O que muda nos negócios com a reforma da Lei de Improbidade Administrativa?
A nova redação, publicada em outubro pelo Governo Federal, traz “abrandamentos” a agentes públicos e privados relacionados a atos de improbidade. Especialistas apontam as principais alterações para o ambiente de negócios.
A improbidade administrativa pode ser caracterizada como o ato praticado pelo agente público ou terceiro contra a administração pública, de modo a ocasionar o enriquecimento ilícito, o prejuízo ao erário ou depor contra os princípios da administração pública. Tal caracterização está presente na versão de 1992 (Lei 8.429) da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que acaba de ser revisada e passa a vigorar como Lei 14.320/2021.
A reforma, segundo especialistas, não desvirtua o que já vinha sendo praticado e aplicado há quase 30 anos no Brasil. Uma das principais novidades é a não penalização dos atos culposos (cometidos sem a intenção ilícita) que causem lesão ao patrimônio público, mas apenas dos atos comprovadamente dolosos.
“A nova redação traz um ‘abrandamento’ à responsabilização de agentes públicos que cometerem atos de improbidade, bem como dos agentes privados que deles se beneficiarem. Tais aspectos dificultam, na prática, a condenação e punição daqueles que a infringirem, uma vez que é relativamente difícil a comprovação do dolo”, aponta Adriana Dantas, sócia-fundadora do Adriana Dantas Advogados e presidente do comitê de sanções do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Adriana Dantas, sócia-fundadora do Adriana Dantas Advogados e presidente do comitê de sanções do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (Foto: Divulgação)
Em sua redação original, a LIA indicava que atos relacionados ao enriquecimento ilícito e à violação dos princípios da administração pública caracterizariam improbidade administrativa independentemente de dolo ou culpa. O terceiro pilar da tipificação da improbidade administrativa, o dano ao erário público, admitia a imputação na forma culposa, mas foi alterado pela nova redação. “Não havia essa abrangência e, assim, a jurisprudência entende que estes tipos só estariam caracterizados se estiver presente o dolo”, como comenta José Carlos Higa de Freitas, advogado sênior da Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM).
Segundo ele, a reforma trouxe no artigo 1º a previsão de que os atos de improbidade administrativa só se consumam na modalidade dolosa, de forma que essa condição passou a estar expressa nos artigos 9º, 10º e 11º da Lei. “É alteração mais polêmica e a que garantiu a supressão da modalidade culposa”, completa.
Outro ponto controverso da atual redação é o novo alcance para a perda de função pública aplicado ao crime de enriquecimento ilícito. Ele passa a atingir somente o cargo exercido à época do cometimento da infração. “Por exemplo, se um atual Governador tenha sido sancionado por um crime enquanto exercia a função de Vereador, este agente não perderá a função de Governador. Nesses casos, a eventual ampliação da sanção às demais funções ficará à cargo do magistrado, levando em conta as circunstâncias do caso e a gravidade da infração”, explica a advogada Adriana Dantas.
José Carlos Higa de Freitas, advogado sênior da Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM). (Foto: Divulgação)
Responsabilização e corrupção no ambiente de negócios
A reforma da LIA também exclui a responsabilidade dos sócios, cotistas, diretores e colaboradores de pessoa jurídica de direito privado pelos atos de improbidade imputados à referida pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação. “É uma mudança importante e que traz mais segurança em relação à responsabilização da pessoa física, quando está atuando em nome da empresa. Muitas vezes, representantes e funcionários do setor privado acabavam sendo processados, mesmo sem qualquer evidência de sua participação no ato”, aponta Freitas.
Para Adriana Dantas, “A nova LIA é polêmica e tende a impactar a forma como são processados e condenados os crimes de improbidade administrativa no Brasil ao trazer restrições sensíveis aos critérios que tipificam o ilícito, ao mesmo tempo em que centraliza o combate a atos de improbidade no Judiciário”. Ela ainda explica que o Ministério Público passa a deter exclusividade para propor as ações de improbidade, afastando outros entes, como a União, Estados e Municípios, antes igualmente legitimados e agora responsáveis por comunicá-los àquele órgão.
À época da tramitação da nova LIA nas duas Casas do Parlamento Brasileiro, a International Chamber of Commerce (ICC Brasil), que tem como missão levar a voz do setor privado brasileiro aos principais fóruns globais e estimular a adoção das melhores práticas internacionais no ambiente de negócios domésticos, manifestou preocupação sobre o projeto de revisão. Para a organização, “não é exagero afirmar que, com as alterações, a eficácia de improbidade será severamente afetada, tornando-se ela um instrumento de pouca utilidade”, podendo prejudicar a reputação do País e a criação de um ambiente de negócios mais integro e competitivo.
A nova redação também modifica o entendimento sobre infrações como, assédio moral, sexual e tortura que deixam de ser consideradas atos de improbidade, já que estão resguardadas na legislação.
De acordo com Freitas, muito embora parte da opinião pública e dos representantes do Poder Judiciário tenha se manifestado contra as mudanças promovidas, principalmente no que se refere à exclusão da modalidade culposa da improbidade administrativa, não há dúvida de que houve avanços. “Hoje no Brasil existem inúmeros casos de ações de improbidade administrativa que simplesmente não deveriam existir e isso ocupa a Justiça com questões de pouco impacto ou que poderiam ser resolvidas de outra forma”.
Voz dos especialistas
Adriana Dantas: “A nova LIA é polêmica e tende a impactar a forma como são processados e condenados os crimes de improbidade administrativa no Brasil, ao trazer restrições sensíveis aos critérios que tipificam o ilícito, ao mesmo tempo em que centraliza o combate a atos de improbidade no Judiciário”.
José Carlos Higa de Freitas: “A exclusão da modalidade culposa reforça a essência do conceito de improbidade administrativa que é o da desonestidade. Por outro lado, ela traz luz para uma questão importante que é a diferença das realidades dos agentes públicos nas diversas esferas de poderes. Existem localidades que não possuem uma estrutura adequada, uma formação compatível, e isso deveria ser ponderado, como aliás estabelece o art. 22 da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) ao trazer a necessidade de se considerar os obstáculos e dificuldades reais do gestor”.