Roberto Giannetti da Fonseca: o cidadão brasileiro implora hoje para que as autoridades tenham espírito público

O empresário e economista Roberto Giannetti da Fonseca faz uma análise dos desafios do país, avalia as reformas estruturantes necessárias e pondera sobre as perspectivas para o momento pós-pandemia, com a retomada da economia e o novo pleito.

roberto-giannetti-da-fonsecRoberto Giannetti da Fonseca, economista e empresa. (Foto: Reprodução)

Além de vasta atuação no setor privado, ele foi secretário-executivo da câmara de comércio exterior no governo Fernando Henrique Cardoso e diretor de Relações Internacionais e Comex da Fiesp.

Nessa entrevista para Sonia Racy, no Show Business, o empresário e economista Roberto Giannetti da Fonseca analisa os desafios do país, as reformas estruturantes e avalias perspectivas para o momento pós-pandemia, com a retomada da economia e o novo pleito.

Vou começar com uma pergunta básica: o que você acha do furo do teto de gastos?

O episódio lamentável. Sônia, eu acho que perdeu a credibilidade da disciplina fiscal que nós precisamos ter para melhorar a estabilidade macroeconômica do Brasil, porque o teto de gastos dava uma segurança de gasto público, de limite de gasto público, que criava no mercado uma sensação de credibilidade do governo. Do ponto de vista do equilíbrio das suas contas, ou seja, não vai gastar muito mais ou mais do que arrecada.

E a imagem do Brasil fica prejudicada tanto aqui quanto lá fora.

Um exemplo simples assim para as pessoas entenderem como, por exemplo, estão um limite no cheque especial. Todo mundo tem. Você sabe que você pode gastar até 10 mil ou 15 mil. Um número qualquer fora do seu saldo na conta corrente. Se você passa desse limite e gasta quanto quiser, fica o descontrole. É um cheque em branco. É isso que o governo está fazendo agora, a não ser um cheque em branco. Vamos gastar quanto quiser.

Agora, você é contra o auxílio?

Claro que não. O auxílio é muito necessário, por quê? Porque as pessoas estão aí miseráveis, com fome. Nós temos um problema social no Brasil gravíssimo. Ainda mais nesse período pós pandemia, que temos 14 milhões de desempregados. E isso Sônia há mais de cinco, seis anos. Desde a crise da Dilma, não resolvemos o problema do desemprego no Brasil. Esse é um problema que está ficando endêmico. Então, eu acho que é um problema que tem que ser atacado, sim. O Auxílio Brasil de forma assistencial e temporária, acho que não pode ser permanente, dando a essas pessoas uma condição, uma dignidade mínima de vida. Não passar fome pelo menos.

A fórmula para isso foi errada?

Foi errada. Não pode vindo do furo do teto dos gastos e muito menos do calote nos precatórios. Eu acho que tinha que vir de redução de despesa, de redução dessas emendas secretas, que não tem sentido nenhum vincular na mesma PEC as emendas de relator, sem transparência, com o Auxílio Brasil. São coisas totalmente incompatíveis. Uma com total mérito, legitimidade e outra até inconstitucional, antidemocrática. Então eu acho que está muito errado. Essa forma como o governo Bolsonaro e o Congresso estão.

Existe essa separação dentro de um caixa de governo, porque para o telespectador que está aqui nos ouvindo em casa é uma caixa só, não é?

Veja, o orçamento tem essas rubricas. Você tem que você tem a autorização são para gastar dentro daquelas rubricas do orçamento. E aí, o dinheiro, como se fala na linguagem técnica, ele é empenhado para aquela despesa. Então, sim, existem uns limites para cada item de despesa que o governo vai fazer. E então eles colocaram o Auxílio Brasil. Mas de onde vou tirar o dinheiro? Como é que eu vou incluir no orçamento? Então o que é que ele fez? Não pagou precatório. Só que não pagar o precatório é outra perda de segurança jurídica e credibilidade para o governo, porque o precatório, que é o precatório? É uma sentença final, julgada, transitado em julgado e que o governo então é obrigado, ordenado pela Justiça, pelo Poder Judiciário, a pagar aquela pessoa que tem a receber, muitas vezes até também pessoas pobres. Não pensem que precatório é só o dinheiro de gente rica, não, tem milhares, milhões de seguidores que têm precatório.

