Veja opções para renegociar dívidas tributárias de forma efetiva
Empresários têm recorrido a modalidades de renegociação de dívidas tributárias junto ao Fisco e podem se valer, inclusive, de novas leis publicadas por entes federativos para resolução consensual de disputas tributárias.
A pandemia de covid-19 parece ter gerado impactos na inadimplência tributária. Registrando redução de receita, muitas empresas acabam não pagando tributos como ocorre regularmente.
Com isso, empresários têm recorrido a modalidades de renegociação de dívidas tributárias junto ao Fisco e podem se valer, inclusive, de novas leis publicadas por entes federativos para resolução consensual de disputas tributárias.
Conversamos com especialistas dos escritórios BVZ Advogados e Lollato, Lopes, Rangel e Ribeiro Advogados para entender melhor como renegociar dívidas tributárias de forma efetiva.
Felipe Lollato: endividamento tributário costuma ser relevante nas empresas em crise. (Foto: Divulgação)
- Qual é o peso real, hoje, das dívidas tributárias nas empresas em situação de insolvência?
Para Felipe Lollato, sócio do escritório Lollato, Lopes, Rangel e Ribeiro Advogados, especializado em recuperação judicial e situações especiais de crédito, “o endividamento tributário costuma ser muito relevante nas empresas em crise. Não é incomum encontrarmos endividamentos tributários com cifras superiores a todo o passivo somado que a empresa possui com bancos, fornecedores e funcionários. Quando o caixa é insuficiente para fazer frente aos compromissos, uma das primeiras atitudes do empresário é deixar de recolher os tributos para manter a operação, destinando o recurso para pagamento de insumos e mão de obra”, explica o advogado.
- Quais são as possibilidades, hoje disponíveis, para empresários negociarem ou renegociarem dívidas tributárias?
Segundo o tributarista Daniel Zugman, sócio do escritório BVZ Advogados, especializado em resolução de disputas complexas e Direito Tributário, no âmbito federal, existem dois tipos de acordos possíveis. “A transação tributária, na qual podem ser negociados diversos aspectos do débito, inclusive eventuais descontos e parcelamentos. E o negócio jurídico processual tributário, para os casos em que já há execução fiscal ajuizada, que diz respeito a questões procedimentais da cobrança”, explica.
O advogado detalha diferentes modalidades de transação, que podem ser divididas em dois grandes grupos. “A transação por proposta individual do contribuinte ou da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a transação por adesão, que segue os termos e condições estabelecidos em edital pela PGFN. Essas ferramentas vêm sendo replicadas em nível estadual e municipal”.
- Qual é a importância da lei publicada pelo Estado de São Paulo, no último dia 15 de outubro, sobre dívidas tributárias? Ela já está valendo? Outros estados também estão planejando iniciativas semelhantes?
Para Frederico Bastos, também sócio do BVZ Advogados, a lei 17.293, do Estado de São Paulo, também prevê a possibilidade de redução de multas e juros, bem como moratória e parcelamento. Nos moldes da legislação federal, também ocorrerá por meio de editais por adesão ou proposta individual. Como pontos positivos, destaca-se que a legislação prevê a publicidade dos termos pactuados e possibilidade de diferentes formas de garantia dos débitos. Um aspecto criticável é a impossibilidade de utilização de direitos para quitação de débitos, como precatórios em face do Estado, explica o advogado.
A lei estadual ainda está pendente de regulamentação pela Procuradoria Geral Estadual de São Paulo (PGE-SP). “Há expectativa de que outros Estados e municípios adotem ferramentas semelhantes e há notícia de que já mantêm tratativas com a PGFN para troca de experiências. O município de São Paulo, por exemplo, também já publicou lei a respeito”, diz Frederico.
- Qual tipo de tributo o empresário pode renegociar?
Segundo advogado tributarista Frederico Bastos, em geral não há restrições com relação ao tipo de tributo. “O que pode ocorrer é que dependendo do tipo de tributo podem haver condições diferenciadas de desconto e parcelamento. Por exemplo, no âmbito federal, contribuições previdenciárias estão sujeitas a descontos e parcelamentos menos vantajosos comparativamente aos demais tributos”, diz.
Naturalmente, no caso da PGFN tratam-se apenas de tributos federais (IRPJ/CSLL, PIS/COFINS, contribuições previdenciárias, etc), enquanto no caso do Estado de São Paulo apenas tributos estaduais (ICMS, ITCMD, IPVA, etc). Eventual transação municipal, por sua vez, tratará especificamente de tributos municipais (ISS, IPTU, ITBI, etc).
