Guilherme Blumer: menor taxa básica de juros alavanca base da pirâmide socioeconômica

Setor tem mostrado forte recuperação desde o segundo semestre de 2020 e volta a ser excelente opção para investidores.

sp_governo_cidade_vista_aerea_270320193512Setor tem mostrado forte recuperação desde o segundo semestre de 2020. (Foto: Agência Brasil)

A aquisição de um imóvel nos próximos três meses é intenção de 43% das pessoas entrevistadas na pesquisa Raio-X FipeZap do segundo trimestre. A grande maioria (88%) pretende utilizar o bem como moradia. Já entre os que informaram ter comprado um imóvel nos últimos meses, 42% optaram pela aquisição como forma de investimento – seja esperando sua valorização ou para obter renda por meio de aluguel.

Entre os fatores apontados pelo levantamento para o aumento na intenção de compra dos entrevistados, destacam-se não só as convidativas taxas de juros dos bancos, mas também o aumento no número de lançamentos e a volta da atratividade dos imóveis como alternativa de investimento.

Para Orlando Pereira, diretor comercial da Cyrela, o momento é bastante especial. “A cada 1% que cai a taxa de juros, gera um impacto de 7% no preço do imóvel. Isso é bastante significativo. Estou no mercado há 20 anos e nunca vi nada parecido”, conta.

Guilherme Blumer, diretor de transferência digital do Grupo Brasil Brokers, empresa de capital aberto cujo volume de vendas foi de R$ 3 bilhões em 2019, compactua com a mesma ideia. “O déficit habitacional no Brasil é gigantesco. Quando você tem uma taxa básica de juros que despenca a níveis jamais vistos, o incremento de potencial que se pode ter nas parcelas alavanca muito forte a base da pirâmide socioeconômica do país”, avalia.

Na prática isso significa que uma família com renda para comprar um imóvel na faixa de R$ 750 mil, com as taxas de juros acima dos dois dígitos que eram praticadas no passado recente do país, hoje podem adquirir um bem com valor de R$ 1,2 milhão.

Tijolo por tijolo

O bom humor do mercado já traz resultados para a Brasil Brokers, que espera incremento de 40% nas vendas no próximo ano. A Desenrola, startup criada pela companhia, fechou seu primeiro negócio com apenas seis dias de operação na capital paulista. “Nós conseguimos aprovar financiamento na Desenrola com taxa a 4,7% de juros. Eu nunca tinha visto isso. A taxa de juros sempre foi a maior vilã para que as pessoas pudessem ter seu imóvel próprio. Com isso, a expectativa de vendas para o próximo triênio é muito positiva. A casa própria ainda é o número um da lista de desejo das pessoas”, diz Fabio Mendes, head de vendas da startup.

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Mendes trabalha na área de corretagem de imóveis há cerca de duas décadas e compara o momento atual com o boom imobiliário que ocorreu entre os anos de 2009 e 2012. Naquele tempo havia abundância de crédito, que incentivou muitas pessoas a buscarem um imóvel próprio. Entretanto, as taxas de juros ainda eram altíssimas, o que põe o cenário atual em considerável vantagem. “Na minha avaliação, o Brasil vive um momento muito melhor”, afirma.

Basilio Jafet, presidente do Sindicato da Habitação - Secovi-SP, também dá ênfase ao bom desempenho do ano: “Mesmo em meio a uma pandemia histórica, que influenciou a economia e o comportamento da humanidade, os números de 2020 nos deixam atrás somente dos resultados de 2019, ano em que foram lançadas 65 mil unidades e comercializadas 49 mil delas”, finaliza.

Novos empreendimentos

A última pesquisa de mercado realizada pelo Secovi-SP apontou um aumento de 19,2% de novas unidades vendidas com relação ao mesmo período do ano passado. O número se torna mais expressivo considerando que 2019 teve um bom resultado e representou o início da retomada no setor imobiliário, que sofria com a recessão desde 2014.

O Indicador de Antecedente do Mercado Imobiliário (IAMI) da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – Abrainc mostrou um recorde de concessão de alvarás para prédios na capital paulista em 20 anos. Ao todo foram 973 autorizações para a construção de novos empreendimentos verticais, que têm potencial para gerar R$ 73 bilhões em investimentos ao longo da execução dos projetos. Nesse cenário, poderiam ser criados até 1,7 milhão de postos de trabalho, considerando efeitos diretos, indiretos e induzidos. “Os números consolidam a trajetória de expansão da construção civil na cidade de São Paulo, principal mercado imobiliário do país. Eles indicam que as incorporadoras confiam na retomada da atividade econômica e devem apostar em lançamentos”, afirma o presidente da Abrainc, Luiz Antonio França.

