Palácio Pamphilj: o bom gosto romano pelos olhos do Brasil

O embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca, relembra histórias do Palácio Pamphilj, que projetou o designer brasileiro Sergio Rodrigues no cenário internacional.

Embaixada-7O embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca, relembra histórias do Palácio Pamphilj, que projetou o designer brasileiro Sergio Rodrigues no cenário internacional.

A decoração clássica e eterna de Roma já foi reinterpretada pelo olhar brasileiro quando, nos anos 1960, o designer Sergio Rodrigues foi convidado a projetar o mobiliário do Palácio Pamphilj, sede da Embaixada do Brasil na Itália. Décadas depois, esse mesmo palácio passa por um cuidadoso processo de restauração, que inclui a recuperação de sua fachada e de afrescos históricos. Em entrevista exclusiva, o embaixador Renato Mosca compartilha detalhes sobre o valor histórico do edifício, os desafios da restauração e a contribuição do design brasileiro para esse espaço de importância diplomática e cultural.

O Palácio Pamphilj é uma das mais belas embaixadas do Brasil no mundo. Qual a importância histórica desse edifício?
De fato, o Palácio Pamphilj é um patrimônio do Brasil e dos brasileiros. O edifício, em sua aparência atual, foi construído entre 1644 e 1650 para ser a residência de Giovanni Battista Pamphilj, que se tornou papa em 1644 sob o nome de Inocêncio X. O palácio é sede da Embaixada do Brasil desde 1924, mas foi adquirido pelo governo brasileiro no final dos anos 1950. Hoje, o palácio abriga, além da Embaixada, o Consulado-Geral do Brasil em Roma, a Representação Permanente do Brasil junto à FAO, FIDA e PMA, entre outros órgãos. A prestigiada localização em uma das mais belas e movimentadas praças de Roma, a Piazza Navona, sua imponência do barroco italiano e os espaços internos privilegiados tornam a sede da Embaixada um trunfo para a execução da política externa brasileira, para a promoção dos nossos produtos, da nossa cultura e para a integração dos brasileiros na Itália.

c00a2255fec67b69c3af577a34aed5b4Renato Mosca, embaixador do Brasil na Itália.

A compra do palácio pelo Brasil nos anos 1950-60 envolveu negociações complexas com o governo italiano. Quais foram as condições impostas para a aquisição e o que essa negociação representou para a diplomacia brasileira?

A primeira oferta de venda do palácio ao Brasil ocorreu em 1959. Entretanto, em razão do estado de conservação prejudicado, a proposta foi descartada. Em 1960, já indicado para assumir a chefia da Embaixada em Roma, o embaixador Hugo Gouthier sugeriu ao então presidente Juscelino Kubitschek, com o apoio do Grupo Interparlamentar Brasil-Itália, a obtenção, por doação ou por compra, de um terreno em Roma para a construção de uma "Casa do Brasil" que reuniria todos os órgãos e representações brasileiras sediados na Itália. O presidente concordou com a ideia e encarregou o arquiteto Oscar Niemeyer para elaborar o projeto. Em reciprocidade à doação de um terreno para a construção da Embaixada italiana em Brasília, o governo italiano ofereceu ao Brasil um terreno no bairro EUR, que, no entanto, ficava afastado do centro e não atendia às necessidades da missão brasileira. Descartada essa possibilidade, buscou-se a compra de terrenos na área central de Roma, mas os preços elevados e as restrições arqueológicas e arquitetônicas inviabilizavam qualquer construção, inclusive um projeto de Niemeyer. Voltou-se, então, à possibilidade de adquirir o próprio Palácio Pamphilj. As negociações foram longas e envolviam também a presença de outros inquilinos no prédio. A imprensa local chegou a se posicionar contra a venda ao Brasil, pressionando o governo italiano a exercer seu direito de compra. O embaixador Gouthier foi extremamente habilidoso ao conduzir as negociações e assegurar o compromisso do Brasil com a preservação do patrimônio. O contrato definitivo de compra e venda foi assinado em outubro de 1961. Todo esse processo está minuciosamente documentado em um livro coordenado pelo próprio Gouthier em 1963, com registros detalhados, fotos do estado do prédio, dos trabalhos de restauração, além de comunicações com o Itamaraty, autoridades italianas, o gabinete presidencial e até correspondências com a proprietária, a princesa Orietta Doria Pamphilj. Cada diplomata que serve na embaixada recebe um exemplar original desse livro, acompanhado de um cartão assinado por Gouthier. Mais do que um trunfo diplomático, considero que a posse desse edifício fortalece o vínculo entre Brasil e Itália e nos aproxima ainda mais de parceiros locais na preservação desse patrimônio.

