Rubens Ometto: Cosan, Volkswagen e Bosch planejam novo veículo sustentável
Presidente do Conselho de Administração do Grupo Cosan fala sobre trajetória e perspectivas dos setores de energia, logística e infraestrutura.
Rubens Ometto, presidente do Conselho de Administração do Grupo Cosan. (Foto: Divulgação)
Aos 71 anos, Rubens Ometto Silveira Mello revela a sua trajetória à frente do Grupo Cosan. O empresário descreve qual o perfil ideal de um empreendedor e aproveitou para resumir seu próprio perfil: “Desde garoto, fui uma pessoa que não aceitava as coisas impostas”. Essa característica fez dele um “Inconformista”, conforme Agnaldo Silva, que o descreveu e deu nome à sua biografia autorizada. O Grupo Cosan, que incorpora as companhias Raízen, Comgas, Moove e Rumo, são todas lideradas pelo empresário, que espera que a família dê continuidade à gestão de sucesso.
Com passar dos anos, surgiram desafios, divergências e mudanças. Um passado que, na visão do empresário, condiz com aprendizado e fôlego para continuar administrando uma empresa, que ampliou alcance a outros segmentos de energia e na área logística, e que se consolidou como uma das companhias de grande importância nas gerações de renda e emprego para o país. Reveja a entrevista em vídeo ou em podcast ao final da página.
Acabei de ler seu livro “O Inconformista” lançado recentemente. Pode me dizer por que você escolheu esse título?
Esse título surgiu graças ao Agnaldo Silva [autor de novelas], que escreveu o livro. Fui contando toda minha história a ele e, no decorrer da conversa, a gente passou a discutir qual seria o título ideal. Penso que ele interpretou muito bem a minha personalidade, vide o nome da obra. Sempre fui uma pessoa que nunca aceitei as coisas porque elas são impostas e tenho meu jeito racional de ser. Me considero um inconformista por não aceitar as coisas como elas são. Sempre topei desafios e gosto de pensar na criatividade como forma de superar obstáculos e para produzir coisas melhores.
Você nasceu numa família de usineiros. Isso começou com seu avô à frente da fábrica e, agora, você continuou nesse mesmo segmento. Você chegou a ter dúvidas de que esse era teu caminho? Já pensou em investir em algo diferente?
Sempre fui dedicado. Reconheço-me como uma pessoa que gosta de empreender e estudar sobre negócios de outros segmentos. Mas, fui aos poucos... Depois que me formei, coloquei em mente que eu seria alguém independente em conceitos e iniciativas. Fiquei nesse ramo porque vi um caminho de futuro na nossa empresa. A companhia é muito boa porque existe um comando equilibrado. Porém, houve situações no passado que não foram agradáveis. Tive divergências e até percebi certas injustiças no âmbito familiar. Por essas razões é que decidi fazer um caminho solo e dediquei um tempo fora da empresa, depois retornei. Daí em diante, segui firme com meu próprio modelo de gestão e continuo assim.
E aí você foi trabalhar em outro grupo...
Depois que me formei, sim. Obtive experiência na Votorantim, então, depois voltei para o grupo Cosan. Com meu retorno, comecei a desenvolver e aplicar no setor sucroalcooleiro uma série de medidas e decisões que antes não eram comuns no setor. Não foi um período fácil, houve muitos desafios. Era tudo “amarrado” ao governo e não me conformava com isso. Foi daí que passei a questionar algumas coisas. Por exemplo, não fazia sentido privatizar a logística do açúcar. Sempre bati o pé contra isso.
Olhando para trás, você teria feito tudo diferente de como agiu no passado?
