Rachel Maia: stakeholders querem fatos e que as empresas quantifiquem valores ESG em ações
Uma das executivas mais respeitadas do mundo ajuda a transformar as organizações para que entendam o papel da diversidade.
Rachel Maia já comandou Seven Eleven, Novartis, Tiffany & Co, Pandora e Lacoste. (Foto: Divulgação)
O propósito das marcas tornou-se fundamental para as organizações, devendo estar alinhado com uma cultura de inclusão e igualdade de gênero. Mas esse objetivo precisa ser colocado em prática e não apenas registrado em um documento, por exemplo. Para isso, nada melhor do que contar com o know how de quem sentiu na pele as dificuldades de ser pobre, negra e mulher, depois construiu uma carreira de sucesso com base na educação, nos valores e em seus sonhos.
Rachel Maia chegou até a cadeira número 1, título de seu livro recém-lançado, e se tornou uma das executivas mais respeitadas do Brasil, onde menos de 30% dos cargos de liderança são ocupados por negros e menos de 14% das diretorias são ocupadas por mulheres. É preciso enaltecer o posto que Rachel alcançou: primeira mulher negra a ocupar um cargo de CEO em grandes companhias, como Seven Eleven, Farmacêutica Novartis, Tiffany & Co Joalheria, Pandora e Lacoste Brasil, da qual saiu em setembro do ano passado para dar sequência a outro grande plano, transformar o mercado varejista com sua própria empresa, a RM Consulting.
Hoje, ela empenha-se em letrar o mercado corporativo, levando toda sua expertise de varejo aliada ao olhar para o social, para mostrar às organizações que a diversidade, a inclusão e o respeito ao meio ambiente são essenciais no atual mundo dos negócios, sempre por meio de ações que contribuam para uma sociedade mais justa e humana. Esse caminho ainda é longo, mas se depender de Rachel Maia e toda sua vontade de fazer acontecer, os resultados, com certeza, serão cada vez mais perceptíveis.
Revista LIDE: A pandemia acelerou nas empresas o foco para o ESG. Como uma consultoria, como a RM Consulting pode colaborar nesse sentido?
Rachel Maia: Vejo que existia a necessidade do conhecimento por parte das empresas, mas não se fazia muito, até que grandes investidores passaram a cobrar esse conhecimento delas, mas não só conhecimento, passaram a pedir relatórios, queriam ver como o ESG estava evoluindo, mais do que isso, passaram a cobrar a aplicação disso na prática, queriam saber como o social e o ambiental estavam sendo trabalhados. Não basta mais a empresa dizer, ‘ah eu trabalho com respeito’. Os stakeholders hoje querem fatos, querem que as empresas quantifiquem esses valores em ações. E foi aí que muitas organizações viram que não tinham conhecimento para fazer isso e começaram a procurar pessoas com esse conhecimento no mercado. A RM Consulting surge para digitalizar os pilares, para facilitar esse letrar do executivo para, não simplesmente contratar um colaborador diverso, mas saber como, genuinamente, incluí-lo nesse ecossistema, porque não basta você jogá-lo no meio em um “modus operandi” que não era dele. Então esse letrar, essa educação, é o processo mais desafiador.
Você acha que o mercado está plenamente maduro na busca por promover a diversidade e potencializar estes novos conceitos?
Não, maduro não! Porém, o mercado está aberto a esse processo de entendimento. Está aberto a aprender, a entender, e aí conseguimos testar oportunidades, deixar claro que oportunidades significa expandir os horizontes, senão a gente vai cobrar sempre os mesmos. Então eu quero empoderar. Eu sou negra, quero também empoderar outros negros, o meu povo, que até ontem não foram empoderados. E como eu posso fazer isso? Letrando aquelas pessoas que não são cobradas. A cada lugar que eu vou, eu vou para cobrar, seja com a minha presença, seja com a minhas palavras. Não pode ser mais só um logotipo, uma foto plural, temos que ter na liderança, o que a empresa retrata na foto.
A SumUp, fintech de soluções financeiras para micro e pequenos empreendedores, foi reconhecida pela revista americana Inc. como a empresa europeia com crescimento mais rápido no segmento – 14.368% entre 2013 e 2016. Recentemente, ela recebeu um aporte de R$ 1,3 bilhão para expandir seus negócios no Brasil e na América Latina. Qual seu papel como consultora na empresa?
Os números da SumUp são muito representativos e a consultoria é de extrema importância para que os líderes e tomadores de decisões estejam cada vez mais preparados para atender às necessidades dos clientes. Mas o fato de o presidente da empresa já ter o mindset disruptivo ajuda muito. É uma geração que já vem querendo ser diversa, então meu papel como consultora é trazer os códigos que o mercado está soltando e deixá-los alinhados, com o hard skill que eles trazem, e o soft skill que eu aguço. O soft skill está no “S” de Social do ESG, é pensar em como eu posso criar valor nesse ecossistema que se chama SumUp.
Você acredita que investir na diversidade, na pluralidade de perfis profissionais, é o segredo para o sucesso das organizações?
