Black In Tech: a Inclusão de Jovens Negros e Negras no Mercado de TI

O professor Raulison Alves Resende, idealizador do projeto, fala sobre a iniciativa que vai fornecer formação técnica gratuita a 40 jovens da periferia.

Feature imageO professor Raulison Alves Resende promovendo o ensino na área de tecnologia. (Foto: Reprodução/Insper)

Oferecer capacitação gratuita e bolsa-auxílio a 40 jovens talentosos e periféricos — idealmente, 20 rapazes negros e 20 moças negras. Esse é o objetivo do Black in Tech (BiT), um projeto de inclusão de jovens negros e periféricos no mercado de tecnologia da informação. A ideia é selecionar jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, com ensino médio completo e conhecimento de informática, para fazer um curso de capacitação de quase 700 horas, presencial, em cinco meses, no Insper.

Cada participante vai receber uma bolsa permanência, equipamentos e conexão de dados necessários para o melhor aproveitamento possível no curso. “O curso inclui um coaching individual para acompanhamento e orientação de carreira, de modo que os jovens tenham a oportunidade de planejar e se preparar para trilhar uma trajetória profissional de sucesso”, diz Raulison Alves Resende, idealizador do projeto e professor do Insper

O projeto já conta com o apoio técnico das empresas de tecnologia SAPMicrosoft e Amazon Web Services(AWS), bem como da Educafro, organização que promove a inclusão da população negra em universidades públicas e particulares, e do Centro Cultural Brasil Estados Unidos (CCBEU), para apoio no ensino de inglês. A iniciativa está aberta à participação de outras empresas. “As parcerias são de fundamental importância para a execução do BiT e podem se dar em diferentes etapas”, diz Resende, que dá mais detalhes sobre o projeto na entrevista a seguir.

 

Raulison Resende
Professor Raulison Resende

 

Como surgiu a ideia de criar o programa Black in Tech?

Em fevereiro de 2020, concluí uma pesquisa intitulada “Entre a perspectiva do trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana: uma proposta para os egressos do sistema penitenciário de Goiás”, no curso de especialização em políticas públicas da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG). O objetivo era investigar a ineficiência ou a ausência de políticas públicas para jovens nas regiões periféricas onde a população majoritariamente de pretos e pardos apresenta indicadores sociais inferiores aos dos brancos, escancarando a realidade da desigualdade e discriminação racial em Goiânia, em Goiás e no Brasil.

Os resultados da pesquisa foram alarmantes, entre eles, o baixíssimo desempenho da educação do Brasil no que diz respeito aos indicadores do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o Pisa, bem como o alto índice de violência e criminalidade potencializadas pela ineficiência e pela ausência de infraestrutura local.

Estas são desigualdades que geram, desenfreadamente, profundos desequilíbrios dos sistemas familiares, que vão se desestruturando e sucumbindo aos outros tipos e níveis de atrocidades. É enorme a quantidade de mulheres periféricas expostas a diferentes formas de vulnerabilidade e violência, a exemplo do feminicídio. Na outra ponta, vemos a população masculina carcerária em um número assustador, chegando a três gerações de homens no sistema penitenciário de Goiás. Por consequência, a intersecção entre feminicídio periférico e população masculina carcerária desemboca no alto índice de criminalidade dos jovens que acabam ficando órfãos de mãe e pai e, com isso, reféns do mundo do crime. Uma realidade que se estende por todo o território periférico brasileiro.

Fui inundado de uma latente esperança que me movimentou a pensar e a construir ações de intervenção social ao encontrar uma grande quantidade de jovens pretos e pretas periféricos e talentosos, entre 18 e 24 anos, com ensino médio completo. Com algum conhecimento de informática, vi que o que precisavam era qualquer oportunidade de trabalho para garantir o sustento da casa.

Assim nasceu o Projeto Black in Tech – BiT, que tem o objetivo de oferecer uma formação técnica de excelência e de curta duração na área de TI para empregar rapidamente esses jovens talentosos, evitando de serem aliciados pelo mundo do crime organizado. Esta é uma ação para solucionar ou minimizar as desigualdades racial e social que têm origem na história escravagista do Brasil. Para tanto, o Insper está trabalhando para garantir a segurança psicológica e a saúde mental desses jovens em todas as etapas do projeto, que tem a sua essência alinhada ao Programa Cuidar – Vidas Cuidando de Vidas, que consiste em uma proposta inovadora e disruptiva da escola.

 

Por que escolheu a área de tecnologia para incluir os jovens que serão beneficiados pelo programa?

