Gesner Oliveira: oferta de energia não é suficiente para dar segurança à economia
Ex-presidente do Cade e da Sabesp, ele analisa a atual crise hídrica e os riscos do abastecimento energético no Brasil.
Gesner Oliveira, professor da FGV e sócio da GO Associados. (Foto: Reprodução)
O economista Gesner Oliveira, professor da FGV e sócio da GO Associados, é o entrevistado da jornalista Sonia Racy, no Show Business. Ex-presidente do Cade e da Sabesp, ele analisa a atual crise hídrica e os riscos do abastecimento energético no Brasil. Confira:
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Vou começar com uma pergunta quase que óbvia, que é a sua especialidade, que é energia. Vai faltar energia no país?
Olha, está faltando. Na verdade, a gente está em uma situação de, pra eu usar a expressão da nova cobrança “Escassez Hídrica”. Nós temos uma situação, já clara já alguns meses, que a oferta de energia não é suficiente para dar uma segurança para a economia, para o país. São necessárias medidas emergenciais para contornar esse problema, mas a gente tem que enfrentar o problema de curto prazo, mas com o olhar sempre no médio e longo prazo, para ver como adotar medidas que previnam situações como a que a gente está vivendo hoje, como a gente já viveu em 2001, como já vivemos em 2014.
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Por que os governos não preveniram essa nova crise?
Nós temos um sistema que, ele tem uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que é um sistema com uma energia limpa. A energia elétrica, que hoje corresponde a 70% em números grosseiros da nossa matriz elétrica, é uma energia limpa. Ela não depende de combustível fóssil, portanto o Brasil não emite muito gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento global em função da sua matriz elétrica. Isso é o lado positivo. O lado negativo, que precisa atenção, é que nós dependemos de um regime adequado de chuvas. Nós armazenamos energia sob a forma de água nos reservatórios e à medida que a energia vai sendo gerada essa água aciona as turbinas e fornece a energia necessária para a economia. O problema é que o regime de chuvas varia, como todos nós sabemos. A profissão de meteorologista não é fácil e prever as chuvas não é fácil, especialmente em um momento em que reconhecidamente há uns modelos de previsão são ultrapassamos. Tem havido uma mudança climática muito forte no planeta e isso tem gerado vários eventos de estiagens muito fortes, por vezes enchentes muito fortes, isso no mundo inteiro. E naturalmente o nosso sistema que já era muito dependente do regime de chuvas, é dependente de um regime de chuvas mais instável. Isso gera um problema.
E isso já não era previsível? Na primeira crise houve uma corrida para a construção de termoelétricas, né?
Olha, houve um avanço muito aquém daquilo que é necessário e daquilo que o Brasil pode fazer. Em 2001, a matriz elétrica dependia quase que 90% da hidroeletricidade, ou seja, éramos muito dependentes do regime de chuvas. Houve uma melhora, como você falou, houve uma fatia de cerca de 25% da matriz com outras fontes. Em particular, as térmicas têm papel importante. É um seguro justamente com essa variação do regime de chuvas. Nós tivemos um aspecto muito positivo com o aumento da energia eólica, que é também uma alternativa muito positiva, com impactos socioambientais muito positivos. Isso foi bom, hoje representa quase que 10%, um pouco mais de 9% da matriz elétrica. E começamos com a energia solar. Nós temos muita vantagem competitiva nas duas fontes de energia. Nós temos ventos, nós temos incidência solar muito boa, nós podemos realmente expandir muito mais. Então eu responderia o seguinte: nós fizemos um pouco, nós estamos hoje um pouco menos dependentes do regime de chuvas do que éramos em 2001, porém não fizemos o suficiente e muito aquém do que nós podemos fazer. Eu sugiro e tenho discutido com vários grupos a respeito de um bordão “30 em 30”. 30% de energia solar e eólica em 2030. É possível fazer, é possível aumentar e é desejável que você aumente muito essa fatia de solar e eólica bem como várias outras formas de energia. Por exemplo, nós temos os resíduos sólidos urbanos que podemos ser uma fonte para geração de energia. Traduzindo: nós vamos gerar energia a partir do lixo. Isso é feito em vários países. Há várias formas e tecnologias. Essa recuperação enérgica dos resíduos é muito importante e felizmente o Brasil tem profissionais competentes para desenvolver. Agora, precisa realmente um foco.
