Empresas podem ser responsabilizadas por casos de assédio? Especialistas explicam

Quando se fala sobre prevenção aos casos de assédio sexual e moral, é fundamental que empresários, gestores e acionistas entendam como e por que empresas podem ser responsabilizadas por um incidente deste perfil no meio corporativo.

Camila Machado_Sonia Marques Dobler AdvogadosCamila de Moraes Machado, do escritório Sonia Marques Döbler Advogados. (Foto: Divulgação)

Quando se fala sobre prevenção aos casos de assédio sexual e moral, é fundamental que empresários, gestores e acionistas entendam como e por que empresas podem ser responsabilizadas por um incidente deste perfil no meio corporativo e quais atitudes podem auxiliar no combate e redução de danos desta natureza.  Afinal, entende-se que criar um ambiente respeitoso e inclusivo para qualquer profissional também é responsabilidade da governança corporativa. Sendo assim, esta pauta precisa estar presente, cada vez mais, na rotina dos gestores de pessoas que buscam levar a discussão sobre o assédio às organizações e o gerenciamento de fatores situacionais no trabalho.

De acordo com a advogada Marina Nicolosi, especializada em Compliance e Ética Corporativa e sócia do escritório Adriana Dantas Advogados, “conforme o Código Civil, empregadores são responsáveis por reparar civilmente ações de seus empregados e representantes, quando cometem infrações no exercício da função”.

A advogada explica que a responsabilidade das empresas em casos de assédio é objetiva. “Ou seja, não importa se a empresa teve parte ou conhecimento do comportamento do assediador. Uma vez que o assédio seja cometido nas dependências da empresa ou durante o exercício de seu cargo, é dever da empresa evitar ou mesmo impedir o cometimento desses atos. Caso não haja oportunidade para tanto, deve remediar os seus efeitos aplicando as medidas disciplinares previstas no programa de integridade e, preferencialmente, garantindo à vítima do assédio informações sobre seus direitos e/ou encaminhamento jurídico para que seja indenizada material e moralmente”, comenta Marina Nicolosi.

Ainda é possível analisar o assunto sob a perspectiva da Carta Magna, segundo a advogada Camila de Moraes Machado, do escritório Sonia Marques Döbler Advogados, que atua nas áreas de contencioso cível e trabalhista. “Por se tratar de condutas incompatíveis com os princípios da Constituição Federal e com as previsões de leis que tratam da dignidade da pessoa humana, a prática de assédio moral ou sexual é passível de responsabilização da empresa, na qualidade de empregadora, notadamente o pagamento de indenização por danos morais ao empregado assediado”, explica.

Risco trabalhista

Para o advogado trabalhista e sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM), Juarez Camargo de Almeida Prado Filho, há questões que caracterizam o assédio sexual e o assédio moral no contexto das relações trabalhistas. “A exposição reiterada do empregado a situações humilhantes e vexatórias, e a condutas que causam dano à sua dignidade, honra e imagem - no caso do assédio sexual, como o próprio termo evidência, há uma conotação sexual”, explica.

Almeida Prado adiciona que é possível, ainda, atrair o dever de indenizar uma vítima se o assédio moral ou sexual for caracterizado pela ação de colegas em diferentes níveis hierárquicos, não apenas pela ação institucional ou de gestores.

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Advogado trabalhista e sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM), Juarez Camargo de Almeida Prado Filho. (Foto: Divulgação)

Como evitar casos de assédio no ambiente de trabalho e mitigar riscos

De acordo com o levantamento divulgado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no final do ano passado, as denúncias de assédio sexual aumentaram cerca de 64 % nos últimos cinco anos. Por isso, empregadores e gestores de empresas precisam estar, cada vez mais, conscientes sobre atos discriminatórios que resultem em qualquer tipo de assédio e preparados para lidar com este tipo de situação.

Segundo a advogada Marina Nicolosi, “empresas devem adotar medidas para que sua cultura antiassédio seja incorporada no comportamento dos colaboradores. “Primeiramente, deve-se ter claro que a empresa não coaduna com ações que incorram em assédio. Portanto, seus valores, seu Código de Ética, suas normas internas devem ser claras quanto à vedação e intolerância a esse tipo de comportamento. Além disso, deve-se haver extensiva comunicação sobre essa proibição, bem como exemplos práticos de situações que configuram assédio, que, por vezes, pode se configurar numa ‘zona cinzenta’ e serem lidas com ‘normalidade’ tanto pelo potencial assediador, como pela vítima e por testemunhas”, explica.

Para o advogado Juarez Almeida Prado, da Advocacia RMM, os mecanismos mais efetivos para o enfrentamento da questão são aqueles voltados à prevenção e à conscientização.  Como exemplos, ele cita a elaboração de um código de ética, o fortalecimento de princípios organizacionais incompatíveis com a cultura do assédio, a conscientização de gestores e empregados por meio de palestras, cursos e cartilhas, o controle e a avaliação dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho, incluídos aqueles relacionados à carga horária e volume de trabalho, a criação de canais de denúncia e o oferecimento de apoio psicológico.

Papel do advogado

Por estes motivos, “o advogado ou a assessoria jurídica têm papel fundamental na orientação preventiva às empresas, com o objetivo de conscientizá-las sobre a importância da informação sobre o tema, (capacitá-las para lidar com eventual prática de assédio e assessorar na elaboração dos documentos internos, como código de ética, regimento interno, dentre outros, bem como na realização de palestras e workshops”, explica a advogada Camila de Moraes Machado.