85% dos precatórios são alimentícios. Mas esses 85%, o governo não está garantindo pagar?

Não. Ele está dizendo que vai dar um tratamento preferencial, mas de novo é inconstitucional, porque se tem um tratamento tem que ser isonômico. Isso tem que ser isonômico. Inclusive tem até fila no precatório. Então, enfim, eles estão inventando maneiras de não pagar precatório. Eu acho que isso é muito ruim, porque de novo é quebra de contrato e quebra de segurança jurídica. É um sinal muito ruim para a sociedade, quer dizer, a relação do governo com o cidadão contribuinte. Aliás, esse nome contribuinte é um nome até meio esquisito, porque ninguém faz por contribuição. O imposto é imposto. Mas o contribuinte ele quando não paga, ele tem multa tem bloqueio de conta e penhora online etc. Quando o governo não paga o governo, ele simplesmente fala não vou pagar, vota uma lei para mudar, dizer que não é obrigado a pagar e descumpre uma ordem do Poder Judiciário. Isso, no nível institucional, é muito ruim. Por isso que cria intranquilidade e incerteza no mercado. Aí sobe a taxa de câmbio, sobe a taxa de juros, volta a inflação. Isso tudo porque o câmbio transmite para inflação. Então, isso tudo traz componente. Por que a inflação está mais alta no Brasil do que em outros países? Não é só pelo aumento dos preços das commodities, é, também, pela incerteza, pela intranquilidade, pelo conflito que tem sido quase que permanente entre os três poderes e entre o Estado e os cidadãos.

Qual o outro caminho, fora os precatórios, você usar os precatórios para isso, existe para o governo conseguir pagar esse auxílio? Você vê dentro do orçamento alguma coisa que possa ser feita? Você consegue acelerar as privatizações? Não sei, de onde sai esse dinheiro porque as pessoas não podem morrer de fome também.

Mas não há nenhuma dúvida a respeito disso. Eu acho que o Auxílio Brasil é uma prioridade. Como poderia, mudou o nome, mas poderia ser o Bolsa Família, poderia ser Auxílio Emergencial.

Aliás, o Bolsa Família se iniciou no governo Fernando Henrique.

O Bolsa Escola, com o Paulo Renato.

Que era uma coisa menor.

E condicionada, que era muito bom, porque só ganhava se levar o filho para a escola. Então tinha um custo-benefício muito positivo.

Você deve ter mais informação que eu, mas eu lembro na época que esse programa não foi acelerado, não foi ampliado, porque o custo de fiscalização era duas vezes maior do custo do Bolsa Escola. Eu acho que o governo Lula olhou para isso e falou assim ‘Olha, temos que ajudar essas pessoas’. Então, dane-se a fiscalização.

Teve um pouco disso, mas também eu acho que teve essa mudança tecnológica, toda a parte computacional, melhorou muito os controles eletrônicos que permitem hoje a pessoa e com cartãozinho, a pessoa mais humilde sabe colocar o cartãozinho na máquina e digitar seu código e tirar o dinheiro. Então, isso melhorou muito nos últimos 30 anos, 20 anos. Estamos falando de Fernando Henrique, estamos falando de 2000, tem 21 anos.

Não tinha essa tecnologia hoje, hoje é mais fácil.

Hoje todo mundo tem celular. Naquela época 10% da população tinha celular. Uma pessoa humilde não tinha celular.

O Auxílio Emergencial foi montado em cinco dias, né.

Então, eu acho que a evolução tecnológica permite muito hoje a universalização dessa assistência. Então, com isso, também permite que você chegue nos rincões mais longínquos do país, você leva aquele dinheirinho que a pessoa precisa para comprar comida. Está passando fome. Então, eu acho que nesse ponto eu acho que o Auxílio Brasil tem todo o sentido. Agora de onde tirar o dinheiro? Tem que fazer uma engenharia financeira no orçamento. Claro que tem despesas que possam ser evitadas. Tem receitas que podem ser redirecionados, tem fundos que não estão sendo utilizados. Eu diria para você sem dúvida que nós temos aí algumas centenas de bilhões de reais em fundos inativos. O próprio Paulo Guedes já mexeu com isso uma vez, dizendo que ia criar uma consolidação dos fundos, e isso poderia criar, inclusive, um fundo garantidor para levantar financiamento para saldar a dívida dos estados. Tem muitas ideias que poderiam ser praticadas, o que está faltando é imaginação criativa e talvez um pouco mais de audácia para as pessoas fazerem as coisas certas. O próprio governo, ele tem créditos e débitos de bilhões, eu diria até em alguns casos, de trilhões de reais. Ele tem dívida ativa também que as empresas ou pessoas devem de impostos aos governos federal, estadual e municipal, fazer encontro de contas, procurar mecanismos de concessão.

