Como evitar riscos trabalhistas ao adotar um modelo híbrido de trabalho
O maior desafio do empresário para a instituição do modelo híbrido do trabalho é a falta de previsão legal específica e jurisprudência consolidada sobre o tema, explica advogada.
Antes da adoção do modelo de trabalho híbrido, o ideal é que seja feita uma intepretação da legislação, conciliando as disposições relativas ao trabalho presencial e o teletrabalho (estas inseridas pela Lei nº 13.467/2017), sempre considerando os princípios de proteção ao trabalhador e vedação a alterações lesivas ao contrato de trabalho.
Além disso, é importante que todas as disposições sejam acordadas por escrito e que haja transparência quanto às condições de trabalho, estabelecendo-se o que se espera do empregado alocado para trabalhar em regime híbrido e a contrapartida da empresa.
“A jornada de trabalho é uma questão que possui bastante relevância, especialmente para os cargos em que a legislação exige controle de jornada”, afirma a advogada Marina Glorigiano Tarricone de Barros, do escritório Queiroz e Lautenschläger Advogados.
Para os empregados que são alocados em tempo integral no modelo de teletrabalho, a legislação, alterada pela chamada Reforma Trabalhista de 2017, dispensa a anotação da jornada e o pagamento das horas extras.
No entanto, o modelo híbrido não autoriza a dispensa do controle de jornada, especialmente considerando que parte do trabalho é desenvolvido no estabelecimento do empregador ou do tomador de serviços.
Nesse contexto, merece destaque a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como a responsabilidade pela segurança e armazenamento de dados, que devem estar devidamente previstas no contrato de trabalho ou aditivo contratual.
Outro aspecto importante é quanto aos acidentes ocorridos na residência do empregado, local em que o controle das condições de trabalho é mitigado – no entanto, permanece a responsabilidade do empregador em orientar o empregado quanto a estes riscos.
Vale ressaltar também que o empresário deve ficar atento quanto à gestão dos profissionais, promovendo treinamento aos supervisores quanto aos horários e modo de comunicação com os empregados em trabalho remoto, especialmente considerando a forma coloquial utilizada nos aplicativos de mensagens, de forma a evitar questionamentos judiciais especialmente quanto às horas extras e assédio moral.
Marina Glorigiano Tarricone de Barros, advogada trabalhista do Queiroz e Lautenschläger Advogados. (Foto: Divulgação)
As obrigações do empregador aos instituir o trabalho híbrido
Os benefícios normalmente quitados pelo empregador, inclusive os concedidos por liberalidade, geralmente, devem continuar sendo pagos normalmente aos empregados, com exceção do vale transporte, cujo fornecimento está condicionado à utilização de transporte público para deslocamento à empresa.
Além disso, o empresário é responsável por orientar o empregado quanto às medidas de saúde e segurança do trabalho, sendo que as questões de ergonomia ganham especial relevância no cenário do home office.
“Muitas vezes, os empregados não possuem em sua residência cadeiras e estação de trabalho apropriadas para desempenharem suas atividades por tempo prolongado. O trabalho em condições inadequadas pode desencadear ou agravar condições de saúde e, consequentemente, o empresário pode ser acionado judicialmente e ser responsabilizado pelo pagamento de indenização por danos morais e materiais caso seja comprovado que a condição de trabalhou acarretou na doença ou agravamento e eventual incapacidade laboral”, pontua a advogada.
Quanto às despesas e custos para o desempenho do trabalho de forma remota, a lei não obriga o empresário a arcar com referidos valores. Contudo, é possível estabelecer em contrato ou aditivo subsídio mensal ou reembolso. Neste ponto, a legislação é expressa ao afirmar que os valores pagos pelo empregador não possuem natureza salarial, ou seja, não servem como base de cálculo para pagamento das verbas trabalhistas, tampouco sofrem incidência de contribuições previdenciárias.
Para evitar riscos trabalhistas quanto à cobrança de subsídios para o trabalho remoto, deve ser estabelecido formalmente e por escrito se o empresário irá ou não arcar com os referidos custos.
Atenção especial em casos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais
A configuração do acidente sofrido na residência ou fora do estabelecimento do empregador em acidente de trabalho irá depender das circunstâncias de cada caso.
