Jeane Tsutsui: atendimento na indústria da saúde tem tendência de ser cada vez mais híbrido
Desafios como a crise sanitária, ocasionada pela pandemia do coronavírus e o dilema social, em que 75% dos brasileiros não possuem plano de saúde, são alguns dos desafios que Jeane Tsutsui tem pela frente. Confira também a entrevista em vídeo e em podcast.
Jeane Tsutsui, nova presidente do Grupo Fleury. (Foto: Divulgação)
Há duas décadas, a médica cardiologista Jeane Tsutsui auxilia o centenário Grupo Fleury a investir em pesquisa e inovação para oferecer serviços de qualidade. Ela optou pela carreira de executiva e, no início deste ano, assumiu a presidência da companhia, que hoje busca consolidar novos produtos e ampliar a presença na indústria da saúde.
Além dos serviços de medicina diagnóstica, como o grupo ficou conhecido no mercado, a empresa não estagnou. Foram inseridas novas plataformas digitais com o atendimento de telemedicina por meio do Saúde iD, reforço no quadro de parceiros, aquisições como a compra da SantéCorp por R$ 15 milhões, entre outras iniciativas, incluindo a preocupação com ESG.
Desafios como a crise sanitária, ocasionada pela pandemia do coronavírus e o dilema social, em que 75% dos brasileiros não possuem plano de saúde, são alguns dos desafios que Jeane Tsutsui tem pela frente.
A experiência, dedicação e o olhar voltado para o lado positivo em meio a essas adversidades, como as parcerias estabelecidas com o grupo e uma equipe dedicada de profissionais da área da saúde, cuidando de vidas, são questões que transformam as dificuldades em metas a serem superadas e novas oportunidades.
Como foi para você assumir um cargo tão importante na empresa durante essa crise sanitária?
Encarei essa nomeação como um grande desafio, apesar de eu estar no grupo Fleury há cerca de 20 anos. Conheço bastante a empresa, sou médica cardiologista de formação. Mas quando comento sobre desafios, é devido ao momento delicado que enfrentamos com a pandemia de covid-19. Mas, seguimos firmes. Desde o ano passado, foram feitas várias adaptações na empresa e continuamos trabalhando para proporcionar melhorias. Sinto um enorme orgulho de assumir o cargo de CEO, porque diante dos obstáculos mostramos resultados e inovações. Hoje, a empresa emprega cerca de 12 mil colaboradores, sendo três mil deles médicos. Mantemos o foco na excelência que temos a oferecer, pois há muito o que construir para o nosso público-alvo e funcionários.
A imagem que persiste entre as pessoas é de que o grupo Fleury trabalha com foco na Medicina Diagnóstica. Diga-me, vocês estão ampliando novos serviços?
Temos histórico de mercado e somos reconhecidos como uma empresa de Medicina Diagnóstica mesmo. Mas é importante frisar que, hoje, o Fleury ampliou suas plataformas de serviços. Principalmente, oferecendo o atendimento à saúde de forma ‘híbrida’, complementando o atendimento presencial com o virtual. Disponibilizamos no primeiro semestre do ano passado o aplicativo "Saúde iD", que é uma plataforma onde o usuário tem uma série de opções, incluindo o de telemedicina. O lançamento dessa funcionalidade coincidiu com o período pandêmico – ocasionando uma procura muito grande. São aproximadamente três mil consultas diárias e, contabilizando, foram realizados mais de 300 mil atendimentos até o momento. Isso é muito positivo.
E como é que funciona o programa Saúde iD?
O Saúde iD veio para integrar as informações dos dados dos pacientes de maneira objetiva. Por exemplo, hoje, você pode fazer uma consulta de telemedicina, mas nós também temos médicos que atendem presencialmente, em unidades de atendimento. Caso o cliente precise fazer um exame, nós podemos mandar um atendimento móvel na casa dele para coletar materiais, ou ainda, o usuário pode se locomover até uma das nossas unidades de atendimento credenciadas para fazer a testagem. Ambos os casos ficam registrados na mesma plataforma, e as operações ficam disponíveis para consultas futuras dos nossos colaboradores. Oferecemos unidades que prestam atendimento nas áreas de oftalmologia e também um centro de infusões no Pacaembu, onde fazemos infusão de medicamentos e imunobiológicos para pacientes que sofrem com artrite reumatoide ou outras doenças crônicas etc. Enfim, são várias as opções que conversam entre si, por meio do nosso sistema informatizado e seguro.
Vocês se adaptaram rápido a esse período de crise sanitária. As pessoas não têm que ir até o laboratório....