É uma ideia que foi debatida, a união desses fundos?

Agora, não. No passado.

Seria uma saída?

Seria uma saída. Quando você tem uma situação de crise de dívida, você tem que você tem os caminhos. Às vezes, até esse nome é um pouco pejorativo, heterodoxos. Mas é um nome que se aplica corretamente que você tem que pensar fora da caixa. Como eu possa resolver esse problema sem quebrar a confiança das pessoas. Por que gastar mais, simplesmente imprimir dinheiro e sair gastando não é uma solução inteligente, é uma solução frágil e uma solução deficiente, medíocre. Eles estão fazendo uma decisão a pior possível furar o teto de gastos, que era uma regra estabelecida de confiança do mercado nos gastos do governo e a disciplina fiscal.

Eles estão pensando fora da caixa de maneira errada.

Errada, totalmente errada.

E que propostas poderiam andar para melhorar as coisas no país?

Olha, são tantas as reformas. Na verdade, eu costumo dizer só que não são reinventar o Brasil, porque o Brasil pós 85, pós 88, depois a Constituição, o Brasil mudou muito e a gente precisa atualizar as regras, as leis, o funcionamento do mercado para que funcione melhor, mais eficiente, mais equitativo, com maior justiça social. Sem esses conflitos distributivos que hoje são a regra não é exceção. É Estado, município e governo federal brigando entre si, contribuinte e setor público brigando entre si. Os conflitos sociais entre as diferenças e diferentes segmentos da sociedade brasileira. As regiões, então, é só conflito. Não somos um país de conflitos. Nós precisamos esse nível de conflito e fazer tributária, reforma federativa, reforma política, reforma administrativa. Todas essas reformas têm que ser feitas com empenho e com inteligência. Eu acho que estão fazendo isso de forma muito amadora, muito medíocre. Essa reforma tributária, por exemplo, é um remendo de simplificação de impostos, mas não muda características fundamentais.

Não passou da reforma do Imposto de Renda.

Essa do Imposto de Renda é medíocre, essa forma de colocar ‘vou taxar dividendos’ e não olha os impactos que isso tem nas estruturas societárias do país, no mercado de capitais. E inclusive o seguinte: a reforma tem que ser para crescimento e não para inibir investimento.

Roberto, nós precisamos, há 40 anos das mesmas reformas que até hoje não foram feitas. O que acontece?

Eu acho que a gente não tem tido primeiro boas lideranças. Perderam a oportunidade de fazer essas reformas. Eu digo até Sônia que se as reformas não forem feitas no primeiro ano de mandato, a partir daí ela se torna mais difícil. Sempre foi assim. E, infelizmente, por negligência, e por falta de vontade política e até por um instituto que eu acho muito errado, que é da reeleição, porque muitas vezes as reformas não são populares, as reformas mudam, regras que às vezes alguns ficam magoados, fazem oposição cria polêmica. Então, o governante prefere manter uma situação de status quo, porque dali a quatro anos você tem que bater a reeleição e começa essa história da reeleição. Reeleição foi um grande erro do Fernando Henrique. Desculpa, ele mesmo, já admitiu.

Ele mesmo já admitiu que eu concordo plenamente.

Só que eu falava desde o início que eu muitas vezes as pessoas eu era crítico, dizem isso. Reeleição não dá certo. E eu vi que a própria eleição de 98 eu fui muito crítico a ele. Teve um colega seu que me perguntou assim Giannetti, quem que você votou em 94? Eu falei assim votei no Fernando Henrique com muito entusiasmo. E quem que você vai votar agora em 98? Olha, eu vou votar no Fernando Henrique de novo, só que sem entusiasmo, porque eu sem entusiasmo é que eu vi que a campanha política da eleição estava toda torta.