Nós estamos aqui conversando e você usa muito “precisamos” “temos” que são termos que a gente já usou em outras épocas. Por que que a gente fica no “precisamos” e não no “vamos fazer já”?
Olha, eu acho que a gente tem aqui dois problemas. O primeiro é que eu acho que falta no Brasil planejamento. No setor público. Realmente há um grande problema de ficar lidando com os incêndios do curto prazo sem olhar onde queremos chegar. Então quando eu sugiro “30 em 30” são metas, nós precisamos de metas. Que tipo de matriz elétrica nós queremos ter daqui a 10 anos, daqui 20 anos, daqui a 50 anos. Eu acho que esse tipo de ação falta muito. É isso é uma coisa de estado, que não pode ficar variando ao sabor, do gosto desse governo por isso ou por aquilo.
E como é que faz para blindar?
Olha, Sônia, não tem uma fórmula mágica. Você sugeriu algumas formas, por exemplo, a política do Banco Central, que é muito importante para a taxa de juros e o custo do dinheiro. Hoje você tem mais autonomia do Banco Central. Recentemente foi aprovado uma lei de autonomia do Banco Central. A reforma administrativa é muito importante, porque ela precisa racionalizar, não qualquer reforma, para enganar. Uma reforma para valer. E para beneficiar, para valorizar o servidor do Estado pensando no longo prazo e, ao mesmo tempo, racionalizar, tirar recursos onde só tem desperdício, empreguismo, são supérfluos, e colocar naqueles centros de planejamento, como o de planejamento política energética, de política de transportes, política urbana etc., onde é necessário ter essa visão de médio e longo prazo.
E de Estado, né?
E de Estado, sem dúvida. Um projeto nacional, que não depende desse ou daquele governo, um projeto nacional.
Como que os outros países no mundo conseguem ter esse planejamento? Que são os países desenvolvidos hoje, nós estamos sempre “em desenvolvimento”. Temos a China que de alguma maneira conseguiu fazer uma república Capitalista e Ditadura junto. O que poderia ser organizado para você ter umas políticas de Estado. Por exemplo, nessa área de energia. Eu estou há 30 anos na profissão e eu estou há 30 anos ouvindo “temos que fazer, temos, temos, temos” e não vai porque cada um muda de ideia. Não pode ser uma coisa que vá para o Congresso, seja votado como PEC? Como blindar?
Cada país encontra a sua solução. Não tem no planeta “aquela” solução. Os Estados Unidos, como a primeira potência, têm alguns sucessos, tem fracassos também. A Alemanha tem sucessos e tem fracassos. Cada país tem a sua história. Eu diria que tem alguns ingredientes que são importantes. Eu diria que, nesses órgãos de Estado, você precisa de excelência técnica. Então você precisa atrair talentos, e para atrair talentos você precisa ter uma política de recrutamento, você precisa pagar bem. Agora, para pagar bem você precisa ter recursos, para ter recursos não pode ficar desperdiçando dinheiro onde não precisa, onde é supérfluo. Você precisa realmente focar. Daí a importância de uma reforma administrativa que racionalize os recursos da máquina pública e a torne menor, mas mais robusta e mais eficiente. Isso é um aspecto da excelência técnica. E a transparência. Transparência é fundamental. Porque o que eu pago, o que ninguém sabe que está acontecendo é óbvio que vai dar problema. E o que é transparência? É você ter medidas corretas. “Qual é a situação dos reservatórios? Qual é a nossa situação do ponto de vista dos principais indicadores energéticos?” É preciso ter esses indicadores.
