Concessões e marco legal para alteração no modelo de negócio devem impulsionar malha ferroviária brasileira nos próximos anos
Com o plano de conectar as ferrovias aos portos brasileiros, a expectativa é reduzir o custo do transporte e melhorar a eficiência, especialmente do agronegócio, que hoje depende basicamente do modal rodoviário.
Concessões e marco legal devem impulsionar malha ferroviária. (Foto: Divulgação)
Entre os mais de 50 ativos que o Governo Federal planeja conceder à iniciativa privada por meio de concessões, privatizações e renovações, em todos os modais logísticos, o setor ferroviário é o grande destaque deste ano. O objetivo do Ministério da Infraestrutura (Minfra) é duplicar a participação da modalidade na matriz brasileira de transporte, passando dos atuais 15% para 31% em até cinco anos.
Composta por 13 linhas em operação comercial logística, com 29.165 quilômetros de extensão, as ferrovias são responsáveis por apenas 20,7% das cargas transportadas no país, enquanto 61,1% passam pelas rodovias, segundo o mais recente levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Com o plano de conectar as ferrovias aos portos brasileiros, a expectativa é reduzir o custo do transporte e melhorar a eficiência, especialmente do agronegócio, que hoje depende basicamente do modal rodoviário.
“Em comparação a outros países, nossa malha ferroviária tem baixa densidade. Considerando nossa vocação, que é exportar commodities, e nossas dimensões continentais, realmente deveríamos ter 30% do modal na nossa matriz”, afirma Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).
O plano do Governo Federal segue duas frentes principais. De um lado, há a renovação antecipada dos contratos de concessões, tendo como contrapartida investimentos, com base na Lei n° 13.448/2017, originária da Medida Provisória 752/2016. Outra frente de transformação para o setor é o Projeto de Lei do Senado nº 261, de 2020, conhecido como o novo marco regulatório das ferrovias, ainda em fase de tramitação. Ele prevê que a construção de novas ferrovias seja feita por meio de simples autorização, a partir da manifestação de interesse de qualquer empreendedor privado, a exemplo do modelo que já é utilizado no setor de telecomunicações, energia elétrica e portos. Hoje, as ferrovias são construídas no Brasil apenas por meio de concessão pública.
Antecipação
Em fevereiro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter em vigor a lei que dá base ao programa de renovação antecipada de ferrovias, ao julgar o processo apresentado em 2018 pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Assim, as renovações seguem, com destaque para cinco, que somam 13.526 quilômetros de estradas de ferro e devem receber até R$ 25 bilhões em investimentos, em um período estimado entre três e cinco anos, resultando em um aumento do volume transportado em cerca de 70 milhões de toneladas por ano, o que contribuirá para uma redução de aproximadamente 30% dos custos de transporte.
Para este ano está prevista a renovação da concessão Malha Sudeste à MRS. O contrato atual vai até 2026 e inclui 1.643 quilômetros de extensão, passando pelos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, sendo responsável por cerca de 30% de toda a produção ferroviária nacional e 20% das exportações. O plano de investimentos, assim como o conjunto de iniciativas, projetos e ações que estão previstos para os próximos anos, estão em análise pelo Ministério da Infraestrutura e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Após essa etapa, o Plano de Investimentos será encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU), última instância de análise dos projetos.
Segundo Rafael Hipólito, responsável pelo Projeto Renovação da MRS Logística, o processo prevê investimentos que podem superar R$ 7,5 bilhões.
“Os valores serão aplicados diretamente no aumento de capacidade e eficiência, aquisição de material rodante, intensa revitalização da estrutura ferroviária concedida e em obras de interesse público, que irão, entre outras coisas, aumentar a segurança das comunidades que vivem próximas à linha e criar soluções importantes para cidades em que nossa malha está presente”, garante.
Em São Paulo, por exemplo, Hipólito destaca a capacitação da Baixada Santista, a modernização e capacitação do Vale do Paraíba, a construção de dois Polos Intermodais (Mooca e Lapa), a segregação das linhas entre carga e passageiros na Região Metropolitana, o que possibilitará que a empresa reserve faixa de domínio para a implantação, por parte do Governo do Estado de São Paulo, do Trem Intercidades (TIC), além de um robusto portfólio de obras para reduzir as interferências rodo ferroviárias nos municípios.
Também vencendo em 2026 está a concessão da maior linha férrea do Brasil, a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) para a VLI. Sua renovação antecipada está em fase de consolidação das informações recebidas em uma consulta pública, realizada em fevereiro deste ano, devendo seguir para análise do TCU após a publicação do relatório. Principal eixo de integração entre as regiões Sudeste, Nordeste e Centro-oeste, tem mais de 7 mil quilômetros de extensão, passando por mais de 300 municípios, em sete estados (Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Sergipe, Goiás, Bahia, São Paulo) e o Distrito Federal. De acordo com Gustavo Serrão, diretor de operação ferroviária da VLI, a empresa seguirá investindo na implementação de soluções com foco no aumento de eficiência e produtividade.