Frederico Bastos: lei também prevê a possibilidade de redução de multas e juros. (Foto: Divulgação)
- A pandemia de covid-19 aumentou o inadimplemento dos tributos?
De acordo com o advogado Frederico Bastos, “de forma geral a situação de crise financeira impactou as empresas, o que provavelmente implica inadimplemento de tributos. Especificamente sobre isso, há modalidade de transação por adesão extraordinária que foi criada justamente para facilitar a quitação de tributos por contribuintes que foram impactados pela crise. Nessa modalidade, quanto maior tiver sido o impacto para o contribuinte, decorrente do covid-19, maiores serão as facilidades concedidas na transação”, explica.
“Além do mais, é preciso esclarecer que a queda de arrecadação não necessariamente significa aumento de inadimplemento, tendo em vista que a queda é consequência natural do desaquecimento econômico. Por exemplo, há casos de clientes que faturavam 500 milhões de reais por ano e cujo setor econômico foi sensivelmente afetado pela crise, reduzindo-se em 90% o faturamento. Mas não houve inadimplemento de tributos”, esclarecer Bastos.
- Quando é melhor buscar o contencioso, seja judicial ou administrativo, e quando é melhor buscar uma conciliação com o Fisco?
Naturalmente. a escolha entre a via judicial ou administrativa depende da natureza da discussão específica que se pretende travar e da situação da jurisprudência em cada esfera a respeito da respectiva matéria em debate.
Segundo Daniel Zugman, “a opção por conciliação ou contencioso (resolução de disputa) depende de análise das chances de êxito da discussão e do fôlego para apresentar garantias no respectivo processo, versus os benefícios da transação/negócio jurídico processual e a capacidade de cumprimento dos seus termos pelo contribuinte. Há que se considerar, ademais, que eventual acordo com a PGFN implica uma série de obrigações além da quitação do débito em si, como desistência de eventuais discussões sobre os débitos objeto da negociação, restrição à venda de ativos e transparência de uma série de informações que podem ir além do negócio do contribuinte (como informações sobre o patrimônio pessoal dos sócios da empresa que está transacionando)”.
Para o especialista, antes de buscar eventual transação ou acordo processual, é recomendável que o contribuinte faça um levantamento estratégico de todos os débitos passíveis de negociação e pondere os prós e contras de cada alternativa. Ainda que a conciliação possa ser vantajosa, dependendo das chances de êxito da discussão não necessariamente valerá a pena incluir todos os débitos na negociação. A análise dependerá de cada caso, não havendo fórmula pronta que possa ser replicada por todos os contribuintes em todos os casos.
Daniel Zugman: opção por conciliação depende de análise das chances de êxito da discussão. (Foto: Divulgação)
- O que o projeto de lei em tramitação no Congresso, referente à reforma na Lei de Recuperação e Falências, prevê sobre dívidas tributárias? Qual é sua avaliação sobre isso?
O advogado Felipe Lollato explica que o projeto “prevê a possibilidade de não incidência de tributos na receita obtida pelo devedor como deságio de dividas novadas em planos de recuperações judiciais. No que diz respeitos ao endividamento já existente limita-se a afirmar a possibilidade de realização de parcelamentos com a receita, parcelamentos estes, que na mor das vezes, não contemplam a necessidade dos combalidos caixas das empresas em dificuldade. Nos parece que o PL 10.220/2018, não preenche a lacuna da atual lei, deixando de tratar adequadamente o endividamento fiscal, não indicando uma solução que possibilite o pagamento dos tributos municipais e estaduais e mantendo um prazo que já se mostra insuficiente para o equacionamento do passivo relativo a tributos federais, qual seja, 120 meses.
Não obstante, de maneira que beira o absurdo, o PL 10.220/2018, mantém o credor fiscal como extraconcursal. Ou seja, não sujeito ao processo de recuperação judicial e autoriza ao credor estatal o requerimento de falência. Tal situação se revela como a auge da contradição, pois, a um só tempo, continuará a se dar tratamento privilegiado aos débitos fiscais, que permanecem extraconcursais, permitindo-se, no entanto que sirvam eles de suporte para requerer a falência da empresa em regime de recuperação judicial”, explica Lollato.