E já não temos?
Na parte de energia sim, em outras partes temos menos. Por exemplo, monitoramento do desmatamento, que afeta os nossos biomas, principalmente o bioma amazônico, que afeta o regime de chuvas, nós não temos um acompanhamento oficial, transparente, claro e que muitas vezes gera dúvidas sobre o que está acontecendo.
Para mensurar, por exemplo, o desmatamento. O INPE é um órgão apropriado ou deveriam ter outros, como é que funciona?
Eu acho que o INPE é um órgão adequado, que precisa inclusive ser fortalecido, ter recursos, os seus técnicos serem preservados. A gente comentava antes que é preciso excelência técnica, e tem. Transparência, e tem. E é preciso independência também. Órgãos técnicos tem que emitir opiniões e dar opiniões para a sociedade com total independência. O que que nós queremos do ponto de vista de informações: queremos pessoas capacitadas a elaborá-las, que o façam com transparência e que tenham total independência. Isso é a melhor coisa que tem.
Você defenderia um Ministério do Meio Ambiente independente?
Olha, não um Ministério independente porque o Ministério faz parte do governo, o Executivo e os poderes têm que se respeitar e serem independentes entre si, não interferir um no trabalho do outro. Agora, com isso, nós podemos aproveitar muitas coisas, Sônia. Eu falava dos resíduos sólidos urbanos. O Brasil tem um problema muito sério, nós ainda temos mais de 1.500 lixões, que é uma vergonha.
No mundo não existe isso?
Infelizmente no mundo subdesenvolvido existe e infelizmente as nossas estáticas na área de saneamento ainda estão como um mundo subdesenvolvido. A gente precisa dar um salto em água, em esgoto, em drenagem e gestão de resíduos sólidos urbanos. As nossas cidades, infelizmente, ainda têm muitos problemas com falta de aterros, com falta de reciclagem, com falta de reaproveitamento dos resíduos. Nós precisamos passar da economia linear, que é a economia que você tira alguma coisa da natureza, produz e joga fora para emporcalhar a natureza, para a economia circular. Aquela economia que é harmônica com o meio ambiente. Que você retira algo, trabalha, produz serviços, bens e depois o resíduo é reaproveitado de uma forma amigável com o meio ambiente. Por exemplo, nós podemos ter mais água se nós tivermos mais água de reuso. Nós pegamos, assim como Israel faz, assim como a Espanha faz e vários outros países fazem, nós pegamos o efluente do esgoto doméstico e transformamos em uma água de reuso. Uma água que pode ser utilizada pela indústria, pela agricultura e até mesmo potável para consumo humano. Então esse tipo de ação, a mesma coisa acontece com o lixo. Ele pode virar energia, além do que nós sequestramos muitos gases que normalmente são provocados. O gás metano, por exemplo, que tem um efeito sobre o aquecimento global muito forte ele pode ser sequestrado, retirado e utilizado para produzir outras coisas.
Poucas pessoas sabem que o gado produz muito gás metano, né?
É verdade. E nós podemos ter várias ações no Brasil que, de uma matriz que já é limpa, ela ficar ainda mais limpa. E qual é a grande vantagem? Significa que o produto e o serviço brasileiro ele requer menos emissão de gases de efeito estufa, ou seja, o Brasil pode se tornar um país de vanguarda para atacar o grande problema do planeta de aquecimento global.
O problema do Brasil não é de diagnóstico mais. É?
Olha, o diagnóstico é sempre importante. Seria pretensão nossa dizer que nós temos o diagnóstico perfeito.
Mas esse diagnóstico que você faz “30 em 2030” isso já não existe há algum tempo? Estou provocando você a ir além do diagnóstico, o que é necessário fazer para blindar uma política de energia elétrica descente que atenda o país? O que que é possível fazer?