Não. Eu faria tudo exatamente como fiz, porque os conceitos e a maneira que eu achava que uma empresa tinha que ser administrada foram ao meu modo. Tive que lutar para conseguir empurrar muitas mudanças que nem todo mundo aceitava, tive até divergências com meus primos, nesse percurso de embate de ideias. Mas foi tudo resolvido, vide que essa questão foi tranquila meus irmãos e graças a Deus, tudo foi resolvido. E hoje nós temos um relacionamento muito bom. Até porque, olhando para trás, como você disse, o grupo estava indo numa direção de incertezas e riscos financeiros. Sorte que isso passou e conseguimos seguir no caminho certo.
Você inclusive conseguiu aumentar a lucratividade do grupo Cosan nos últimos anos...
Sim, o que é saudável. Hoje, nosso grupo tem patrimônio sólido, trabalhamos sempre pensando na independência, na parte financeira. Mas não só isso, porque às vezes você resolve a parte financeira, mas você não supera a parte emocional. Graças a Deus, eu confesso a você que tenho um ótimo relacionamento com gestores e pessoas vinculadas ao grupo, isso é importante. E digo mais: tenho muito prazer de trabalhar com todos eles. Também sou um cara muito família, gosto de relembrar de bons momentos e conversar. Nesse sentido, eu me dou muito bem tenho muito prazer em conversar com todo mundo e tem contato dois irmãos que somos muito ligados.
Pensando no futuro, você implantou algum sistema dentro da empresa para os novos herdeiros?
Nosso grupo é totalmente controlado por mim. Tenho duas filhas, um genro e cinco netos. Estou organizando um sistema de partnership [parceiros; pessoas de confiança] com meus herdeiros e posso dizer que eles são meus sócios nos negócios, porque ninguém controla nada sozinho.
Qual são as principais qualidades que você observa numa pessoa que deseja trabalhar no grupo Cosan?
Essa pessoa precisa ter conhecimentos técnicos, ter visão empreendedora e conhecedora na parte de finanças – isso é importantíssimo. Sem esquecer do comprometimento, pois esse candidato ou candidata precisará ter um perfil participativo, acompanhando de perto toda a empresa e seus processos. Tem que ser alguém criativo também, né? Além de nutrir várias habilidades e conhecimento em informática, novas tecnologias, ter inteligência emocional. Enfim, são habilidades e características que fazem dessa pessoa um líder preparado para integrar a equipe do grupo.
Na área de atuação do grupo Cosan, o tema a sustentabilidade é considerado algo muito pertinente? O que a sua companhia tem feito para contribuir com isso?
Estamos investindo na produção de álcool de segunda geração, você faz da palha da cana ou do bagaço da cana uma fonte de combustível. Isso significa que aumentamos a produção de etanol sem aumentar o plantio de cana a área plantada. Essa é uma iniciativa de escala industrial, é um método que incorporamos quando fizemos a associação com a Shell.
E o álcool de segunda geração é um produto bom e que gera menos impactos negativos ao meio ambiente...
Sim e polui muito menos. Todos querem comprar ou criar produtos que têm um ágio no mercado internacional. Além disso, estamos ampliando a produção de gás de biomassa. Esse é mais outro investimento em sustentabilidade. Tem muita coisa que dá para ser feita, em relação a cana-de-açúcar. Investimos assiduamente em pesquisas com a finalidade de sermos sustentáveis. Pensamos em investir em carros elétricos futuramente, pensando numa infraestrutura adequada, como autonomia e tempo ágil de carregamento da bateria. Porque a eficiência do motor elétrico é muito grande mesmo. Mas, existe o problema do descarte correto das baterias, gerando consequentemente mais poluentes. A poluição é um tema que nos preocupa. A Raìzen, uma das empresas ligadas ao nosso grupo, lida com energia e faz o “sequestro de carbono” em maior volume que a Tesla, por exemplo.
Você considera que a Tesla é boa em Publicidade então?
Eles são ótimos, não só nisso. Reconheço que estão provocando o mundo para que peguemos o caminho rumo à sustentabilidade, algo positivo? Com certeza. Mas o marketing deles é bem-organizado sim.
Bom, a intenção de vocês é produzir um veículo sustentável. Em que andamento está esse projeto?