“Começamos a transformar a logística há apenas 10 anos, construindo terminais, conectando rodovias, ferrovias e portos, e injetando uma grande dose de eficiência ao sistema. E espera seguir protagonista no setor, conectando clientes a soluções logísticas adequadas para os seus negócios”, afirma.
Além de administrar a Ferrovia Centro-Atlântica, a VLI também faz a gestão do tramo norte da Ferrovia Norte-Sul e integra terminais integradores dispostos ao longo das respectivas malhas; opera diretamente em portos, com empreendimentos próprios como o Terminal Integrador Portuário Luiz Antônio Mesquita (TIPLAM), um importante ativo localizado em Santos, Terminal Marítimo Inácio Barbosa (TMIB), em Sergipe, Terminal Portuário São Luís, no Maranhão e presença no complexo de Pecém, no Ceará; além de agenciar operações em outros terminais, como no caso do Terminal de Produtos Diversos, Terminal de Praia Mole e Terminal de Granéis Líquidos no Complexo de Tubarão, no Espírito Santo.
Outras antecipações estão em estudo, como a Malha Sul, cujo Plano de Negócios, com investimento previsto em R$ 10,3 bilhões, está sendo elaborado pela Rumo para entrega à ANTT. São mais de 7 mil quilômetros de extensão passando por Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Fernando Paes, da ANTF: modal ferroviário deve ser mais de 30% na matriz. (Foto: Divulgação)
Renovações
Com 1.989 quilômetros de extensão entre Santa Fé do Sul, em São Paulo – na divisa com o Mato Grosso do Sul – e o Porto de Santos, a Malha Paulista já teve a sua concessão renovada por mais 30 anos, em maio do ano passado. Originalmente, o contrato venceria em 2028. Em contrapartida, serão investidos mais de R$ 6 bilhões em obras, trilhos, vagões e locomotivas, o que aumentará sua capacidade de transporte de milho, soja, açúcar, farelo de soja, álcool, derivados de petróleo e contêineres, dos atuais 35 milhões para 75 milhões de toneladas, podendo chegar aos 100 milhões de toneladas.
No final do ano foi a vez da antecipação da renovação das concessões da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), ambas à mineradora Vale, que venciam em 2027 e passam a vigorar por mais 30 anos. Nesse período, a companhia deve investir R$ 24,7 bilhões, distribuídos entre a implantação da infraestrutura e superestrutura ferroviária do trecho EF-354, compreendido entre os municípios de Mara Rosa, em Goiânia e Água Boa, no Mato Grosso, com cerca de 383 quilômetros de extensão, ampliação do serviço do trem de passageiro e obras de melhoraria da segurança da malha, além de R$ 300 milhões na compra de trilhos e dormentes destinados à Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) – um investimento cruzado permitido pela lei 13.448, considerado uma novidade nos contratos de concessão.
Novos projetos
O crescimento da malha ferroviária também se dará por novas ferrovias, incluindo um projeto greenfield, que devem somar mais 3 mil quilômetros à malha nacional. Um deles é a Ferrovia Norte-Sul (FNS). Primeira concessão depois de 10 anos, os cerca de 1550 quilômetros , dos tramos central e sul da ferrovia, que ligam Estrela D’Oeste, São Paulo, a Porto Nacional, no Tocantins, está sob a gestão da Rumo por 30 anos, após arremate em leilão, realizado em março de 2019, tendo como contrapartida o investimento de R$ 2,7 bilhões. Em março deste ano, foi liberado um trecho de 172 quilômetros, que facilitará o escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste para o Porto de Santos.
A previsão é que a ferrovia chegue a 4.100 quilômetros de extensão, passando por diversos estados, como Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Tocantins, ligando Belém do Pará ao Rio Grande, no Rio Grande do Sul. O tramo norte da ferrovia, com 720 quilômetros de extensão, é gerido pela VLI.
O primeiro trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), de Ilhéus a Caetité, ambas cidades baianas, com 537 quilômetros, teve sua subconcessão arrematada em leilão realizado no início de abril pela Bahia Mineração S/A (Bamin), que será responsável pela finalização dos 20% restantes da obra e operação do trecho – um investimento de cerca de R$ 1,6 bilhão. Ao todo, em contrapartida ao contrato de 35 anos, a empresa deve investir R$ 3,3 bilhões. De acordo com a ANTT, a expectativa é de que a FIOL 1 comece a operar em 2025, já transportando mais de 18 milhões de toneladas de carga, entre grãos e, principalmente, o minério de ferro produzido na região de Caetité.