Olha, é muito importante ter metas claras. Então por exemplo, se a gente aqui conversando chega a uma conclusão de que energia solar é importante. Mas qual é nossa meta daqui a 10 anos? Se você não tem meta, se você não sabe onde você quer chegar, você não chega.
Sem saber de onde você vem também não chega...
Tudo bem. É preciso estabelecer metas, é preciso persegui-las, os nossos mercados precisam funcionar de forma mais livre para que você tenha estímulos, por exemplo para pesquisa, desenvolvimento de novas formas de energia. Então o estímulo à inovação é muito importante. A gente falou da energia solar, mas já, já várias experiências no Estado de São Paulo, por exemplo, de energia solar flutuante, que utiliza as lâminas d’água para colocar as placas de energia solar e isso tem várias vantagens. A EMAI tem um projeto piloto extremamente exitoso e é algo com uma perspectiva muito boa. Assim como vários especialistas têm chamado atenção para a importância do Hidrogênio Verde, que também é outra fonte de energia extremamente importante. E você pode combinar as várias fontes de energia. Você pode ter uma hidroelétrica, que ela tem o trabalho típico de uma hidroelétrica usando água armazenada, mas para o armazenamento dessa água você pode usar um outro tipo de energia e a combinação, por exemplo, de energia solar e energia hidroelétrica pode dar um resultado extremamente positivo. Você pode também ter parques eólicos não somente no continente, mas parques eólios offshore. Nós já temos uma experiência com a Petrobras, aliás uma experiência extremante exitosa, das plataformas para exploração do petróleo. Essa tecnologia eventualmente pode ser útil para uma utilização de plataforma offshore não para combustível fóssil, mas para energia eólica, para parques eólicos.
Qual a sua posição sobre privatização, por exemplo, da Eletrobrás? A Vale foi privatizada e caminhou a passos largos em termos de produtividade, de retorno. Como você vê a privatização da Eletrobrás?
Positiva. Quando nós comparamos as empresas estatais e as empresas privadas, as privadas têm muito mais capacidade de investimento, tem mais estímulo para inovação. Uma empresa estatal pode funcionar bem? Pode. Um exemplo nesse sentido é a Sabesp, que é uma empresa Estatal que funciona bem. Agora, em geral, as empresas privadas têm maior capacidade de investimento. E nós precisamos, na infraestrutura brasileira, é investimento. Nós investimos em infraestrutura muito pouco hoje. Pouquinho mais de 2% no conjunto, o que é muito abaixo do necessário que algo pelo menos de 4%, e abaixo do que nós já tivemos, por exemplo, nós anos 70, algo superior a 5% o investimento em infraestrutura. Então falta tudo. Rodovia, ferrovia, Porto, armazenamento, energia e a Eletrobrás, em mãos privadas, pode investir mais o que é fundamental para o setor elétrico. Ela pode inovar mais. Especialmente em uma situação em que o setor público brasileiro se encontra em uma situação com muita baixa capacidade de investimento.
Você acha que a gente consegue nesse governo avançar na privatização da Eletrobrás?
Houve avanço no sentido de aprovação pelo Congresso, da privatização. Infelizmente houve a inclusão de vários pontos que não só não tinham nada a ver com a privatização da empresa como representam custos adicionais e são absolutamente questionáveis. Então, foi um processo para fazer algo positivo, porém que carregou uma série de termo clássico, “jabutis”. Que são coisas que, primeiro, não tinham nada a ver com a privatização da Eletrobrás e segundo são absolutamente questionáveis do ponto de vista de eficiência. Então, poderia ter sido bem melhor, mas foi.
Você citou uma empresa bem gerida que é a Sabesp e isso me remeteu aos Estados Unidos. Os Estados Unidos, eles têm um sistema, uma federação, em que os estados têm muito mais liberdade fazer suas regras, suas privatização e etc. Isso é um problema no Brasil?
