"Empresa que não olhar para diversidade está fadada ao fracasso"
Djalma Scartezini, consultor da EY, explica como o tema deve ser estudado e aplicado no ambiente corporativo.
Os temas diversidade e inclusão serão imprescindíveis no mundo pós-pandemia e deverão fazer parte da pauta das empresas.?“Uma empresa que não olhar para diversidade, equidade e inclusão está fadada ao fracasso”, afirma o gerente sênior de consultoria para Diversidade e Inclusão da EY no Brasil e América do Sul, Djalma Scartezini.
Há mais de 10 anos, Scartezini?trabalha para que?empresas brasileiras e multinacionais entendam e coloquem em prática ações sobre diversidade e inclusão no ambiente corporativo. “Ter uma cultura inclusiva deveria ser uma competência de cada colaborador e de cada líder, e não uma área com orçamento”, explica.
Formado em Psicologia, o consultor transformou sua deficiência em uma ferramenta para mudar o cenário das empresas. “Tinha consciência de minhas inabilidades físicas e motoras para certas atividades, mas nunca me percebi com menos competência cognitiva para poder chegar a qualquer posição. Essa segurança pessoal me permitiu crescer na carreira e batalhar por essas posições”, explica.
Nesta entrevista, Djalma Scartezini faz um panorama dos principais quatro pilares da diversidade (gênero, raça, pessoa com deficiência e LGBTQIA+) e mostra como a pandemia impacta nessas agendas.
Qual tem sido a principal pauta de diversidade?
As mortes de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Alberto, no Brasil, reacenderam a discussão racial. Esta se tornou a pauta principal da diversidade nas empresas, com os clientes colocando o tema globalmente pela força do “Black Lives Matter”.?Estamos vendo?setores?criarem?programas de aceleração de carreira, como o de trainee do Magazine Luiza, ou de ações afirmativas que visam corrigir um histórico social. O problema é que, infelizmente, pode acontecer uma outra morte como a de Floyd.
Como a pandemia impacta a agenda de gênero?
Há impactos positivos e negativos. O lado positivo é que há uma revisão dos papeis dos casais heteroafetivos, por exemplo. A fala das mulheres tem mudado: “meu marido faz a parte dele” e não mais “ajuda”. Temos também rediscutido a importância da carreira do homem e da mulher. Ainda há uma série de premissas indicando que a carreira do homem é mais importante. O lado negativo dessa agenda é que aumentaram os casos de violência doméstica nos lares brasileiros e de feminicídio.?
Na questão de trabalhadores com deficiência, como o mercado está reagindo?
Entramos na pandemia com uma tensão gerada pela possibilidade de perda de direitos. Em dezembro de 2019, houve a tentativa de o governo federal extinguir a Lei de Cotas. Mas houve também uma decisão da Secretaria do Trabalho (Ministério da Economia) que impediu o desligamento de pessoas com deficiência?até o fim de 2020. Isso ajudou uma série de empresas a manter as posições contratadas. Embora a lei não tenha sido renovada, temos visto que a maioria quer manter esse compromisso. O mercado está começando a sair dessa discussão da cota pela cota legal, unicamente por compliance, e a entender que, de fato, atrás desse profissional pode ter uma alta competência também.
?O home office influencia na contratação de pessoas com deficiência?
Há um aumento de contratação de pessoas com deficiência na pandemia. O gestor, quando tem de contratar, está protegido pela telinha do computador e não está vendo a deficiência. Não está se relacionando obrigatoriamente com a deficiência, não tem de se preocupar, por exemplo, com a ida e volta do trabalho desse funcionário, ou como será o almoço. Vemos menos receio de contratação. Esperamos que, quando voltarem para o modelo híbrido, seja qual for a frequência semanal, as empresas não deixem de contratar porque, acima de tudo, incluir é entrar em relação ou ter a pré-disposição para entrar em conexão com as pessoas.
Como as empresas estão atuando na agenda LGBTQIA+??
