Especialistas avaliam a nova Lei que determina o afastamento de gestantes do trabalho presencial durante a pandemia
Advogados apontam necessidade de conciliar interesses para proteger trabalhadoras e empregadores, revelando que a nova determinação não é uma solução definitiva, mas importante para preservar vidas neste momento.
A lei 14.151, publicada em 13/05/2021, determinou o afastamento da empregada gestante do trabalho presencial durante a pandemia, sem prejuízo da sua remuneração, permanecendo à disposição do empregador para trabalhar em seu domicílio.
Apesar de haver controvérsias se a gestante faz parte ou não do grupo de risco, após a edição da Lei, as gestantes receberam a maior proteção legislativa até o momento, dado que tal condição não foi dada a nenhum outro tipo de empregado enquadrado no grupo de risco.
“Sem, naturalmente, entrar no mérito dos estudos e das discussões médicas e científicas acerca do grau de risco de complicações graves da Covid-19 que incide sobre a gestação, é certo que o afastamento do trabalho presencial dos que integram o grupo de risco da doença, sem prejuízo da renda, é uma medida benéfica e protetiva, na medida em que proporciona ao trabalhador restringir, em maior nível, sua exposição pessoal no contexto pandêmico”, relata Roberto Baronian.
Roberto Baronian é advogado e consultor jurídico. (Foto: Divulgação)
“A intenção do legislador foi preservar, ao máximo, o direito à vida, tanto da gestante quanto do nascituro, tentando minimizar o risco da mulher contrair o coronavírus, tanto no deslocamento, quanto em atividades presenciais”, pontua Paula Collesi, advogada trabalhista.
A CLT, inclusive, há muito já determina a transferência de função da gestante “quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho” (art. 392, §4º). Ou seja, havendo a possibilidade, é possível pensar até mesmo em uma mudança temporária de funções, desde que compatíveis com a qualificação da profissional gestante, de forma a possibilitar o trabalho remoto na residência.
A Constituição protege, em seu art. 7º, XVII, a maternidade. Há quem defenda não ser possível a aplicação das medidas emergenciais de manutenção do emprego e da renda (MP 1.045 e 1.046) às gestantes após a edição da Lei, tendo em vista eventual prejuízo à empregada – o que contrariaria o espírito da nova regra, tendo em vista que visou preservar, não só o emprego, como a renda em sentido amplo e a saúde das trabalhadoras.
De acordo com Baronian, “o problema, no entanto, sempre esteve nas atividades em que o trabalho à distância não se mostra possível – atividades industriais, comércio e serviços com atendimento presencial, logística e transportes etc. E, tal como reforçado pela nova Lei, na inexistência de atividades passíveis de serem exercidas em domicílio, o afastamento equivalerá a uma licença remunerada” – Ou seja, a empregada gestante deverá receber os salários no período de afastamento, até o início da licença maternidade. Afinal, de acordo com o texto legal, “a gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial”, “sem prejuízo da remuneração” e “ficará à disposição para exercer as atividades sem seu domicílio”, sendo que, no direito do trabalho brasileiro, o tempo à disposição ao empregador é contraprestação suficiente ao recebimento do salário.
Collesi ainda esclarece que “o fato da gestante ficar à disposição do empregador, não significa dizer que trabalhará 24 horas por dia”. A trabalhadora deverá fazer a mesma jornada que fazia no trabalho presencial. Apesar da legislação excetuar a obrigação de marcação de ponto e, com isso, o regime de horas extras aos teletrabalhadores, a Constituição estabelece o limite de trabalho por dia (8 horas diárias ou 44 semanais, com limite máximo de 10 horas diárias), devendo sempre ser respeitado.
O empregador deverá fazer um aditivo contratual para alteração da modalidade do contrato e incluir as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado (pode negociar livremente), bem como deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Paula Collesi é advogado e sócia do Ovidio Collesi Advogados Associados. (Foto: Divulgação)
Afinal a determinação é boa ou ruim?
“Acredito que exista o lado bom e o ruim da determinação. O bom é que, em um momento com tantas mortes, tentou-se preservar vidas futuras. Não à toa, a proteção à maternidade está preservada pela Constituição e sempre recebeu a mais alta atenção da Justiça do Trabalho”, pontua Collesi.
Por outro lado, a advogada descreve que “a forma como a regra foi escrita, trará diversas interpretações e, com isso, maior insegurança jurídica. O empresariado realmente fica em uma situação desconfortável, pois em casos em que o teletrabalho não seja possível, arcar com o salário de uma trabalhadora e mais uma pessoa para substituí-la, só aumentará os custos, em uma fase em que a ordem é cortar custos”.
Para Baronian, “a medida, peca ao deixar o ônus aos empregadores, nas hipóteses em que o trabalho remoto não se mostrar possível, especialmente se pensarmos nas micro e pequenas empresas, que são as que mais geram empregos no País”.
Diferente solução, foi adotada pela Lei para a hipótese de afastamento da empregada gestante ou lactante das atividades insalubres. A CLT, alterada pela reforma trabalhista de 2017, previu que, quando não for possível à gestante ou lactante exercer suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, a cargo da Previdência Social, durante todo o período de afastamento. Ou seja, garante-se a necessária proteção à trabalhadora gestante, com o afastamento do trabalho e manutenção da renda, mas mediante uma correspondente e imprescindível cobertura assistencial previdenciária. “É o que, a princípio, deveria ocorrer em toda e qualquer necessidade de afastamento do trabalho em função do grupo de risco no contexto da pandemia”, ressalta o advogado.
De toda forma, já se discute, com certa polêmica, a possibilidade de conjugar o afastamento determinado pela nova Lei com as medidas de enfrentamento da pandemia que voltaram a ficar disponíveis, ao menos até agosto de 2021, através das Medidas Provisórias 1.045 e 1.046, de 27/04/2021: Antecipação de férias e de feriados, banco de horas especial e até mesmo redução de salário ou suspensão do contrato de trabalho, mediante benefício emergencial pago pelo Governo e eventual ajuda compensatória paga pelo empregador.
Se não há empresa, não há emprego. Devemos, sem dúvida, proteger as trabalhadoras grávidas, mas, sem o empregador, trabalhadoras gestantes não terão meios de se sustentar. Há que se conciliar os interesses.
É de se destacar que a lei nada disse sobre a possibilidade de retorno da empregada gestante ao trabalho presencial após eventual vacinação.