Vamos parar de chamar a crise climática de problema ambiental?

A crise climática, se não endereçada, trará profundas mudanças na vida na Terra em 2.100, ano em que meus quatro filhos estarão vivos. Então é problema meu. E seu.

foto FA altaFabio Alperowitch, sócio-fundador da FAMA Investimentos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Vamos combinar? Olha quanto problema de comunicação em um assunto tão sério...

Inicialmente a “crise climática” era chamada de “aquecimento global” que, ainda que seja cientificamente correto, foi uma péssima ideia. Para aqueles que vivem no gélido hemisfério norte, um clima um pouco mais quentinho seria até mesmo desejável. Ao mesmo tempo, eventos de frio intenso, como recentemente observamos no Texas e que paradoxalmente são causados pelo aquecimento do planeta, acabam por dar combustível aos negacionistas de plantão para questionarem a ciência.

O segundo ponto a ser observado é a questão semântica, de sujeito e de tempo verbal. Durante anos tratou-se a questão como se fosse uma preocupação futura: “se não agirmos agora, o planeta não sobreviverá no futuro”. Errado. O planeta sobreviverá. Quem não sobreviverá seremos nós: quando se trata do “planeta”, leva-se a uma impessoalidade e deixa de ser um problema nosso.

E, sobre a questão de futuro, outro erro. Futuro é um termo abstrato. As pessoas tendem a não se preocupar com algo que seja tão longínquo. A crise climática, se não endereçada, trará profundas mudanças na vida na Terra em 2.100, ano em que meus quatro filhos estarão vivos. Então é problema meu. E seu.

Contudo, o ponto mais relevante é seguir classificando a crise climática como um problema ambiental... Trata-se de um problema muito mais social do que ambiental e deve ser tratado como tal. Sem fazer juízo de valor, há muita gente que vê as questões ambientais em segundo plano em relação às sociais e, por isso, dá pouca importância à crise climática, o que é um erro grotesco.

Todos os esforços e compromissos que temos observado a partir do Acordo de Paris objetivam que o planeta aqueça “apenas” 1,5oC, cenário este que tem se mostrado cada vez mais desafiador.

Na hipótese de o planeta aquecer 4oC, por exemplo, a produção americana de grãos poderia cair pela metade. China, Argentina e Brasil perderiam 20% de sua produção. Poderíamos, eventualmente, nos encontrar em um déficit alimentar mundial, necessitando de mais calorias do que o planeta é capaz de produzir. Teríamos, nesse cenário, que lidar com as consequências sociais de um mundo com fome.

Em 2020, as chuvas torrenciais inundaram um terço de Bangladesh, causando a necessidade de deslocamento de mais de 2 milhões de pessoas e matando mais de uma centena. Essa foi uma pequena demonstração da consequência social da elevação do nível dos mares em função das mudanças climáticas.

Dependendo do cenário, fala-se em uma elevação de um a dois metros no nível do mar até o fim do século, impactando severamente populações em todo o globo. No livro “The Water Will Come”, o autor Jeff Goodell chega a afirmar que nações inteiras, como Maldivas e ilhas Marshall, a maior parte de Bangladesh, toda Miami Beach, a basílica de São Marcos de Veneza e a Casa Branca, sede do governo americano, submergirão se nada for feito.

Na hipótese de Goodell ter razão, a perda da basílica ou da Casa Branca são icônicas, mas há de se considerar que Bangladesh tem uma população de 160 milhões de pessoas. Como resolver essa questão?

Não paramos por aí. Muito se debate acerca das consequências sociais na Europa oriundas dos refugiados sírios, que fogem de seu país por conta dos conflitos causados pela Guerra Civil, provocando mudanças na relação de emprego e moradia, e levando a xenofobia e islamofobia. Importante pontuar: a Europa recebeu cerca de um milhão de refugiados sírios.

Segundo um estudo do Banco Mundial, se nada for feito, as estimativas são de 143 milhões de refugiados do clima, sendo a maioria da África subsaariana, cerca de um terço do sul da Ásia e o restante da América Latina. Relevante ainda ressaltar: se um milhão de refugiados sírios trouxeram impactos sociais à Europa, como lidaremos com uma questão 150 vezes maior?

A questão principal aqui não é ater-se aos números. Pouco importa debater qual percentual da produção de grãos será perdida a partir da mudança climática, quais populações serão submersas ou qual a estimativa correta de refugiados do clima.

O cerne da questão é passarmos, de uma vez por todas, a entender que este é um gravíssimo e urgente problema social que, infelizmente, não tem solução possível se for atacado tarde demais. Toda esta cobertura midiática que tem sido feita em torno da questão não é mimimi. Ao contrário, é até suave demais. Não há tempo. 

Artigo originalmente publicado na edição de março/2021 da Revista Poder.