A advogada ressalta: “Vale lembrar que o art. 19 da Lei nº 8.213/1991 conceitua que o acidente de trabalho é aquele que ocorre em razão do exercício do trabalho, independentemente do local da prestação de serviços”.
Ainda, conforme determina a legislação (art. 157 da CLT), as empresas têm o dever de atuar ativamente na prevenção de acidentes de trabalho, especialmente cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, adotando medidas adicionais que forem impostas pelo órgão competente, instruir os empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais e fiscalizar o cumprimento das normas pelos empregados.
Dessa forma, quando as atividades são desenvolvidas no estabelecimento do empregador, este deve, não só orientar os empregados, mas exigir que as normas de segurança sejam cumpridas. A inobservância pela empresa de qualquer das ações poderá ensejar a sua responsabilidade pelos danos causados em caso de acidente.
Por sua vez, a CLT, com a alteração promovida em 2017 pela Lei nº 13.467, determinou que, nos casos em que o empregado exerça a atividade em teletrabalho, o empregador deverá orientar quanto aos cuidados que deverão ser tomados para evitar doenças e acidentes de trabalho.
Em contrapartida, a lei expressamente determina que o empregado deve assinar um termo se comprometendo a seguir as instruções fornecidas pelo empregador quanto à segurança e medicina do trabalho.
Assim, a legislação atribui ao empresário a responsabilidade pela prevenção dos acidentes de trabalho e, consequentemente, este pode vir a ser acionado judicialmente pelos danos causados aos empregados nestas circunstâncias.
Para Marina Glorigiano Tarricone de Barros, “um ponto de atenção é que, com a realização das atividades laborais na residência do empregado, o controle e fiscalização pelo empresário quanto às condições do trabalho acaba mitigada, o que dificulta a diferenciação do acidente doméstico com o acidente de trabalho”.
O empregador tem o dever de promover condições de trabalho adequadas, bem como orientar os empregados e fiscalizar o cumprimento das normas relativas à segurança e medicina do trabalho, independentemente do local em que as atividades laborais são desempenhadas, seja na residência do empregado, na empresa ou na sede do tomador de serviços.
Dessa forma, é importante que os empregados sejam orientados com clareza quanto ao horário e organização do trabalho, incluindo-se intervalos e pausas, e quanto às condições ideais para desempenho das atividades, tanto para reduzir os riscos de acidentes envolvendo a ergonomia, como também para a saúde mental dos trabalhadores que, muitas vezes, acabam por se sobrecarregar na tentativa de conciliar as atividades domésticas com as laborais durante o dia.
A fiscalização do ambiente de trabalho pelo empregador poderá ser feita remotamente, por videoconferência ou presencialmente, desde que seja comunicado com antecedência e que haja a anuência do empregado, de forma a preservar a intimidade do empregado.
Considerando que, a par da obrigação da empresa, o trabalhador tem o dever de seguir as recomendações quanto às condições de trabalho, a inobservância das referidas orientações pelo empregado pode isentar a empresa de qualquer responsabilidade caso seja constatado o acidente de trabalho, tendo em vista que a culpa pela ocorrência decorreu da conduta do empregado.
Nesse contexto, a Justiça do Trabalho de São Paulo já decidiu no sentido de que, na hipótese de teletrabalho, a empresa deve orientar e instruir os trabalhadores quanto às normas de medicina e segurança do trabalho, competindo ao empregado comprovar que cumpriu as orientações, sob pena de restar afastada a responsabilidade da empresa pela indenização de quaisquer danos decorrentes do acidente de trabalho[1].
Determinações do Tribunal Regional do Trabalho
No caso julgado pelo Tribunal Paulista, o voto do Desembargador Relator consignou que “a empregadora não tem livre acesso à residência do empregado, ou ao local quem prestará os serviços. Logo, não possui plenas condições de avaliar as efetivas condições de desempenho do labor, todo o mobiliário e os equipamentos utilizados pelo trabalhador etc.”
