Bioinsumos: conceitos, potencial e desafios no Brasil
O Brasil tem a oportunidade de avançar no mercado de insumos biológicos e tornar sua agricultura mais independente. Mas esse é um negócio ainda embrionário, que exige cautela.
Bioinsumos atuam como agentes biológicos de controle ou produtos para a fertilidade e a nutrição da planta. (Foto: Divulgação)
A possibilidade da falta de fertilizantes em função da crise energética em 2021 e do início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia despertou a urgência de reduzir a dependência externa do Brasil. O país é o 4º consumidor mundial de fertilizantes, mas o maior importador, trazendo de fora 85% de suas necessidades desse insumo. Apesar de essa dependência ser histórica, nunca representou um risco para a produção agrícola nacional.
Nos últimos 10 anos, porém, o consumo de fertilizantes aumentou enormemente com o aumento da produtividade, da segunda safra e da integração lavoura-pecuária, mas o custo do produto também cresceu, colocando em alerta esse motor da economia nacional. Em momento de alta vulnerabilidade, como agora, passa-se a olhar com maior atenção alternativas como o uso de rochagem e remineralizadores, que reduzem a necessidade de fertilizantes com o tempo, e bioinsumos.
Esse movimento vem ao encontro de uma tendência, já em curso, de utilização de matérias-primas e insumos biológicos (não sintéticos), com origem mais amigável ao meio ambiente e à saúde animal e humana dentro de uma concepção de agricultura mais sustentável e que não se circunscreve aos fertilizantes, englobando principalmente a proteção de cultivos (como o controle biológico), a nutrição e a saúde animal, entre outras classes de produtos.
Embora os insumos biológicos acompanhem a humanidade ao longo da história, “bioinsumo” é um conceito que foi adotado oficialmente no Brasil com o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos em maio de 2020, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O objetivo desse programa foi impulsionar a utilização de recursos biológicos na agropecuária brasileira, aproveitando a biodiversidade do país e reduzindo a dependência de insumos importados. Considera-se bioinsumo qualquer produto, processo ou tecnologia de origem biológica — animal, vegetal ou microbiana — para uso na produção, no armazenamento ou no beneficiamento em sistemas agrícolas, pecuários, florestais e aquáticos.
Na produção vegetal, os bioinsumos atuam como agentes biológicos de controle ou produtos para a fertilidade e a nutrição da planta. Os agentes biológicos de controle são defensivos agrícolas naturais destinados a manter a sanidade das plantas a partir do controle de pragas, insetos e doenças daquela planta, por meio de técnicas de controle biológico que identificam, avaliam e utilizam organismos benéficos como estratégia no Manejo Integrado de Pragas (MIP). Neste caso, podem ser utilizados agentes biológicos (insetos, ácaros e nematóides), microbiológicos (microrganismos vivos de origem natural, como fungos, bactérias, vírus e protozoários), semioquímicos (feromônios e aleloquímicos) ou produtos bioquímicos (hormônios, reguladores de crescimento e enzimas).
Em relação à fertilidade e à nutrição das plantas, os insumos biológicos impactam positivamente o manejo e a manutenção da capacidade do solo, trazendo melhorias nos processos físico-químicos e biológicos, impulsionando a sustentabilidade e, inclusive, a regeneração dos sistemas de produção. Fazem parte desse grupo os inoculantes, biofertilizantes e bioestimulantes de solo.
Enquanto os inoculantes funcionam por meio da associação de microrganismos às raízes das plantas em uma relação de simbiose, intensificando o processo natural de fixação biológica do nitrogênio (FBN) capturado da atmosfera e transformado em forma absorvível pelas plantas. Esse processo diminui e pode até mesmo eliminar a necessidade de adubos nitrogenados, levando à redução dos custos de produção, além de diminuir o impacto ambiental, uma vez que o nitrogênio é absorvido do próprio ecossistema. Os biofertilizantes ampliam os microrganismos benéficos ao solo, auxiliando na estabilidade e na capacidade do solo em sustentar o crescimento e a produtividade das culturas. Além disso, os biofertilizantes causam menor impacto ambiental, por não serem tóxicos ou poluentes.