O advogado especialista em Direito Imobiliário e sócio do Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados, Lucas Eichenberg, revela que vem prestando assessoramento para a compra de terrenos a diversas incorporadoras nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, o que mostra uma expectativa uniforme das incorporadoras pelo país. “Temos que ser otimistas, não obstante se saiba que o mercado imobiliário historicamente é formado por ondas de altos e baixos que se sucedem com certa regularidade. Mas, atualmente, há a presença de importantes ingredientes: juros baixos nas aplicações financeiras e nos financiamentos imobiliários para aquisição, busca por investimentos que entreguem segurança e estabilidade e, por fim, procura por novos espaços para morar, trabalhar e conviver”, completa.

A construtora Trisul está bastante confiante para o próximo ciclo. Com um aumento de 42% nas vendas no terceiro trimestre do ano, acredita na expansão da sua fatia do mercado em 2021. “Em 2020, manteremos o nosso plano de lançamentos de guidance de R$ 1 bilhão. Para 2021, a expectativa é manter o crescimento médio de 20% ao ano, até chegar a cerca de R$ 1,3 bilhão ou R$1,4 bilhão lançados ao ano, sempre com atuação focada na capital paulista e nas zonas sul e oeste e com imóveis de médio e alto padrão”, afirma Lucas Araújo, diretor de marketing e novos negócios da construtora.

O grupo Cyrela, atualmente composto pela Cyrela, voltada para empreendimentos de alto padrão e luxo, Living, de médio padrão e Vivaz, cujo foco são projetos do Minha Casa Minha Vida, teve doze lançamentos esse ano, excluindo os da Vivaz. “Todo os segmentos tiveram um pacote de ações favoráveis, o que está fazendo o mercado voar”, diz Orlando Pereira, diretor comercial do grupo. Para ele, a maior dificuldade nos próximos anos será a aquisição de terrenos. Além da escassez, o aquecimento do setor faz com que haja elevação nos preços dos que ainda existem, dificultando a composição dos preços.

Retorno

O investimento em imóveis faz parte da tradição brasileira. Com histórico de alta volatilidade da economia, aquisição de bens imobiliários sempre esteve no escopo dos investidores por trazer mais solidez patrimonial. Na última década, porém, houve uma mudança nesse comportamento incentivada pelas atrativas taxas de juros dos investimentos em renda fixa. Até pouco tempo, analistas financeiros aconselhavam a venda de imóveis para aplicar o dinheiro nesses produtos financeiros, que entregavam ao investidor um retorno maior do que aluguéis de imóveis.

Mas o jogo virou e o investimento em imóveis voltou a ser uma excelente opção para quem busca retorno financeiro. Os aluguéis podem render uma média de 0,5 a 0,8% ao mês, dependendo do empreendimento, o que em comparação com a outros investimentos de baixo risco é um ótimo retorno. “Com a taxa Selic em baixa, percebemos maior movimento das pessoas retirando o investimento de renda fixa e colocando em imóveis. Acreditamos que isso vai manter o setor aquecido”, confirma Lucas Araújo, diretor de marketing e novos negócios da Trisul.

Questão interessante é o embate sobre os imóveis de aluguel por curta temporada. Com o crescimento dessas plataformas, passou-se a discutir até que ponto é possível limitar o direito de propriedade das pessoas. Isso porque muitos condomínios não permitem que os imóveis sejam alugados por um curto período de tempo. “A meu ver, exceto se constar nos instrumentos de venda dos imóveis claramente, não seria devido impor restrições às locações dos mesmos por plataformas do tipo Airbnb. Não significa, obviamente, que os condomínios não possam tomar cuidados e instituir procedimentos internos para garantir a segurança e a ordem da coletividade”, finaliza o advogado Lucas Eichenberg.

Mercado reorganizado

Com mais 30 anos de experiência no mercado imobiliário e participando de Conselhos de Administração em diversas empresas e em instituições sociais, Cláudio Carvalho, sócio e vice-presidente executivo da Athié Wohnrath e presidente do Lide Solidariedade, avalia que o momento é de reorganização do setor. “Nosso mercado é cíclico, passamos por um período de estagnação, mas em 2019 ele começou a dar sinais de retomada mais consistente. Em 2020, mesmo com a pandemia, o setor não foi prejudicado. Tivemos um terceiro trimestre muito bom e o quarto trimestre será marcado pelo grande número de lançamentos”, diz.

Sobre as mudanças de comportamento provocadas pela pandemia, Carvalho destaca que realmente houve um aumento significativo pela procura por imóveis de segunda residência fora dos grandes centros, principalmente pelo interesse por mais espaço e conforto. “É um movimento atípico e pontual, não é uma tendência que vai se perpetuar por muito tempo. No entanto, nas capitais, a aquisição de imóveis maiores continua forte, indo na contramão dos apartamentos compactos por exemplo, que eram apontados como tendência anteriormente”, afirma.

Sobre o mercado corporativo, o especialista pondera que o home office não é uma opção que se manterá por muito tempo. “Não sentimos a devolução de lajes ou a perda do interesse por novas construções de torres corporativas. Acompanho muito esse mercado e percebemos que ele já retornou muito forte nos últimos meses com novas obras e projetos”, encerra.