Exatamente. Mas também a gente não consegue mudar isso. Esse instrumento.

Faz parte da reforma política acabar com a reeleição e, enfim, todo o espectro político mais racional. Não tem cabimento. É uma vergonha você ter 30 partidos. Esse mercantilismo político que nós temos no Congresso. Isso é uma vergonha. Eu falo com os estrangeiros, eu lido muito com estrangeiros porque sempre fui em comércio exterior. Eu falava com muito orgulho do Brasil, Sônia, hoje eu tenho às vezes os momentos de vergonha, porque as pessoas perguntam sabem. Hoje a informação é muito mais disponível. “Mas como é o tipo que acontece isso no Brasil?”. Tem que dizer “infelizmente é assim que está acontecendo”. Então nós temos que recuperar a imagem do Brasil e o orgulho de ser brasileiro.

Roberto, você acha que a Constituinte de 88 ela foi feita de alguma forma a engessar a administração e as possibilidades do Brasil?

Veja só, a Constituinte de 88, ela se instalou ainda numa visão de um Estado patrimonialista e generoso e, ao mesmo tempo, poderoso, no sentido de intervir em várias áreas da atividade econômica, num momento em que o mundo estava em rápida transformação.

Exatamente.

O Muro de Berlim caiu dois anos depois. Margaret Thatcher, na Inglaterra, estava fazendo uma revolução liberal. Estava entrando o Consenso de Washington, a reestruturação da dívida externa, o Plano Brady. Se fosse dois ou três anos depois, quem sabe a Constituição não fosse muito melhor.

Seria muito diferente, eu acho.

Como se fala sempre, nós olhamos no retrovisor e não para brisas. Então, ela está desatualizada, sabe? Olho para a Constituição e a gente pensa assim “poxa vida, será que a gente tem que cumprir essas regras nesses detalhes?”. Porque ela foi muito detalhista muito minuciosa. É uma Constituição que engessa assim, porque você cria várias restrições à atividade econômica, atividade até cultural, enfim, tem todas as exceções.

Você engessa o orçamento inteiro.

Inteiro.

E o governante tem pouca liberdade.

Pouca liberdade. E é muito desiquilibrado, muita obrigação.

Muito obrigação, que às vezes também não é mais eficiente.

Eu preferia, sim, eu, como cidadão brasileiro, preferia uma Constituição mais leve, mais objetiva, com menos. A subjetividade das coisas mais graves que têm que dá para a interpretação. Por isso há tanto litígio judicial no Brasil. A interpretação do subjetivo é que gera o litígio. Um acha uma coisa ou outro acha outra. E aí fica a discussão sem fim, 10, 15 anos no Judiciário para nos dizer quem tem razão.

É muito difícil. Uma vez fui para Brasília almoçar com um ministro do Supremo Tribunal Federal e, por acaso, voltei com o outro. Esse ministro tinha me dado uma notícia que eu tinha colocado na coluna que eu faço no Estadão. E eu perguntei para esse ministro, outro, falei “escuta essa decisão foi a mais acertada?”. Ele disse “Ah, poderia ter sido totalmente ao contrário”. Eu falei então ‘qualquer coisa pode ser qualquer coisa’?

Pode. Eu conheço casos em que a decisão foi totalmente arbitrária e muitas vezes, na visão fiscalista do Governo Federal, especialmente a Receita Federal, impondo ao Supremo Tribunal o risco ao erário público quando a causa era cem por cento a favor do contribuinte. Então acaba a Justiça sendo interpretada o sabor do momento.

Agora, Roberto, que o que nós precisaríamos para realmente tocar as coisas necessárias para a frente? As eleições estão aí, 2022 já entrou no cronograma final, estamos a menos de um ano das eleições O que está parecendo que vai ser um Fla-Flu, Bolsonaro é Lula, e está se procurando muito essa terceira via. Quais são as características que uma pessoa de terceira via deveria ter para poder justamente arrumar essa bagunça?