A tecnologia já existe, basta que a desenvolva. Temos conversado com a Volkswagen e Bosch, que estão interessadas nesse projeto. Assim que tiver novidades, comentaremos mais a respeito.
A indústria canavieira sempre foi considerada como grande vilã, devido à poluição causada pela queima da cana. Quando é que caiu a ficha e o grupo pensou ‘temos que fazer isso de outro jeito’? Isso levou foi muito tempo?
Praticamente nasci em uma usina de açúcar. Era de uma época em que as queimadas de cana eram usuais, era o método da época para se obter outras matérias-primas. Olhando para trás, esse processo é praticamente uma fonte de energia sendo jogado fora, sem falar da ausência com cuidados com os poluentes na atmosfera. Isso é passado. Na minha gestão, me atualizando sobre novas práticas sustentáveis no mercado. Fiz uma parceria com uma empresa holandesa para estudar alternativas sobre as queimadas. Graças as essas pesquisas, aderimos ao protocolo do Estado de São Paulo para reduzir as queimadas. Hoje, já não fazemos mais isso nos moldes de antigamente, o que é uma vantagem para quem é responsável pelo setor operacional (corte) e, ao mesmo tempo, extrai a palha da cana no aspecto ideal, que pode ser utilizada para produzir o etanol de segunda geração e para produzir energia elétrica. Utilizando recursos avançados para se obter essa palha e que geram menos poluentes.
Qual será a próxima transformação, pensando nos próximos dez ou vinte anos? Além disso, acha que a pandemia impactará de que forma no futuro?
A pandemia acelerou muito esse processo de mudanças. Acho que as pessoas passaram dar mais valor para a sustentabilidade e preservação ambiental, acredito. Talvez devido à divulgação dos estudos científicos e o que pode ter ocasionado a mesma pandemia. Porque antes disso, pouco se falava sobre as questões ambientais. Agora, esse cenário é diferente. Todo mundo fala do etanol, um dos nossos carros-chefes, é uma fonte limpa, sendo melhor que a gasolina. As novas gerações de empresários de hoje, também estão atentas à redução de impactos negativos ao meio ambiente e passaram a se preocupar mais com fontes de energia limpa. Isso agrega a novos conceitos, tecnologias e revoluções, pensando nos benefícios daqui a vinte ou trinta anos, como você mencionou.
Voltando ao assunto Tesla, comandada pelo Elon Musk. Ele não parou só nos carros elétricos, ele quer que as tecnologias da empresa cheguem até o universo. Esse tipo de ambição te inspira?
Não posso afirmar que faremos uma chegada no universo. Mas, a gente trabalha passo a passo, aproveitando as oportunidades que aparecem também, com foco em criatividade e liderança. Analisamos as condições propícias de fazermos projetos maravilhosos. Desde as ferrovias até a distribuição de combustíveis, com logística avançada. Desafios que você vai consolidando e tendo resultado, mas leva tempo e tem que haver paciência. E isso vai nos motivando a usar novas ideias a nosso favor. Tudo por si só nos inspira no decorrer das realizações.
Você comentou sobre ferrovias, isso por si só é um desafio para um país que investiu e optou pelo sistema rodoviário, e corre atrás do prejuízo. Quais são os obstáculos que a empresa Rumo tem nesse sentido?
A Rumo tem esse desafio sim, mas a empresa está cumprindo o papel dela, diante dessa realidade. Porque, até então, as poucas ferrovias que a gente tinha não eram bem administradas. Hoje, a situação é diferente. Atualmente, conseguimos melhorar a logística do transporte de açúcar, daí uma coisa foi puxando a outra. Cada vez mais, investimos na nossa infraestrutura logística e em outros setores ligados as nossas empresas, não importa os desafios. Diminuir o custo de logística já é algo proveitoso, pois você leva o desenvolvimento para o restante do país. Temos outros projetos e vemos que o ministro Tarcísio Freitas está trabalhando para ampliar a malha ferroviária brasileira e estamos participando ativamente disso, com diálogo.