DSC_0045-1_JPGGaleria Pietri de Cortona, 1596-1669, projetada por Francesco Borromini.

O processo de restauração está buscando preservar quais aspectos arquitetônicos e históricos do edifício? Há alguma parte específica da estrutura que exigirá atenção especial?

O patrimônio que temos a responsabilidade de preservar está prestes a completar quatro séculos de história, então qualquer intervenção precisa ser feita com extrema atenção. Além da estrutura do edifício e de sua fachada, há nas salas e salões diversos afrescos assinados por mestres como Giacinto Gimignani, Gaspard Dughet, Andrea Camassei, Giacinto Brandi, Francesco Allegrini, Pier Francesco Mola, Costanzo de Peris e Pietro da Cortona. Este último é o autor dos afrescos da nossa galeria mais famosa, que leva seu nome e foi projetada por Borromini. Esse, sem dúvida, é o trabalho mais delicado, que será conduzido por especialistas cuidadosamente selecionados. Todas as intervenções são acompanhadas pela Superintendência Especial de Arqueologia, Belas Artes e Paisagem de Roma.

O modernismo brasileiro começou a ganhar projeção internacional nessa época, e Sergio Rodrigues teve um papel importante no desenvolvimento da mobília da embaixada. Como o design brasileiro dialoga com a estética clássica do palácio?

Uma publicação do Instituto Sergio Rodrigues, que preserva a memória desse grande arquiteto e designer brasileiro, relata que o embaixador Gouthier visitou a loja Oca, no Rio de Janeiro, e decidiu convidá-lo para projetar o mobiliário dos escritórios da Embaixada. Sergio Rodrigues havia trabalhado com o italiano Carlo Hauner, que, junto de Martin Eisler, fundou a fábrica de móveis Forma nos anos 1950, no Brasil. Hauner retornou à Itália em 1958 e, em Roma, reencontrou Sergio Rodrigues, que estava justamente desenvolvendo os móveis para o palácio. Durante essa estadia, em Milão, Hauner apresentou Rodrigues ao arquiteto e designer Gio Ponti, que era editor da prestigiada revista Domus. Ponti publicou o trabalho de Sergio Rodrigues em 1959, o que deu ao designer brasileiro enorme projeção internacional. Apenas dois anos depois, a icônica Poltrona Mole receberia o prêmio máximo no concurso da cidade de Cantù, tornando-se uma das peças mais reconhecidas do design brasileiro no mundo. Essa história também revela um aspecto interessante da relação Brasil-Itália, já que diversos designers de origem italiana — como Hauner, Scapinelli, Fasanello e Lina Bo Bardi — influenciaram a formação de uma escola de design brasileira, com identidade própria, adaptada ao nosso clima, estilo de vida e materiais. Os móveis desenhados por Rodrigues para a Embaixada, como o conjunto Navona, por exemplo, têm a imponência necessária para um palácio, mas são discretos e respeitam perfeitamente as características centenárias do edifício.

Embaixada-1Sala Palestrina.

Quais são os investimentos previstos para essa restauração? O projeto conta com recursos do governo brasileiro ou há parcerias e incentivos de instituições italianas ou privadas?

A restauração será inteiramente financiada com recursos privados, obtidos por meio da publicidade que será exibida na fachada do palácio durante as obras. Tivemos o cuidado de estabelecer critérios rigorosos para que essa publicidade, em nenhum momento, comprometa a imagem do Brasil.

Além do valor histórico e arquitetônico, a embaixada também cumpre um papel cultural. Há planos para promover eventos que destaquem essa ligação entre Brasil e Itália?

A embaixada mantém uma agenda cultural intensa. As atividades realizadas no palácio visam promover a cultura brasileira junto ao público italiano. No marco dos 150 anos da imigração italiana no Brasil, comemorados ao longo de 2024, realizamos diversos concertos, apresentações musicais, exposições, mostras de cinema e seminários literários nas dependências do palácio. Nossas salas também são utilizadas para eventos gastronômicos e de promoção turística, que compõem uma programação relevante. Aqui também funciona o Instituto Guimarães Rosa (IGR), responsável por promover a língua portuguesa — na variante brasileira — no exterior. Oferecemos cursos de português para estrangeiros, além de português como língua de herança para os filhos de brasileiros que vivem na Itália. Promovemos ainda parcerias com editoras locais para traduções de obras brasileiras, além de lançamentos de livros e participação de autores em feiras literárias. De forma pioneira, a Embaixada foi contemplada com a aprovação de um projeto cultural no âmbito da Lei Rouanet, atualmente em fase de captação. Esse projeto permitirá uma série de ações culturais no palácio nos anos de 2025 e 2026, desenvolvidas em parceria com patrocinadores que queiram se inserir no mercado italiano.