Olha, eu acho que eu prefiro chamar de centro democrático, porque acho que é o nome mais adequado. Terceira via parece que a última opção, não é a última opção. Tem que ser a primeira opção, que é o centro democrático. Primeiro porque tem que ser um equilíbrio das forças moderadas e liberais do país. A radicalização de direita e de esquerda se mostraram extremamente prejudiciais e conflitivas. Eu acho que a gente corre o risco de voltar a uma situação de polarização que é muito preocupante e pode levar até uma quebra institucional em algum momento. Nós não podemos ignorar esse fato porque ele pode ocorrer, enquanto eu acho que um centro democrático ele teria que ser reformista, liberal. Tem que ser uma liderança, sim, que consiga inspirar, motivar, emocionar a população brasileira e fazer a população brasileira acreditar de volta no país. Eu acho que nós perdemos essa liderança já há algum tempo por todos os seus erros, equívocos, corrupção e os desastres econômicos que tivemos aí no período dos últimos 10, 15 anos, pelo menos. Enfim, eu acho que o momento está de nós buscarmos essa liderança. Não existe um nome. Eu acho que primeiro nós temos que ter um programa. Eu acho que antes de discutir nome, a gente vai ter um programa sobre o qual os partidos de centro deveriam aderir e assinar o programa. Estamos todos juntos aqui? É isso que nós vamos fazer? Sim. Agora vamos escolher a pessoa porque se partir primeiro para a pessoa, cada qual vai ter seu programa, vai ter suas diferenças. Então não vai chegar a um consenso. E nós precisamos ter um candidato. Se nós fracionarmos o centro em cinco ou dez candidatos, o candidato da direita é o candidato da esquerda, que são mais expoentes vão comer pelas beiradas e vão para o segundo turno. E nós vamos ter que ficar nesse dilema de optar por um ou para o outro, que não é, pelo menos a mim nunca fui. Eu nunca votei nem na extrema direita nem na extrema esquerda. Eu vou ficar mais uma vez órfão na eleição.

Você acha que esses 11 candidatos que estão se delineando no cenário podem em algum lugar? Acho que existe generosidade suficiente para abrir mão da sua própria candidatura ou dos dez, apoiarem um?

Estamos falando de um exercício humano muito complicado, porque todos eles têm sua ambição política legítima, sua vaidade, seu ego, sua história. Mas estamos num momento em que não é para olhar para si e para olhar para o coletivo, é fácil falar difícil de fazer. Mas eu acho que eles vão ter que ter essa grandeza, esse desprendimento. Se não houver desprendimento, não houver um entendimento que nós temos que colocar um candidato e apoiá-lo mesmo com firmeza. Não é apoio para inglês ver, não. Apoio verdadeiro. Se não houver isso, nós estamos fadados ao fracasso. De novo, nós vamos entrar em novo governo de desesperança, de perda, de credibilidade, de desgoverno. E pode acabar numa ruptura social como sempre.

Lembro de uma história, inclusive aqui no Show Business, quem assiste sempre teve de estar até enjoado de uma pergunta que eu fiz há anos atrás para o ministro Domingo Cavallo, da Argentina, que foi qual é a grande diferença entre Brasil e Argentina? Ele falou “Simples. Vocês têm um samba, nós temos o tango. Quando afundamos, afundamos. E vocês nunca afundam, também nunca vão muito pra cima”. Aí eu fico perguntando: será que é necessário o Brasil quebrar, realmente acontecer alguma coisa muito trágica para as pessoas se conscientizarem que somos todos brasileiros e que precisamos fazer nossas escolhas e abrir mão de nossas pretensões, muitas vezes para poder ajudar o país?

É uma frase, uma expressão muito importante. É espírito público, espírito público é isso, Sônia, é pensar primeiro no coletivo, antes do individual. E eu acho que hoje o cidadão brasileiro implora que as autoridades têm espírito público, porque se não formos ficar numa guerra de vaidades, e de ego no centro democrático, de fato todos nós perderemos. Nós vamos afundar. Pode ser ainda maior do que o do que já está, porque nós já estamos no fundo do poço. Só que tem ainda tem chão para baixo.

O Brasil, talvez por efeito dos tempos de ditadura, não sei o que aconteceu, mas esse espírito ficou um pouco envergonhado. Não é uma coisa muito disseminada. Como é que a gente pode trazer isso à tona e conscientizar que cada voto importante e cada pessoa coletiva é muito importante?