A Brasscom, Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais, publicou um relatório apresentando a estimativa de que, de 2021 e 2025, as empresas de tecnologia vão demandar 797 mil talentos. No entanto, com o número de formandos aquém da demanda, a projeção é de um déficit anual de 106 mil pessoas, perfazendo um total de 530 mil em cinco anos. São números que refletem, segundo a Brasscom, o crescimento acelerado do setor de TIC, deixando clara a urgente necessidade de que a formação profissional também seja ampliada no mesmo ritmo. Analisando os números da Brasscom, além das inúmeras matérias sobre as oportunidades na área de TI, vi a oportunidade de mudar a realidade social e econômica dos jovens pretos periféricos do Brasil que não têm condições de investir numa graduação para colher, inclusive, os resultados somente após dois, quatro ou cinco anos. Então veio o insight de uma formação técnica célere e de excelência em parceria com os maiores players do mercado de TI.

Como será o processo de seleção dos jovens?

As inscrições serão feitas pelo site do Insper e todo o processo de seleção será em conjunto com as empresas interessadas na contratação dos jovens, que, por sua vez, serão avaliados principalmente no tocante às competências humanas (soft skills) e a vocação na área de informática. Obrigatoriamente, para participar, o requisito é ser jovem negro ou negra periférico e talentoso, na faixa etária de 18 a 24 anos, com ensino médio completo.

 

Como será a capacitação desses jovens? O que eles vão aprender?

Os jovens terão uma capacitação na modalidade híbrida, isto é, presencial e remota, de segunda a sábado, perfazendo um total de 36 horas semanais (6 horas por dia). Ao todo, serão 20 semanas, com carga horária total de 695 horas.

Além da formação técnica que poderá ser escolhida, pelo estudante, entre as trilhas Microsoft, SAP e AWS, o curso incluirá aulas de raciocínio lógico e lógica de programação, design thinking e metodologias ágeis. Os participantes terão também o desenvolvimento de soft skills, letramento racial, além de aulas de português, matemática e inglês para reforçar a compreensão dos conteúdos. Professores do Insper e mentores do mercado externo também irão ensinar a metodologia Resolução Eficaz de Problemas (REP), a mesma utilizada na graduação de Administração da Escola.

O curso inclui um coaching individual para acompanhamento e orientação de carreira, de modo que os jovens tenham a oportunidade de planejar e se preparar para trilhar uma trajetória profissional de sucesso.

 

O que acontecerá com os jovens depois que terminar a capacitação?

Um dos maiores impactos do Black in Tech – BiT é a ruptura com a prática histórica e discriminatória dos subempregos destinados à população negra. Vamos formar e inserir esses jovens no mercado dos maiores players de TI, possibilitando a ascensão social e econômica de inúmeras famílias pretas periféricas historicamente à margem da sociedade.

Sinto que o jovem atendido pelo BiT será um farol de liberdade para dar a oportunidade de brilhar a tantos outros jovens brasileiros pretos e pretas da atual geração e aos que virão depois.

 

Essa iniciativa conta com o apoio de empresas parceiras. Fale um pouco sobre a importância dessas parcerias e de que maneira se dará esse apoio.

Sim, são empresas que têm se colocado em parceria desde a concepção desta ideia inovadora e ousada, desenvolvida dentro de uma das principais instituições de ensino superior e pesquisa. Com a certificação EQUIS — selo de qualidade emitido pela European Foundation —, passamos a pertencer, também, ao seleto grupo de escolas de negócios do mundo, menos de 1%, que possuem a chamada tríplice coroa, com os três selos mais respeitados do mercado (AMBA, AACSB e EQUIS). A acreditação reforça o nosso compromisso com a internacionalização e reflete o nosso alto nível de excelência, no ensino, entre as melhores escolas do planeta.

Quero dizer com isso que as empresas que já vieram e as que ainda virão integrar o Black in Tech vão fazer parte de um seleto grupo de parceiras do Insper e passarão a ter visibilidade global como empresas atuantes e engajadas com as políticas de diversidade, equidade e inclusão, como Microsoft, SAP, Amazon Web Services (AWS), CCBEU, Educafro, Brasscom, entre outras.

O Insper está comprometido com as pautas mundiais de diversidade e inclusão, logo, o BiT, com toda a magnitude dos objetivos propostos, atende a, no mínimo, sete dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS): erradicação da pobreza; saúde e bem-estar; educação de qualidade; trabalho decente e crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades; parcerias e meios de implementação.

Dessa maneira, as parcerias são de fundamental importância para a execução do BiT e podem se dar em diferentes etapas. Para cada etapa, precisamos de um conjunto de empresas colaborando no projeto. Na primeira, para encontrar os jovens. Na segunda, para formá-los e, na terceira, para incluí-los nas empresas (on-boarding).

Para esta última etapa, estamos formando um consórcio de empresas preocupadas e comprometidas em mudar a realidade econômica e social dos jovens pretos e pretas periféricos por meio da educação técnica de excelência e de curta duração. Cada empresa se compromete em auxiliar na seleção de no mínimo quatro jovens, acompanhá-los durante a formação com o provimento da bolsa permanência para o melhor aproveitamento possível do curso e contratá-los ao término.

O apoio técnico acontece por meio da Microsoft, da SAP e da Amazon Web Services (AWS) e está aberto a outras empresas interessadas em participar.

 

Fonte: Por Insper Conhecimento