Os temas são trazidos a público com maior facilidade, mas os direitos são conquistados e ameaçados o tempo inteiro. A gente vê projetos de lei tentando proibir um casal homoafetivo em uma propaganda de televisão e CEOs se posicionando que as marcas são inclusivas. Vivemos em um momento de contrastes em que as pessoas clamam por posicionamento. Os casos de assédio moral e homofobia em geral aumentaram. Existe uma sensação de que no virtual pode tudo. As empresas estão muito atentas. Trabalhar a diversidade também significa tratar os temas e definir o que não gostariam em termos de comportamentos. Os funcionários entram pelo LinkedIn e vão embora pelo seu Facebook ou Instagram. O comportamental é cada vez mais valorizado.
Dessas agendas, qual está mais avançada nas empresas??
A mais antiga e madura é a de gênero. Já se discute há muito tempo a questão da carreira?da mulher e a sua posição em cargos de liderança. Várias empresas colocam metas para serem cumpridas em 3 a 5 anos e conectadas, inclusive, aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da Organização das Nações Unidas (ONU). Ainda é preciso fazer uma quebra cultural importante de que a mulher não pode ter um cargo mais complexo de gestão se tiver filhos e marido. Essa é a premissa que está por trás.
A agenda de pessoa com deficiência é a segunda mais madura porque está em discussão há cerca de 20 anos, e há um dispositivo legal que tem multado drasticamente as empresas de todos os setores que não cumprem a cota.
A racial é a que deveria ser a agenda prioritária, na minha opinião. Por conta da morte do George Floyd, as empresas acordaram e lançaram seus programas de diversidade ou estão investindo mais fortemente. A LGBTQIA+ tem caminhado e acho que ela dá alguns saltos e reage muito fortemente à maneira como o mercado se coloca.
?Na sua opinião, o que a empresa que decide investir em diversidade e inclusão precisa??
O trabalho de diversidade vai começar com um grande diagnóstico dessa empresa, de uma foto de como ela está. Uma coisa é o que a empresa fala para fora. Outra é o que de fato as pessoas percebem o que está sendo falado. E aí entra minha segunda recomendação: antes de falar para fora, olhar dentro de casa. Além disso, é preciso governança de um programa com estrutura para ter avanço, foco, investimento e metas. Tem de ser uma meta factível?para poder comemorar cada uma das vitórias. E como se constrói a cultura? Com uma trilha de capacitação permanente. Ter uma cultura inclusiva deveria ser uma competência de cada colaborador e de cada líder e não uma área com orçamento, investimento e meta puxando e apertando para que uma empresa vire essa cultura específica. Ainda tem um tempo de maturação para chegar lá.
Em termos de inclusão, como você imagina o pós-pandemia nas empresas??
O advento do ESG (ambiental, social e de governança) entrou na pauta fortemente no meio da pandemia e veio para ficar como um novo marco regulatório, uma nova régua que vai dizer como as empresas têm de operar. Está muito claro como as multinacionais enxergam o que precisam fazer para construir um mundo de negócios melhor. Não dá para negligenciar essas três letrinhas e a diversidade vai pegar carona nesses temas. Arrisco a dizer que uma empresa que não olhar para diversidade, equidade e inclusão está fadada ao fracasso.
?Como a sua deficiência ajudou na construção da sua carreira e no seu trabalho??
Eu não pensava que isso era relevante para as pessoas porque acredito, de maneira bem clara, que sou uma pessoa privilegiada e que não sofre um terço do que as pessoas sofrem. Olhando para o meu lugar de estrutura mesmo. No Brasil, o acesso às coisas tem a ver com o poder aquisitivo e não com meritocracia. O local de nascimento garante acesso à estrutura social e econômica de classes. Sou uma pessoa que nasceu na classe A/B, com um pai médico que fez o meu parto. Nasci de cinco meses e, se não tivesse sido meu pai, eu não estaria aqui. Tive uma série de privilégios de acesso. Mas o que impactou e virou motor é que sempre fui a única pessoa em todos os lugares em que estudei, trabalhei e circulei que tinha algum tipo de deficiência. Isso era estranho por um lado e positivo por outro. Eu tinha consciência de minhas inabilidades físicas e motoras para fazer certas atividades, mas nunca me percebi com menos competência cognitiva para poder chegar a qualquer posição. Essa segurança pessoal me permitiu crescer na carreira e batalhar por essas posições.