$ 40 para R$ 100 bilhões em faturamento, além de investir R$ 50 bi para atender a esse intuito que temos. E isso inclui a diversificação nos negócios, como é o caso do mercado de pet foods, onde já estamos inseridos, alinhando nosso conceito de praticidade e oferta de qualidade existente. Demos largada nisso, agora em 2021. Recentemente fizemos duas aquisições importantes, uma delas é a Hercosul, empresa sediada no Rio Grande do Sul, que detém as marcas Biofresh Three Dogs, marcas premium e super premium bastante relevantes no mercado. Ainda adquirimos a Mogiana, de São Paulo, que possui a Guabi. Ambas as operações, unidas com a Balance, estimamos que tenhamos 10% do mercado brasileiro de petfood.
Quanto cresceu o mercado de petfood no país?
Primeiro acompanhamos o número de pets no Brasil, que hoje, são 85 milhões, uma população que tem crescido de forma relevante. O país é o segundo maior mercado de petfoods do mundo, perdendo só para os Estados Unidos. Essa elevação, que ocorre anualmente, é justificada pelas mudanças de hábitos e culturais, já que muitas pessoas estão preferindo adotar cada vez mais animais. A procura por gatos tem sido até maior, talvez por serem mais independentes. Nisso, entra a preocupação com a qualidade que as pessoas querem fornecer aos seus pets. Por isso entramos nesse ramo de negócios e adquirimos marcas já consolidadas e que têm histórico e variedade no leque de produtos.
Sei que vocês ganharam um sócio de peso, a Marfrig, o que isso impacta nos rumos dos negócios?
Foi uma movimentação societária recentemente, a Marfrig adquiriu em bolsa quase 32% no capital da BRF, pois já somos uma companhia listada na bolsa, na B3, e estamos na Bolsa de Nova York. Hoje, a companhia é o maior sócio da BRF. Acho positivo ter um acionista de referência para que tenhamos um alinhamento de longo prazo. Como nós fizemos um plano de 10 anos, é importante haver um acionista de referência e que acredite nos nossos investimentos. E esse investimento da Marfre mostra não só alinhamento às perspectivas, mas também na confiança. Porque nenhuma empresa investiria quase R$ 6 bilhões, se não acreditasse nos negócios.
Vocês têm interesse em entrar no mercado de carne bovina?
Não é nosso objetivo entrar no mercado (tradicional) de carne bovina, ao menos não nos próximos 10 anos. Teríamos isso como um complemento estratégico, por exemplo, no nosso intuito de levarmos praticidade ao consumidor. Exemplificando: vendemos estrogonofe de frango, então, fazemos também a versão com carne bovina, assim como acontece com a lasanha à bolonhesa e outros alimentos. Ou seja, existe uma parceria na produção dos produtos. O que fizemos, num contexto estratégico válida, para os próximos 10 anos, foi a parceria com a Aleph Farms. A empresa israelense está em processo bastante avançado de desenvolvimento do cultivo de carne em laboratório. De maneira prática, pensamos nesse tipo de produção como algo vantajoso e mais ágil. A diferença é criar uma fazenda biotécnica, cujas células de uma picanha sejam mantidas em laboratório, para depois virarem, em poucos dias, uma picanha pronta para consumo. Veja só, reduziremos o desperdício, pensando em questões como ciclo de vida do boi e gastos com manutenção. Pensando no disperdício, nosso raciocínio é: se existe uma demanda muito grande por um peito de frango, o que será feito com a coxa? Então, precisaremos achar demanda para esse pedaço. Esse método de produção laboratorial, é positivo no ponto de vista sustentável, rapidez na produção, redução de custos. Em cerca de 40 dias, você pode obter a carne, com mais outra vantagem: sem precisar abater o animal.
E esse tipo de produção, com a manipulação de células, já existe no mercado?
Isso já existe, não está em produção em escala, nós fizemos investimento nessa empresa em Israel, sabemos que esse método está acontecendo. Caso você vá a Israel é possível que você consuma uma carne assim.
Você já consumiu carne produzida em laboratório?
Ainda não tive a oportunidade. Por causa da pandemia, ficou invável eu viajar até Israel para experimentar. Entretanto, os feedbacks que recebi foram muito positivos.
Essa proteína pode ser congelada e feita normalmente?
É uma carne normal, basicamente é uma peça, como no caso da picanha, que vira outro pedaço da mesma qualidade. Sem aditivos químicos. Agora, o que está sendo feito são outros movimentos para que essa produção ocorra em larga escala. Mas, por ora, não há uma regulamentação para a comercialização desse tipo de cultivo. Aguardemos.
Mas você crê que esse será o futuro do mercado de carnes?
Provavelmente, Sonia. No campo expectativas, lembro de que, há alguns anos, as pessoas tinham muitas incertas a respeito dos carros elétricos, em questão de funcionamento e outros aprimoramentos. Veja como esse mercado cresceu muito e, hoje, é uma realidade em expansão.
Bom, mas nesse caso, estamos falando de seres vivos que estão sendo reproduzidos em laboratório...
Sim, mas nesse ponto, entra o aprimoramento da qualidade genética dos animais. Isso leva tempo. Neste processo, você terá as melhores vacas-leiteiras, o animal com carne mais macia ou menos gordurosa, isso faz parte da evolução e de investimentos. Futuramente, será possível cultivar células com características distintas, conforme o gosto do consumidor.
Vocês farão esses experimentos com proteínas de outros animais?
Sim, também está nos nossos planos.
Mas, a princípio, essa parceria é voltada para a carne bovina, certo?
De início sim. Porque pensamos de maneira estratégica, visando o desenvolvimento tecnológico com a viabilidade econômica. No começo da conversa, falei sobre o valor da carne vermelha ser mais cara que a de frango. Ou seja, o cultivo em laboratório compensará para as proteínas que têm maior valor no mercado.
Outras partes do mundo tem esse processo mais desenvolvido ou isso é excipiente em Israel?
Assim como existe a Aleph Farms, há companhias nos EUA e outros grandes players mundiais investindo nestas empresas de biofarms.
Tem alguma previsão de quando teremos proteínas produzidas em laboratório disponíveis no mercado?
Segundo a nossa expectativa é que até o final de 2023, essa proteína esteja acessível de alguma forma. Nós ainda ainda faremos uma boa refeição com as carnes cultivadas da maneira como ainda conhecemos. (risos)
Quais são suas perspectivas para a economia brasileira?
Enquanto otimista, Sonia, sempre penso no melhor, desejo e me planejo para o melhor. Por isso que focamos na ampliação da BRF, desde o setor de petfood, pensando ainda e expandir o segmento proteína animal em geral, como disse. Temos um ciclo positivo de crescimento, a medida que o nível de confiança da população também se manter saudável. E o melhor remédio para sustentar esse crescimento é este: vacina. Ter um execelente programa de imunização para o próximo ano fará toda a diferença. Esperamos ter toda a população brasileira vacinada, porque isso ajuda a elevar os níveis de confiança do consumidor, o que gerará um ciclo positivo para todos nós, economicamente falando.