Olha, eu acho que a ideia da Federação é uma ideia boa. Historicamente muitos povos, não todos, mais muitos povos têm optado por ter a sua autonomia. Cada região gosta de gerir de acordo com seus valores, com a sua cultura e isso é muito positivo. E o espírito da Federação, da nossa Constituição é esse de autonomia, de independência, de cada Estado ter a sua Constituição, cada Estado tem as suas políticas e isso é absolutamente desejável, porém é muito importante haver coordenação e cooperação. Que dizer, a arte dessa governança política está entre combinar coordenação com autonomia. Cada um pode fazer uma série de políticas de acordo com seus valores e com a sua cultura, porém de forma coordenada para que o resultado seja melhor para todos. O Brasil ainda está muito atrasado em vários aspectos, a gente falava que o Brasil ainda está em desenvolvimento. Uma maneira diplomática de dizer que falta muito para a gente ser um país desenvolvido. Porém, para que a gente dê esse salto é preciso um esforço nacional. Então é essa combinação que é muito importante, essa visão de projeto nacional deixando e dando espaço para que cada região faça as suas regras de acordo com as suas peculiaridades.
Eu sou muito curiosa com relação a energia. Eu fico vendo alguns pontos, por exemplo, Ceará é um estado com muito sol, com vento, será que ele poderia, o Estado em si, decidir investir nesse tipo de energia e um outro Estado que não existe, sei lá, Minas Gerais também investir. Poderiam ser independentes nesse tipo de decisão?
Com uma certa independência sim. É claro que tem que ter uma lógica nacional e nós temos uma vantagem em relação a outros países que é um sistema integrado então, por exemplo, se falta energia no Sudeste, aliás, hoje a gente está usando isso. O operador nacional do sistema ele faz despachos de energia, então se uma região tem energia sobrando ela pode transmitir para uma região que falta energia. Então essa integração é muito importante. Nós avançamos nesse sentido, aliás foi avanço em relação a 2001, que o sistema está um pouco mais integrado do que era.
Mais flexível também?
Também um pouco mais flexível. Infelizmente não tão flexível quanto desejaríamos e o quanto precisamos chegar. Agora, essa lógica nacional ela existe, mas cada Estado pode ter seus programas. O Estado de São Paulo, por exemplo, tem várias ações no sentido de reaproveitamento de resíduos, é extremamente importante, o Estado do Ceará que você citou tem parques eólicos importantes, enfim, é claro que cada Estado vai desenvolver esta fonte ou aquela fonte de acordo com as suas características é uma lógica nacional, uma política nacional vai ter que integrar as várias políticas estaduais.
Nós somos muito hoje dependentes de Itaipu, por exemplo? Hoje nós estamos importando energia da Argentina, que já está naquele processo de escassez. Ficamos quantos anos tão dependentes de Itaipu quanto somos?
Faz parte desse contexto mais geral que, não é necessariamente de Itaipu, mas nós precisamos ter uma menor dependência de hidroeletricidade em geral. Nós precisamos desenvolver outras fontes de energia. Eu citei várias aqui. Solar sob várias formas, eólica, novas pesquisas que já estão em desenvolvimento de Hidrogênio Verde e biomassa. Nós, obviamente temos uma tradição com o bagaço da cana de açúcar, uma tradição desde os anos 70 do século passado e isso é muito positivo, mas nós precisamos diversificar também. Aproveitar outras fontes, outros resíduos da agropecuária e resíduos sólidos urbanos. Nós temos um problemaço das nossas cidades sujas, do lixo, com baixíssima reciclagem e nós precisamos usar essa tragédia social do saneamento a nosso favor, produzindo energia a partir dos resíduos sólidos urbanos.
Qual país no mundo faz isso bem?