Existe no nosso serviço de telemedicina uma alta resolutividade, onde 89% dos casos são resolvidos via telemedicina, sem precisar ir ao pronto-socorro ou fazer consulta física. Claro que há casos e situações diversas que precisarão de cuidados presenciais. Mas vejo o atendimento virtual como uma prestação de serviço importante em meio ao período de pandemia e a necessidade de fazer distanciamento físico. Agora, no primeiro trimestre deste ano, tivemos um crescimento total na empresa de 25% da receita por investimentos nas nossas plataformas e, consequentemente, a confiança dos nossos clientes com os serviços à distância. Com a pandemia, as pessoas estão ficando mais em casa e nós vamos até a casa dos clientes para fazer a coleta de sangue. Só no primeiro semestre, esse serviço 86%.
Com tantos resultados significativos, o grupo tem intuito de lançar seu próprio plano de saúde e talvez integrar isso aos serviços já existentes?
Nós não temos essa pretensão, porque somos prestadores de serviço aos usuários de planos de saúde, existindo uma parceria muito forte com essas empresas. E, como parceiros, oferecemos serviços como a integração de dados, entre outros. Temos oferecido o que chamamos de soluções integradas, que é quando um usuário de um determinado plano está conectado à nossa plataforma. Sabemos que 75% dos brasileiros não têm acesso a um plano de saúde e isso é um desafio gigantesco. Aí aparece o Saúde iD, que tem a opção de ser um serviço com atendimento direto para o consumidor, ou seja, nós oferecemos assistência por meio da telemedicina e a realização de exames destinado às pessoas que não têm plano de saúde. É uma iniciativa que pode ser considerada um piloto, pois estamos no processo de adequação, no intuito de prestar o melhor serviço. E, ressalto: não oferecemos um plano de saúde, porque, no comparativo, há parâmetros diferentes.
Nesse serviço que você especificou, o cliente possuindo uma assinatura, por exemplo, se futuramente eu optar por ter plano de saúde, como eu faço?
O plano de saúde é importante pela alta gama de opções, podendo ser um complemento ao que oferecemos. Mas, fica a critério do cliente manter as assinaturas. Aproveito para reforçar nosso objetivo que é de avaliar como podemos aumentar o acesso à saúde de qualidade no Brasil, pois isso traria muitos benefícios. Só que a realidade é que enfrentamos uma situação de uma desigualdade social também na área de saúde. Por isso se faz muito importante enfatizarmos uma série de ações voltadas para a sociedade nas práticas ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa, na tradução livre), inclusive. O Comitê do Conselho de Administração do grupo Fleury tem trabalhado ativamente nesse sentido. Apesar que, há mais de 20 anos, nós atuamos com práticas de responsabilidade social e de sustentabilidade. Quis complementar que o Grupo tem continuado essa trajetória e segue seriamente, com pensamento voltado ao sistema de saúde como um todo. Nos preocupamos com acesso à saúde de qualidade e no contribuir com sustentabilidade no sistema de saúde.
Esse sistema iD foi criado no sentido de melhorar o sistema de saúde?
O Saúde iD, foi lançado no ano passado, estrategicamente, juntando atendimento físico com o sistema digital. Nossa gestão é de saúde mesmo. Há três anos, adquirimos a SantéCorp Holding, que já fazia esse tipo de gestão. Dessa aquisição, vimos a oportunidade de lançar a nossa plataforma digital de sistema de saúde integrado. Porque realmente integramos as informações para que nosso usuário tenha, num único local, todos os dados sobre sua condição de saúde para que as pessoas possam cuidar melhor de si. E estamos aqui para oferecer a melhor qualidade de vida às pessoas.
O Fleury tem métricas do resultado desse sistema desde que ele foi lançado?
Recentemente, divulgamos nosso resultado trimestral e, hoje, 9,8% por cento das pessoas atendidas no grupo Fleury, cadastraram-se no Saúde iD. Isso é o dobro do trimestre anterior, o que mostra claramente o potencial de crescimento do programa. Em um único atendimento, o usuário pode ter mais praticidade, já que as informações dele estarão nesta plataforma. E há vantagem dessa pessoa ter o acompanhamento ao longo da vida e usufruir de vários serviços.
Vocês desejam desenvolver alguma iniciativa voltada para a saúde mental?
Saúde mental é um aspecto que é fundamental e a pandemia acentuou a necessidade de cuidar disso. Questões como distanciamento físico e estresse são ruins para nossa mente e um ponto de preocupação. É algo que está inserido dentro da nossa visão: atenção integral à saúde das pessoas. Sendo automaticamente um ponto de equilíbrio. E é importante que, durante as nossas consultas, esse tipo de cuidado seja observado, pois uma parcela dos pacientes que procura assistência em uma das nossas unidades, sentem-se ansiosos. A ansiedade e outras questões ligada à saúde mental podem refletir como sintomas físicos.
Diante desses projetos, o grupo tem pretensão de comprar hospitais?
Hoje, nós estamos já conectando alguns serviços ambulatoriais que resolve certas situações e somos parceiros de hospitais, prestando-lhes atendimento. Então, não necessariamente precisamos ter um hospital nosso, mas sim, estabelecer conexões com essas unidades parceiras e fortalecer o elo.