Marina Nicolosi ainda alerta que, uma vez que as situações de assédio, tanto moral, quanto sexual, normalmente são de difícil comprovação, a participação de um advogado na própria investigação do caso assegura o sigilo profissional com o cliente/empresa, de modo que a investigação seja conduzida com maior segurança até as conclusões e adoção de medidas. “Por fim, um advogado na condução da investigação tem a expertise necessária para a obtenção das evidências que serão exigidas num contexto litigioso, se houver”.

Adriana Dantas Advogados_Foto_Marina Nicolosi_5Marina Nicolosi, especializada em Compliance e Ética Corporativa. (Foto: Divulgação)

Comunicação interna, gestão de pessoas e cultura

Além da assessoria jurídica, as áreas de gestão de pessoas e comunicação interna também têm papel fundamental na prevenção de casos de assédio nas empresas. Por meio de uma cultura organizacional forte, cria-se um ambiente no qual equipe e gestores mantêm uma rotina de trabalho de qualidade, na qual o colaborador é uma das prioridades. O desenvolvimento dessa cultura também abrange os comportamentos no ambiente corporativo, que deve priorizar o respeito e a ética entre todos os indivíduos.

Segundo a consultora de comunicação interna e endomarketing, Caroline Sciarotta, da LETS Marketing, “o RH tem papel inicial de instigar a alta liderança em revisitar a cultura e definir valores que gerem definitivamente o abandono de uma cultura desfavorável e tóxica, para que se transforme em algo positivo e perene”. Ela cita cinco iniciativas recomendadas para empresas de diferentes perfis:

  • Artefatos da cultura: O discurso precisa estar alinhado à prática. Dessa forma, revisitar tudo aquilo que pode ser percebido pelo público interno, ou seja, a parte tangível da cultura, como processos, políticas, sistemas, rituais, entre outros, será extremamente importante. Uma iniciativa seria incentivar a organização de grupos internos com dois propósitos: um poderá ser por afinidade e acabar discutindo necessidades e programas internos como apoio às ações de compliance. Outro poderá ser para apoiar e dar assistência psicológica às vítimas, normalmente conduzido por uma assistente social sempre de forma isenta e confidencial;
  • Walk the talk: a cultura é reflexo da alta liderança, e o trabalho deve começar pela sensibilização e engajamento no tema, para que se comprometam com as ações, estejam dispostos na mudança de comportamento e sejam exemplos de boas maneiras e de respeito no relacionamento interpessoal. Aqui vale avaliar quem não se encaixa mais nessa nova cultura;
  • Reforço por repetição: A repetição do discurso leva à assimilação e naturalização do comportamento esperado. Quanto mais a organização reforçar a relevância que trata o tema, maior a interiorização pelas pessoas, e, por consequência, os reflexos disso no dia a dia. Para isso, é necessário estruturar um plano de comunicação, definindo mensagens-chave, frequência, canais e diferentes formatos e abordagens para ajudar no engajamento;
  • Aprendizado pela vivência e experiência: Desenvolver treinamentos e rodas de conversas com exemplos ou depoimentos reais ajudam na sensibilização e capacitação das pessoas no tema;
  • Conhecimento das consequências:  Comunicar com antecedência e trazer clareza de como os casos serão tratados e possíveis consequências reforça a mensagem que a organização quer passar.

Voz dos especialistas

Marina Nicolosi: “Inerente ao conceito de assédio moral e o sexual está a noção de recorrência da conduta, ou seja, não deve ser uma conduta pontual e isolada. Requer-se uma análise contextualizada e cuidadosa da situação, dando às partes o conforto de que serão ouvidas de forma imparcial e sem julgamentos. O trabalho preventivo da empresa é fundamental, por meio de campanhas que deixem claro os comportamentos esperados e tolerados”.

Camila de Moraes Machado: “Todas as iniciativas adotadas pelas empresas, com a finalidade de prevenir o assédio moral ou o sexual no ambiente de trabalho são de extrema importância, sendo imprescindível garantir que todos os empregados saibam o que é o assédio moral e o assédio sexual e quais são os comportamentos e ações aceitáveis no ambiente de trabalho. Além disso, as empresas devem estar atentas às condutas inadequadas e não se omitir diante de situações de assédio, tomando as medidas cabíveis para investigação e punição, se comprovada a prática desse tipo de conduta”.

Juarez Almeida Prado: “É importante que o empregador compreenda que a manutenção de um ambiente de trabalho hígido, seguro e sadio não objetiva apenas o atendimento à legislação para fins de não responsabilização civil. Absolutamente não. Além de atingir uma finalidade social, a construção de um ambiente positivo impactará diretamente a produtividade dos empregados, além de servir de uma importante ferramenta de atração e retenção de talentos. Além do mais, em tempos em que as empresas são cada vez mais avaliadas sob a perspectiva ESG (em português: ambiental, social e de governança), a adoção de uma cultura organizacional ilibada se apresentará como um relevante diferencial competitivo”.    

Caroline Sciarotta: “Uma organização é formada por pessoas diferentes, que se desenvolveram em culturas variadas e possuem diferentes crenças e valores. Ou seja, definir uma nova cultura e somente informar, não é garantia de que os comportamentos vão mudar.  Muito antes de fazer cartilhas ou pedir para que os funcionários assinem termos de conduta, é necessário adotar medidas para mudança de comportamentos. Para isso, esforços e iniciativas estruturadas precisam se reunir para dar clareza e peso ao posicionamento da organização, apoiados por um bom plano de comunicação interna”.

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