Alemanha faz muito bem, os países escandinavos fazem isso muito bem, uma taxa de reciclagem bastante elevada. Eu não diria que nós vamos imitar esses modelos, cada um desses países, Alemanha, Suécia, Dinamarca, o Japão, cada um desses países vai nos ensinar alguma coisa, nós podemos aprender lições muito importantes com cada um deles. Agora, nós precisamos achar o nosso caminho. E o nosso caminho é muito promissor, porque nós temos um país que já tem uma matriz elétrica limpa. Veja a China, por exemplo, ela depende muito do carvão. A transição enérgica da China é muito mais difícil que a nossa. Muito mais custosa. A nossa tarefa, e eu não quero diminuir essa tarefa fundamental de combater o desmatamento, mas a nossa tarefa é muito mais fácil para reduzir a emissão de gases de efeito estufa do que vários outros países. Eu diria que o Brasil talvez seja o país com maior capacidade de diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Ou seja, o Brasil tem que estar na vanguarda do combate ao aquecimento global em benefício do mundo, mas em nosso benéfico. Seja porque a gente faz parte do planeta, seja porque os nossos produtos e serviços serão muito mais valorizados porque serão vistos como os produtos do futuro, os serviços do futuro, com menos unidade de emissão de gases de efeito estufa.
Como conscientizar a população de que isso é muito imponente? Eu sou conselheira do SOS Mata Atlântica há muitos anos e o que a gente vê é uma situação em que as pessoas só no extremo começam a pensar. É quando falta água, falta energia, quando começa uma devastação grande, um desmatamento, só no limite. O brasileiro reage no limite, não tem uma mentalidade preventiva. O que a gente faz para conscientizar a população brasileira de que isso é importante.
Olha, o enfrentamento de crises é um bom exemplo. Nós estamos vivendo uma crise hídrica, mas a gente pode aprofundar. Vamos aproveitar essa situação de crise para plantar o futuro. Vamos aproveitar para introduzir novos hábitos e o bolso ajuda muito. Se está faltando água, precisa ser mais caro. Se está faltando energia, precisa ser mais caro. Isso não quer dizer que as famílias mais pobres não possam ser mais protegidas com tarifa social.
Existe isso já de tarifa social? Explica isso, por favor.
Existe sim. Existe uma tarifa social para famílias que se enquadram em determinados padrões, em determinadas faixas de renda em qualquer programa contra crise isso também pode ser adotado. Você pode, por exemplo, ter um desconto maior para famílias que tenham uma determinada faixa de renda mais baixa. Agora nós temos um sistema de descontos. Se você conseguir reduzir de 10 a 20% você ganha um certo desconto.
Isso é novo ou já teve em outras crises?
Já teve nos anos 80 do século passado já teve no Estado de São Paulo. Depois voltou a ter em 2014 com água para consumo humano, um bônus e um desconto na conta se você não consumisse. Em 2001 havia multa se ultrapassasse um determinado teto, comparando. Eu acho que em momentos de crise você precisa ter prêmios e punições. Então se você passa de um determinado teto você pode ter uma multa, por enquanto o governo optou, me parece correto, na opção de dar esse desconto para quem reduzir de 10 a 20, mas a gente pode estimular mais, podemos fazer programas nesse sentido e também estimular a inovação para que você aproveite resíduos e aproveite, como eu dei o exemplo da água de reuso, enfim, que acabe com o modelo antigo de economia linear para um modelo novo de economia circular em benefício do país.
Gesner, eu queria terminar a nossa conversa com uma mensagem sua para o nosso telespectador frente a essa crise energética se aprofundando.
Olha, eu diria o seguinte: que nós precisamos aproveitar mais uma situação difícil, afinal ainda estamos vivendo as sequelas da pandemia para enfrentar essa crise com uma visão de futuro, não com uma visão de passado. Quer dizer, nós queremos voltar aquilo que nós éramos. Não, pois aquilo que nós éramos era insustentável. Nós precisamos cobrar de todos os governos, todas as esferas de governo, todos os dirigentes nós precisamos cobrar metas, planejamento e uma política de médio e longo prazo. Vamos fazer as medidas difíceis a curto prazo, mas sem perder de vista o futuro, sem perder de vista o longo prazo.