Vocês têm informações de quantas pessoas deixaram de se cuidar em casos como cardiológicos ou oncológicos, devido ao medo de pegarem covid-19?
Dados da sociedade de cardiologia do Estado de São Paulo mostram, por exemplo, um aumento de 20 a 70% da população avaliada, que estão sofrendo infarto dentro de casa. Isso é muito grave, no seguinte aspecto, pois indica que as pessoas podem sim estar com medo de procurarem os serviços de saúde. Fizemos alertas sobre a importância de manter o acompanhamento com especialistas, devido a problemas crônicos como hipertensão, diabetes e colesterol alto. São circunstâncias que podem desencadear infartos ou AVC. Sabemos que em Nova Iorque, no período mais crítico de pandemia que eles viveram, houve um aumento de 800% casos de infartos em casa, justamente pelo medo que as pessoas sentiam em procurar os atendimentos hospitalares. Faço esse alerta para que as pessoas continuem cuidando da sua saúde. Por isso que muitas vezes o serviço de telemedicina ajuda, porque orientará da melhor maneira e, obviamente, diante de um caso grave, o paciente deverá procurar um hospital o quanto antes. Dados da sociedade de Oncologia também apontam que houve atrasos nos diagnósticos de câncer.
O grupo Fleury sempre traz discussões sobre maneiras de fazer a integração no gerenciamento de saúde, pois o atendimento tem uma tendência de ser cada vez mais híbrido. No futuro, teremos uma combinação de soluções digitais e físicas.
Uma novidade é que lançamos o CVC Corp, após uma parceria com a Sabin, para investir em Startups de tecnologia, focando nas healthtecs, que trazem soluções para melhor cuidar da saúde e da vida das pessoas. Todo esse movimento que estamos fazendo no setor, mostra o quanto saúde é importante. Estamos atentos a muitas oportunidades de crescimento de uma maneira geral.
O programa “Coração da Mulher” é uma iniciativa para conscientizarmos sobre a importância de adoção de hábitos saudáveis e cuidados para evitar doenças cardiovasculares, que é a principal causa de morte de mulheres no país atualmente.
Com cerca de 11 mil colaboradores atuantes, como está a preocupação do Grupo com a saúde de seus funcionários?
Temos um programa interno que se chama “Viver Melhor”, em que os colaboradores encontram práticas de gestão de saúde. Possuímos ambulatórios para cuidar da saúde de todos os nossos funcionários, dentro das nossas próprias unidades ou nas centrais administrativas – tudo para que o colaborador receba todo cuidado, faça exames, receba vacinas e também o apoio psicológico. Durante a pandemia, nossos colaboradores foram maravilhosos. Estavam lá, na linha de frente, atendendo aos clientes. Diante disso, nossa primeira preocupação foi instituir os protocolos de segurança para os nossos médicos e clientes, uma via de mão dupla. Entrou o atendimento psicológico para esses colaboradores, porque, como conversamos anteriormente, a saúde mental é algo muito precioso. Fortalecemos a comunicação, falamos sobre protocolos de segurança, oferecemos todo tipo de cuidado. Baseado em toda essa nossa experiência de protocolos de testes com covid, laçamos no ano passado, o serviço: cuidado integrado para as empresas. Passamos a dar apoio para as companhias que precisavam instituir os protocolos de segurança. Atualmente, temos 621 organizações parceiras em todo o país. Oferecemos avaliação ambiental, ou seja, toda a questão de locais de onde os colaboradores e clientes das empresas circulam, todos os protocolos de saúde com relação à avaliação de risco da população, quem poderia eventualmente atuar fisicamente a depender da atividade da empresa ou deve ficar como grupo de risco, uma consultoria, médica, oferta de telemedicina, tudo isso adaptados à necessidade e realidade do ambiente de cada companhia.
Num sistema de saúde, como um todo, jamais podem ocorrer erros devido às consequências, que poderão ser graves. Como funciona a política da empresa no não cometimento de eventuais erros.
Segurança do paciente e qualidade são fundamentais, por essa razão que investir em qualificação e excelência técnica está no DNA do Fleury. Porque qualquer erro, no aspecto saúde, é inadmissível e nós sempre nos policiamos com relação a possíveis adversidades. Temos 95 anos de reconhecimento de excelência médica e oferta de saúde de qualidade por conta do comprometimento das nossas equipes que trabalham com pesquisa e desenvolvimento. Então, essa excelência será mantida, sempre com atualizações necessárias no percurso em que novidades vão surgindo. Temos o objetivo de crescer bastante. Nós ganhamos aquilo que a gente chama de sinergia. Vemos os R$ 50 milhões para a criação da plataforma Saúde iD dando bons resultados. Fora do ambiente da saúde, penso que errar só nos é permitido, eventualmente, em iniciativas, projetos que são relacionadas à inovação – relacionadas a novos modelos de negócio, no sentido administrativo. Porque isso é importante para crescermos e nos posicionarmos como uma empresa que somos.