Eu acho que é um processo cultural, Sônia, eu acho que o país passou por uma fase muito negativa de perda desse conceito de espírito público e de entendimento dessa relação do governo com o cidadão. Por isso que eu acho que de novo eu repito essa questão. Eu acho que o governo não é uma coisa abstrata, que faça, para si mesmo, a gestão da coisa pública tem que fazer para o povo. O povo paga os impostos e não recebe os serviços adequados de volta. Então, essa é a grande reclamação vamos dizer assim que a gente tem nesse conceito da relação.

Com o nosso telespectador. Tem que se conscientizar de que ele tem o poder no voto.

É na hora do voto que ele vai ter, vamos dizer assim, a qualificação do serviço que ele vai receber de volta. Se ele votar num governo responsável, inconfiável, o que é que ele vai ter de volta? Vai ter mau serviço público. Ele não vai ter água em casa, vai ter crise de energia vai ter inflação. A carestia vai corroer o salário. Então é assim, o resultado da eleição, de certa forma, vai criar um vínculo com o que ele vai ter de volta pelo imposto e pelo papel que ele tem na sociedade.

Então, se ele não pensar no coletivo, ele pode até pensar em si mesmo para ter um voto consciente.

Eu acho que a questão do espírito público tem que ser recuperada. Tem aquela famosa frase do Kennedy que eu achei que uma das melhores frases de político da história, “não pergunte o que o país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo país?”. Eu, por exemplo, dentro da minha modéstia, atuante como economista, empresário, eu dediquei três anos da minha vida lá na Camex, no governo Fernando Henrique, e trabalhava 12, 14 horas por dia. Você lembra disso? Porque viu eu ouvia que eu tinha que fazer o comércio exterior para gerar emprego, para gerar renda, para gerar desenvolvimento. A gente tem que pensar no seguinte: o objetivo é gerar desenvolvimento, crescimento econômico e emprego. Essa é a única solução para os países serem prósperos para a sociedade ser justa e ter melhor qualidade de vida. Não há outra solução. Então você tem que ter, na visão do setor público, o cumprimento dessa missão. E nem sempre isso acontece.

Eu senti na classe empresarial, durante essa pandemia, que a ficha caiu. Porque o empresário não tem que ser assistente social, assistente social não tem que ser empresário. Cada um tem o seu papel. Mas se a iniciativa privada não contribuir, ninguém vai sair. A COP está aí para todo mundo ver, a COP 26. Quem que está carregando a COP 26? A iniciativa privada. No mundo. Vai ter que cair a ficha que ‘olha tudo bem, paga imposto. Não fazem direito com imposto vou ter que dar mais.’

Cada vez mais a sociedade civil se organiza e de certa forma substitui e aliás, isso é muito bom, é saudável, substitui o papel do Estado. Você não precisa ser tutelado pelo Estado em todas suas iniciativas. A gente tem que depender e seria bom cada vez menos depender do Estado. Então, quando a sociedade civil se organiza e é capaz de formular suas propostas, se organizar, e dizer ‘o que nós queremos do Brasil é isso’. ‘Ah, mas o Estado não pensa assim’, não importa. O Estado não é o dono do país, o dono do país somos nós, o povo brasileiro. Então, em relação ao meio ambiente, ficou muito claro e nós não concordamos com a política de meio ambiente do Governo Federal. Vamos fazer a política nossa e levar ela. E vamos inclusive executá-la. As empresas estão fazendo o chamado ESG, environmental, social e governance, de forma voluntária, e aqui no Brasil de forma voluntária. Nós mesmos no LIDE já temos um grupo lá de ESG que é fantástico. As empresas cada dia anunciando, estamos fazendo isso, estamos fazendo aquilo, estamos melhorando aqui, estamos reduzindo poluição, estamos conservando floresta. Estamos então, cada um mostrando a sua capacidade de inovar, de qualificar, de melhorar a sua atuação em relação ao país e à sociedade. Isso é muito bom.

O que os países desenvolvidos aprenderam que o Brasil ainda não aprendeu?