O que você pode comentar sobre a balança comercial brasileira?
Temos problemas e ausência de reformas que têm que ser feitas urgentemente. É momento de correr atrás do prejuízo por coisas que não foram feitas e que deveriam ter sido realizadas no passado. Falo isso pensando nas legislações brasileiras vigentes. Há muita coisa que tem que ser melhorada para aumentar a produtividade e equilibrar isso com melhores condições de trabalho. Para começar, é necessário fazer uma reforma tributária.
Desde que eu entrei no jornalismo, isso há 30 anos, ouço falar da reforma tributária.
E ninguém a fez. Vai e volta à pauta. Depois, a iniciativa fica engavetada. A reforma administrativa também acabou sendo deixada de lado. Aí, você pensa: tem todo um país para ser arrumado, mas será preciso que o judiciário, legislativo e o executivo conversem entre si para que essas mudanças ocorram. É praticamente impossível não falar de reformas sem entrar em política, porque vivemos em um sistema democrático. Por isso também, que nós empresários, procuramos sempre dialogar e passar nossas opiniões com o setor político, a fim de trocar ideias e tentar incentivar o desenvolvimento econômico do nosso país, e simplificar certos processos burocráticos.
Qual é o papel do empresário na política? Você acredita que o empresário deve entrar na política?
A política faz parte da nossa vida, de maneira ampla. Você tem que ser político no seu casamento, tem que ser político com seus filhos, fazer política na família, na empresa. Afinal, a vida não é simples e lidamos com várias pessoas no dia a dia. Porém, o empresário não tem condição de ser um político no aspecto de ser candidato e ser gestor da empresa ao mesmo tempo. Ou ele é uma coisa ou outra. Um empresário tem que apoiar os bons políticos, principalmente aqueles que sinalizem realizar ações positivas ao coletivo. Um empreendedor tem que apoiar os bons governantes para que o país vá para a direção certa. O empresário não tem que se meter tão afundo, como potencial candidato a um cargo público, mas tem que se envolver sim no campo de troca de ideias para um país melhor. E, caso este empresário decida-se candidatar, ele ou ela deverá sair do cargo cujo esteja administrando na empresa.
Como isso já aconteceu...
Não se pode misturar as coisas. Foi quando o Doutor Antônio Ermírio de Moraes, que se demitiu da Votorantim para se candidatar ao governo de São Paulo, na década de 1980. O empresário tem que exercer sim a atitude política, pois os políticos precisam da visão pragmática dos empresários e um feedback a respeito de como fazer boas gestões. E, por parte do lado empresarial, os empreendedores têm que apoiar os bons políticos. Porque infelizmente temos vilãos e mocinhos nessa história.
Gostaria que você deixasse aqui uma mensagem positiva ao nosso telespectador nestes tempos tão desafiadores.
No nosso país, a gente se vê em um momento difícil, devido a pandemia. Infelizmente, estamos um pouco atrasados na imunização da população. Espero que já no começo do próximo semestre deste ano, sobrem vacinas e que essas doses cheguem aos brasileiros. Isso, consequentemente, pode aumentar a velocidade de vacinação no Brasil, vai ser ótimo. Tendo nossa população vacinada, a nossa economia voltará mais forte. Outro ponto que temos que analisar é a dedicação da Indústria Farmacêutica e a ciência, que demonstraram uma resposta fantástica e rápida diante do combate à pandemia. E no âmbito político, espero também, que até esse período que mencionei, certas questões sejam corrigidas, aí pronto. Teremos tudo para trabalhar para um país melhor. Sou brasileiro, amo o nosso país e estou pronto para continuar com os novos projetos, que, quando amadurecerem, espero contar a todos como serão feitos. Quero contribuir cada vez mais para um Brasil melhor com energias renovadas.