“O que se pode exigir da empresa é o cumprimento da obrigação primordial de instruir os empregados quanto à necessidade de observância das normas de segurança e higiene do trabalho, a fim de precaver o surgimento de doenças e de acidentes, fornecer o mobiliário adequado, orientá-los quanto à postura adequada, pausas para descanso etc.”
Assim, o Tribunal Regional do Trabalho decidiu que não se pode exigir da empregadora uma fiscalização efetiva à residência o empregado, “a fim de perquirir acerca de suas condições reais de labor, tampouco um acompanhamento cotidiano das atividades por ela executadas”.
Vale ressaltar que, apesar do teletrabalho ter sido expressamente previsto na legislação trabalhista em 2017, as questões tornaram-se mais relevantes e frequentes com a pandemia, que impôs aos empregadores a adoção de modelos diferentes de trabalho para se adaptar à nova realidade.
Portanto, a tendência e que sejam intensificadas as discussões a respeito da configuração do acidente de trabalho e da responsabilidade do empregador nos casos de teletrabalho ou home office, em especial quanto às orientações e fiscalizações do empresário e responsabilidade do trabalhador no cumprimento das normas de segurança, devendo cada caso ser analisado individualmente, de acordo com suas particularidades.
Como empresários podem se adaptar para o controle de jornada de trabalho híbrido
A legislação não obriga o controle de jornada dos empregados que exerçam atividades fora das dependências da empresa ou do tomador de serviços, tampouco dos empregados que exerçam o teletrabalho (art. 62, I e III, da CLT).
Por sua vez, o parágrafo 2º do art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) exige a anotação da jornada de trabalho, para as empresas com mais de 20 empregados, mesmo que o trabalho seja desempenhado fora do estabelecimento do empregador.
No entanto, o trabalho híbrido é caracterizado pelo desempenho das atividades laborais parte nas dependências da empresa, parte de forma remota, não havendo previsão legal específica quanto à referida modalidade.
De forma a evitar discussões judiciais a respeito da jornada de trabalho e, principalmente, pagamento de horas extras e adicional noturno, deve ser mantido o controle de ponto em todos os dias, inclusive naqueles em que o trabalho é desempenhado fora do estabelecimento do empregador.
Com o avanço da tecnologia, é possível o controle da jornada de trabalho por meio da vinculação do login no sistema da empresa, por exemplo, ou ponto on-line. O empregado também pode fazer a anotação manual dos horários de início e término do expediente e intervalos.
“Uma alternativa é realizar o ponto por exceção, que consiste na anotação apenas das horas extras, conforme prevê o parágrafo 4º do art. 74 da CLT. Assim, nos dias em que o empregado não ultrapassar a jornada contratual, não haverá qualquer anotação, ao passo que nos dias em que for ultrapassada a carga horária, apenas será sinalizado o tempo excedente”, aponta a advogada.
Vale ressaltar que a adoção da referida modalidade de controle de jornada depende, necessariamente, de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
O controle da jornada de trabalho
Por expressa disposição legal, o empregador possui o poder diretivo, que consiste na autonomia de decidir como serão desenvolvidas as atividades do empregado decorrente do contrato de trabalho, bem como controlar e disciplinar o trabalho de acordo com os objetivos da empresa.
Em que pese não ser um direito absoluto, compete ao empresário definir a forma como será realizado o trabalho, inclusive se presencialmente, de forma remota ou híbrida.
Consequentemente, o empregador tem direito de estabelecer os dias ou mesmo as ocasiões em que o empregado deverá comparecer presencialmente na empresa.
Vale destacar que, mesmo em se tratando de teletrabalho, o empregador possui o direito de exigir a alteração do regime de teletrabalho para o presencial, garantindo prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.
Por analogia, o empregador pode alterar os dias pré-definidos de trabalho presencial e remoto, desde que comunicado com antecedência necessária para organização do profissional e, da mesma forma, poderá alterar o regime de trabalho híbrido em exclusivamente presencial.
Para dar mais transparência e segurança para as partes, é imprescindível que as condições do trabalho híbrido estejam previstas em contrato ou aditivo escrito, inclusive os dias em que será realizado o trabalho de forma remota, bem como as hipóteses e prazos de convocação ao trabalho presencial e possibilidade de alteração do regime em trabalho exclusivamente presencial ou remoto.