É uma boa pergunta, me faz refletir. Eu acho que essa atuação da sociedade civil, que nós estamos falando há pouco, muito recente no Brasil, já é mais madura nesses países desenvolvidos. Eu acho que a sociedade é muito mais organizada para atuar de forma independente. Aqui nós somos ainda muito dependentes de governo. A gente espera que o governo faça por nós ou nos oriente ou nos leve pela mão. Não, vamos tomar o nosso caminho sozinho. E vamos cada vez depender menos do governo. Ao mesmo tempo, eu acho que as democracias também têm que ficar mais maduras. A nossa ainda tem momentos de recaída. Agora, mesmo, não precisamos dizer no governo Bolsonaro, tivemos vários momentos de briga entre os poderes, de questionamento, de provocação. Isso tudo não é bom. Aconteceu um pouco nos Estados Unidos, mas na Europa a coisa é mais tranquila, mais equilibrada. E o autoritarismo de certos países asiáticos e a mesmo aqui na América Latina é um outro questionamento porque a China, sem dúvida, demonstra uma pujança econômica e um crescimento econômico invejável, mas à custa do quê? De falta de liberdade. Então é esse dilema liberdade crescimento, é sempre uma questão, um debate que está em aberto.

O Brasil, aliás, a América Latina como um todo, já passou por várias ditaduras e elas não foram eficientes, em termos de melhorar as condições do povo. O que acontece? Sempre cresci ouvindo que o Brasil é o país do futuro. O meu futuro já chegou. Por que que o do Brasil não chega?

Você fala um ponto que me dá uma certa angústia também, porque eu sou mais velho que você. Mas eu diria que a minha geração, minha geração, falhou redondamente. Infelizmente, mas eu acho, talvez, que a gente tenha vivido um pouco de utopia, achando que só voltar à democracia é resolver todos os problemas. E a nossa democracia, de certa forma, falhou. O que nós temos é que corrigir a democracia. Não achar que a democracia em si está errada. O que está errado é a forma como arma exatamente. Organizamos os nossos partidos políticos, as nossas lideranças, o papel do Estado, um Estado gigantesco. Volto a dizer que não precisava ser tão agigantado quanto ficou. Poderia ser um Estado mais adequado à realidade do nosso orçamento ou nossa capacidade contributiva. E hoje nós gastamos 45% e 50% da renda nacional do o setor público. Isso é aí que tem um de volta. Repito não temos nada. Serviços de baixíssima qualidade na educação, no saneamento, na saúde, na infraestrutura.

Essa reforma política.

É a reforma política e a reforma, também, administrativa, de maneira a reorganizar o Estado para aquilo que é estritamente essencial. O resto, deixa a iniciativa privada e os investidores fazerem.

Então me explica como é que você faz as pessoas abrirem mão dos próprios poderes para poderem beneficiar a sociedade? A reforma da Constituição de 88 ingressou. Vai ter que mexer nisso. O desenho da administração federal, estadual e municipal também é precário.

Reinventar o país, senão faz a noite por dia, não. Nós vamos ter que ter uma década ou mais de reformas que têm que ser coordenadas e sincronizadas, porque umas dependem da outra. Não adianta você fazer só uma. Por exemplo, não adianta se fazer a reforma tributária para baixar a carga tributária, que é muito alta. Se você não fizer reforma do Estado para reduzir o peso do custo do Estado e das mordomias, os privilégios de gastança e de desperdício que tem à vontade. Se você vai com a tesoura, uma pessoa que vai para cortar gasto vai conseguir fazer uma fortuna de redução de custo do governo, atualmente. Por isso, a exemplo de onde vai tirar o dinheiro do Auxílio Brasil? Pelo amor de Deus, tem mil opções. Agora não vai furar o teto vai te pegar ou dar calote no precatório, que má ideia. Então eu fico indignado com a falta de imaginação das pessoas. Fez o fazer da pior forma em vez de procurar uma coisa melhor.

Uma coisa de credibilidade, continuidade.

Continuidade e discutir, inclusive com a sociedade, não é? Parece a coisa autocrática. Eu disse, diga dessa forma. Então vai ter que discutir. Vai ter que apresentar a proposta e achar a melhor solução, que seja aquela que a maioria aceita como razoável.

Será que a Covid não veio para chacoalhar o ser humano como um todo no mundo inteiro?

Não há dúvida que o mundo pós covarde é um mundo diferente. As pessoas estão mais conscientes de meio ambiente, de qualidade de vida, da importância da saúde, da educação. Espero que essa lição fique para sempre.