Sem sombra de dúvidas. Investir na pluralidade é transformar, é inovar. Um grande passo é dado pelas empresas disruptivas que entendem que podem fazer isso. Claro, que estamos em um processo que demanda tempo, mas é necessário. Como eu mencionei, a SumUp é uma empresa que tem um Senior Management aberto, tanto a fazer coach para entender a diversidade, quanto a trazer a consultoria para levar conhecimento a seus funcionários. Através da RM Consulting, levamos produtos diversos para a SumUp, produtos que apoiam grupos de afinidades. Nós trabalhamos para empoderar esses grupos para que sejam embaixadores, assim, quando uma pessoa sair ou passar para o próximo estágio da carreira, aqueles embaixadores que foram letrados serão reverberadores para que não morra a mensagem de que a pluralização transforma e a transformação inova.
Rachel Maia: Em qualquer coisa que você decidir fazer, seja o melhor. (Foto: Divulgação)
As empresas estão revendo seu modelo de gestão? Qual o papel do líder de hoje e as habilidades que ele precisa ter para entender a importância e saber lidar com essa diversidade de colaboradores?
Hoje você se preocupa em captar talentos, mas tem que ser diverso. Se eu já tenho 10 que são iguais, não posso trazer o 11°. E quanto mais você vai para o topo, quantitativamente são menos vagas, então quando se abre uma nova vaga, a liderança já está com mindset de que precisa trazer diversidade, já tem um posicionamento diferenciado. E não dá para ficar só na liderança intuitiva. É preciso fazer uma mescla, conversar com pessoas que têm conhecimento, contratar consultorias. Se ficar só no intuitivo, você vai esperar passar e não dá para esperar. Esse é o momento de levantar e procurar, é o momento de ação. Não dá para esperar o diverso bater na sua porta. Tem que escancarar sua porta e falar: “Minha empresa está aberta ao diverso”. Esse movimento demanda um investimento de curto prazo para que haja ganho, porque é provado que a diversidade profere ganhos financeiros para a instituição. Mas caso não queira fazer para ter ganhos, faça pelo ganho da sociedade, por uma sociedade mais equitativa, mais plural, uma sociedade que compartilhe.
Com sua ampla experiência no mercado varejista, principalmente no de luxo, o que mudou com relação a visão das marcas e empresas?
Hoje o mercado varejista, de uma forma geral, entende que o consumidor quer se reconhecer naquele lugar que ele adentra, seja uma loja ou um site. E para isso, é preciso entender o que é pluralizar. É preciso ter diversidade, como 56% de negros, 23% de PCD, 10% de LGBTQI+, diferentes faixas etárias, já que nosso país já não é tão jovem, além da ausência da equidade de gênero, mas não podemos esquecer que nós mulheres representamos 51%, e assim por diante. Se hoje o consumidor quer se reconhecer na marca que ele elegeu, a marca tem que se movimentar.
Você é a primeira mulher negra a comandar a operação de marcas multinacionais na América Latina e tem uma carreira bem-sucedida em um país em que menos de 30% das lideranças são negras. Como sonhar em ser uma Rachel?
Acredito muito na força das mulheres e com meu livro, “Meu caminho até a cadeira número 1” (Globo Livros), quero inspirá-las a terem certeza de que nós podemos e somos capazes de conquistar tudo aquilo que sonhamos. Foram meus sonhos que me trouxeram até aqui. Mas, cada um deve definir o seu lugar, a sua cadeira número 1. Hoje, a minha cadeira número 1 está no conselho e em ser empresária, a cadeira número 1 de cada um pode estar em qualquer lugar, o que não dá é para ser médio, para ser morno. Em qualquer coisa que você decidir fazer, seja o melhor. Eu estou lendo o livro da Angela Davis, “Mulheres, Raça e Classe” e quero até indicá-lo como leitura. A gente tem que se instruir, tem que ler, buscar conhecimento. Conhecimento é poder e ninguém tira.
Depois de 20 anos como CEO à frente de renomadas marcas de luxo, como Tiffany & Co e Pandora, você deixou a presidência da Lacoste no final de 2020 para trilhar projetos pessoais. A pandemia reforçou o olhar para o social, isso te fez enxergar oportunidades no mercado para essa tomada de decisão? E quais os planos para o momento e para o futuro?
Não, já era meu plano sair para concluir alguns projetos, isso está intrínseco no meu DNA. Queria focar no meu livro, trabalhar como empresária na minha consultoria RM Consulting e continuar impactando a vida das pessoas da periferia com o projeto Capacita-me. Mas, isso não significa que eu não vá voltar para o mercado corporativo. Eu quero deixar notório que eu continuo em movimento. Além da consultoria, meus planos atuais consistem nos conselhos – eu já estou em quatro conselhos administrativos e três pro bono, entre eles grupo Soma, CVC e Unicef Brasil, onde sou presidente – além de continuar e trabalhando fortemente no social, fazendo o bem ao próximo de forma efetiva. Esse é meu momento, eu tenho muita responsabilidade e eu não posso parar. Tem muita coisa ruim querendo nos derrubar, mas é preciso ter um olhar mais abrangente do processo e acreditar que é possível. E eu sou otimista por natureza e quero passar esse otimismo, acho que temos essa responsabilidade de passar esperança.