Temos também os bioestimulantes, que potencializam os processos fisiológicos das plantas, resultando em maior produtividade, por atuar no equilíbrio hormonal da planta e na divisão das células vegetais, melhorando o sistema de defesa, aumentando sua resistência, ou capacidade de suportar um período de déficit hídrico mais alto, devido ao aumento da capacidade de absorção de água e nutrientes, favorecendo o seu crescimento.
No aspecto ambiental, os bioinsumos estimulam a regeneração da terra, agregando vida ao solo, ao gerar maior equilíbrio de microrganismos benéficos que protegem as raízes, oferecendo, assim, uma barreira aos fitopatógenos que causam danos à cultura e prejuízos aos produtores. Em termos econômicos, levam à redução da dependência de insumos importados, desvinculando, parcialmente, os custos dos produtores da variação do dólar e do custo de transporte internacional. Com isso, contribuem para a sustentabilidade da agricultura, uma vez que trazem vantagens econômicas, ambientais e sociais.
O mercado brasileiro de bioinsumos se aproxima dos 2 bilhões de reais por ano. De acordo com um estudo realizado pela Spark Inteligência Estratégica, o forte ritmo de crescimento em biológicos, da ordem de 40% ao ano, vem ocorrendo desde 2018, tendo movimentado na safra 2020/21 aproximadamente R$ 1,7 bilhão no país, um aumento de 37% na comparação com o ciclo anterior.
Ainda não há um número fechado, mas a estimativa de especialistas do mercado é um crescimento por volta de 42% a 45% nessa última safra. De acordo com a CropLife, esse mercado deve triplicar até 2030. Apesar do aumento, o segmento ainda representa apenas 3% do mercado total de produtos utilizados pelos produtores para a proteção de cultivos.
Num momento em que se discute segurança alimentar no mundo, mas que também são cada vez mais frequentes as emergências causadas por agentes microbiológicos, é fundamental considerar tais tecnologias verdes. Porém, a questão da segurança biológica deve ser prioritária. Ao mesmo tempo que se amplia o uso de bioinsumos, crescem os questionamentos sobre sua forma de produção, principalmente no que diz respeito à produção on farm, ou seja, a produção local, feita pelo agricultor.
Por ser um país biodiverso, o Brasil tem potencial enorme para avançar em bioinsumos e tornar nossa agricultura mais independente, porém, isso só se realizará com segurança no processo. Temos na área de defensivos biológicos uma oportunidade inédita de construir riqueza na agricultura. Há uma quantidade enorme de novas empresas e novas pesquisas, em um negócio cujas fronteiras ainda são desconhecidas e que por isso deve ser tratado com muito cuidado.
Esse mercado precisa ser regulado de forma ideal, com rigor e segurança na produção de bioorganismos e de cepas, proteção à indústria que inova, com isonomia competitiva, observando as condições de controle de rastreabilidade, descarte e controle ambiental, além do cuidado com o uso de produtos biológicos para que não se contaminem os alimentos.
O governo precisa garantir o direito da produção on farm com ponderações técnicas e registros dos produtores, registro de cepas de referências, via programas de bioinsumos do MAPA e auxílio na construção de parcerias e ações estratégicas, com viés de capacitação dos produtores para coibir amadorismos. A adoção de boas práticas de produção, com garantia de uma estrutura mínima, para a segurança do produtor e dos demais, é fundamental. Para isso, é necessário que a questão regulatória seja mais bem definida.
Microrganismos não são plantas e precisam de uma série de condições para serem reproduzidos. Difícil imaginar que produtores sem treinamento conseguiriam estabelecer a produção e garantir a segurança. É indispensável que eles tenham suporte de uma boa assistência técnica. Além disso, é fundamental ter a maturidade institucional para encaminhar adequadamente os riscos envolvidos com sua produção. O país precisa estar preparado para não desperdiçar essa grande oportunidade.
Fonte: Insper Conhecimento